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20 de Abril de 2024
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    Vamos terceirizar os ministros do STF

    Publicado por Justificando
    há 6 anos

    Em 30 de agosto de 2018 o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário nº 958.252 e à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 324. Embora ainda não estejam disponíveis os acórdãos (decisões proferidas em julgamentos por tribunais), sabemos que o objeto de discussão era a súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho.

    O argumento apresentado no recurso extraordinário é que essa súmula viola o princípio da legalidade, previsto no art. , II, da Constituição, por restringir a liberdade de contratação ao ultrapassar os limites da legalidade, pois não havia nenhuma lei que proibisse à terceirização. Ou seja, terceirizar não seria um ato ilícito, conforme extraímos do acórdão dos Embargos Declaratórios no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo:

    Dentre as justificativas, pinçamos argumentos nalgumas notícias, entre os quais: a ampliação dos postos de trabalho; a redução dos custos operacionais das empresas para evitar o consumo de produtos e serviços estrangeiros mais baratos; o domínio empresarial assegurado aos agentes econômicos pela livre iniciativa[2]; a ausência de vedação constitucional à terceirização por ausência de imposição de um modelo econômico constitucional em específico; a necessidade de ser passageiros do futuro em vez de prisioneiros do passado, assegurarão “a todos os trabalhadores, emprego, salários dignos e a maior quantidade de benefícios que a economia comportar.”[3]

    Certamente a argumentação não se resume a isso, mas, para nós, é suficiente para demonstrar os equívocos interpretativos que são de duas ordens. O primeiro equívoco, acerca do modelo econômico estabelecido na Constituição de 1988. O segundo equívoco, acerca da suposta ausência de lei a proibir a terceirização.

    O modelo econômico constitucional brasileiro

    A começar pelo fato de os direitos sociais demarcarem os limites da livre concorrência, prevista no art. 170, IV, da Constituição. É livre, desde que não viole direitos fundamentais. No mesmo art. 170 que prevê a livre concorrência, estão os fundamentos da ordem econômica e os princípios sobre os quais está assentada a justiça social:

    Esses princípios constituem uma concepção econômica específica que enseja um modelo capitalista um modelo econômico específico, um modelo capitalista nacionalista, de orientação social liberal, com escopo no desenvolvimento nacional. Depreendida dessa concepção é a afirmação do jurista Gilberto Bercovici, professor titular de Direito Econômico na Universidade de São Paulo

    O mercado interno não é sinônimo de economia de mercado, como pretendem alguns. A sua inclusão no texto constitucional, como parte integrante do patrimônio nacional, significa a valorização do mercado interno como centro dinâmico do desenvolvimento brasileiro, inclusive no sentido de garantir melhores condições sociais de vida para a população. Este artigo [219 da Constituição] reforça a necessidade de autonomia dos centros decisórios sobre a política econômica nacional, complementando os artigos II e 170, I da Constituição.[4]

    A adequada interpretação dessa definição necessita considerar duas correntes do pensamento econômico difundidas pós-segunda guerra mundial: “a dos pós-keynesianos, com sua ênfase nos instrumentos de intervenção do Estado e voltada para o planejamento e o controle do ciclo econômico, e a corrente liberal neoclássica, também chamada de monetária, que volta sua atenção fundamentalmente para as forças espontâneas do mercado.”[5]

    Certamente não é de uma concepção econômica neoclássica que tratamos na ordem econômica constitucional, como parece ter sido a argumentação dos sete ministros que consideraram inconstitucional a súmula nº 331 do TST. É, na verdade, um modelo econômico de inspiração advinda da obra do economista inglês John Maynard Keynes (1883-1946).

    Impossibilidade de terceirização antes da reforma trabalhista decorrente da CLT

    O art. da Consolidação das Leis do Trabalho, cuja redação é a mesma desde 1º de maio de 1943, prevê três requisitos para o vínculo de emprego. O primeiro é a subordinação do empregado ao empregador. O segundo é a habitualidade do trabalho, ou seja, o trabalho não pode ser realizado apenas eventualmente. O terceiro é o recebimento de salário pelo trabalho realizado.

    Leia também:

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    O Tribunal Superior do Trabalho editou a súmula nº 331 após reiterados julgamentos sobre a impossibilidade de terceirização de atividades-fim. Uma súmula é um ato normativo secundário. Os atos normativos primários são atos que criam, extinguem ou modificam direitos e obrigações (Constituições emendas às constituições, leis federais, estaduais, distritais e municipais, bem como tratados e pactos internacionais ratificados pelo país).

    Os atos normativos secundários são interpretações oficiais dos atos normativos primários (decretos, portarias, resoluções, instruções normativas, súmulas etc.). A súmula nº 331 do TST, da mesma forma, não ultrapassou os limites da legalidade, mas reafirmou os limites do art. da CLT, embora pensemos que sequer as atividades-meio podem ser terceirizadas[6]:

    CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

    I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

    II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

    III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

    IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

    V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

    VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

    Retomemos os requisitos do vínculo empregatício. A quem o terceirizado é, efetivamente, subordinado? À pessoa física ou jurídica que toma os serviços terceirizados ou à pessoa jurídica que presta serviços terceirizados?

    Para responder a essa pergunta é necessário pensar em quem toma os serviços. Se o tomador dos serviços, para quem o trabalho se destina, não contratasse a empresa terceirizada, não haveria prestação de serviço, ou o trabalhador seria contratado diretamente pela tomadora de serviços.

    Esse raciocínio serve para esclarecer com quem se estabelece a relação de subordinação e, por conseguinte, possibilita a revelação do verdadeiro empregador.

    A possibilidade de reconhecimento do vínculo direto decorre do art. da CLT que impõe a nulidade de todos os atos que tenham a finalidade de desvirtuar, impedir ou fraudar os direitos previstos na CLT: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”

    Por fim, uma importante análise das consequências das terceirizações foi realizada em livro organizado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, no qual encontramos uma advertência assustadora:

    Caso haja regulamentação irrestrita da terceirização, permitindo que ocorra em qualquer etapa da atividade produtiva das empresas, assim como da quarteirização, é provável que as diferenças aqui identificadas se aprofundem, com aumento da precarização das condições de trabalho e da remuneração. Se isso ocorrer, poderá haver uma piora na própria distribuição de renda no país, além do aumento da insegurança entre os trabalhadores, num momento de agravamento da recessão, em que o governo federal propõe reformas institucionais restritivas de direitos, como a previdenciária e a trabalhista.[7]

    Essas são as verdadeiras condições de trabalho e de vida dos trabalhadores terceirizados. Não serão geradas vagas de emprego formal e nem serão pagos salários suficientes para a manutenção da vida biológica. Os únicos beneficiários dessa decisão serão os especuladores que apostam dinheiro na desgraça de empresas vinculadas às bolsas de valores, produzindo miséria e expropriando milhões, senão bilhões de pessoas atingidas pelas adversidades da economia financeirizada global.

    Vamos terceirizar os ministros do STF

    Nossa consideração final é uma proposta de terceirização dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Levamos em consideração nessa proposta três argumentos. O primeiro é a a justificação do direito pela promessa de garantia das condições de vida, de acesso à produção e ao consumo, e de fim dos tratamentos privilegiados. O segundo é a existência de um movimento iluminista difundido pelo Supremo Tribunal Federal, encabeçado por alguns dos ministros que não veem óbice constitucional à terceirização. O terceiro é o ideal de rompimento com os privilégios aristocráticos e nobiliárquicos que orientou à revolução francesa.

    Não podemos perder a oportunidade, aberta com a chegada da ilustração ao Supremo Tribunal Federal, de pagar salários alinhados aos interesses da burguesia. Não podemos esquecer, afinal de contas, que a revolução francesa foi uma revolução burguesa, realizada para salvaguardar os próprios interesses e poder produzir crescimento econômico.

    Os brasileiros não têm o menor interesse em pagar os altos salários do judiciário. A competitividade decorrente da privatização exigirá dos magistrados a prestação de serviços a baixo custo, para maximizar a renda das elites econômicas. Também não podemos esquecer que os proletários terceirizados não terão condições de arcar com os altos salários e nós, pequenos burgueses, assim como os burgueses e os aristocratas, só queremos pagar menos impostos.

    Por isso, desde já sugerimos o valor da remuneração vinculado ao salário mínimo de R$ 954,00, compatível com a renda básica da maioria dos brasileiros desgraçados que mal sobrevivem nesta pátria que age como madrasta renegada em relação aos enteados, mas como mãe generosa, cobrindo de privilégios os filhos diletos.

    Há evidências incontestes de que os “nobres doutos” ministros, no auge de sua ilibada moralidade e sabedoria, estão dispostos a renunciar ao cargo, provavelmente ansiosos por isso, e, posteriormente, reassumir, na condição de terceirizados, pelo atrativo salário dos bondosos rentistas do mercado financeiro global a quem beneficiaram com a decisão analisada neste artigo.

    Afinal de contas, a legislação trabalhista precisa ser modernizada para que possamos garantir o acesso às condições mínimas de subsistência ao maior número de pessoas possível. Aliás, o valor do salário mínimo no Brasil nunca foi declarado inconstitucional, o que gera a presunção de que será suficiente para que os ministros sobrevivam, assim como o fazem os cem milhões de brasileiros que sobrevivem com renda familiar de até um salário mínimo![8]

    Ou talvez, seja mais viável economicamente terceirizar o órgão inteiro, inclusive o prédio! Ainda nesta direção, sob a égide da lógica de mercado capitaneada pelas boas intenções dos rentistas que “exigem” eficiência e eficácia da máquina pública, reduzida a uma agência fiduciária dos contratos que garantem escandalosa e imoral remuneração de seus vorazes e voláteis capitais depositados em terras tupiniquins, a terceirização do judiciário é decisão racional e inconteste.

    Rasgada e triturada a Constituição Federal, não faz sentido manter essa corporação improdutiva, dispendiosa em seus vencimentos, bem como em suas regalias e privilégios. Em pleno estado de exceção não há necessidade desta corporação.

    Talvez, a melhor opção não seja a terceirização, mas a privatização do judiciário, o que permitiria aos rentistas e aos fundos de investimento o pleno controle e uso, a baixo custo, dessa corporação de forma “transparente”, evitando os constrangimentos, as encenações, os discursos rebuscados necessários à conformação da “legalidade” de suas decisões. É tempo de inovar no judiciário ou, melhor, de inovar o judiciário…

    Luiz Eduardo Cani é Advogado, Mestrando em Desenvolvimento Regional na Universidade do Contestado, especialista em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal, graduado em Direito pela Universidade Regional de Blumenau. Professor de Direito na Universidade do Contestado.

    Sandro Luiz Bazzanella é Doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Educação e Cultura pela Universidade do Estado de Santa Catarina, graduado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Dom Bosco. Professor Titular de Filosofia na graduação e no mestrado da Universidade do Contestado.

    [1] Disponível em: .

    [2] Disponível em: .

    [3] Disponível em:

    [4] BERCOVICI, Gilberto. Política econômica e direito econômico. Revista da Faculdade de Direito (USP), v. 105, pp. 389-406, 2010, p. 406.

    [5] SANDRONI, Paulo. Economia política. In: ______. (Org.). Novíssimo dicionário de economia. Rio de Janeiro: Best Seller, 1999, p. 192.

    [6] Pensamos, ainda, que a reforma trabalhista gerou uma ausência de proteção aos direitos sociais que viola o critério da proporcionalidade na vertente de proibição de proteção insuficiente/deficiente, bem como cria duas categorias de trabalhadores, a dos empregados diretos e a dos terceirizados, remunerados distintamente. Portanto, só pode ser inconstitucional.

    [7] PELATIERI, Patrícia; CAMARGOS, Regina Coeli; IBARRA, Antonio; MARCOLINO, Adriana. Terceirização e precarização das condições de trabalho: condições de trabalho e remuneração em atividades tipicamente terceirizadas e contratantes. In: CAMPOS, André Gambier. Terceirização do trabalho no Brasil: novas e distintas perspectivas para o debate. Brasília: IPEA, 2018, p. 28

    [8] https://odia.ig.com.br/_conteudo/economia/2017-11-29/ibge-metade-da-populacao-brasileira-vive-com-menos-de-um-salário-minimo.html

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