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25 de Abril de 2024
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    Cotas eleitorais de gênero: o sistema brasileiro precisa ser revisado?

    Publicado por Justificando
    há 6 anos

    Maioria numérica no Brasil, atingindo quase quatro milhões de excedentes em 2010[1], as mulheres vêm adquirindo gradativamente maior relevância social e econômica, representando atualmente 43% do mercado de trabalho formal. Em 2010, 38,7% dos 57,3 milhões de domicílios registrados no IBGE já eram comandados por mulheres.

    Entretanto, mesmo aliadas aos ideais democráticos internacionais e brasileiros, a ampliação demográfica e a crescente relevância social das mulheres não se traduziram em aumentos significativos na participação efetiva das brasileiras nas diversas esferas de poder público e privado[2]. Assim, destaca-se no presente trabalho a perpetuação quase imaculada do hiato de gênero identificado na representatividade política brasileira: não obstante os esforços em contrário, o poderé masculino, e a política, um ambiente de resistência passiva contra a liderança feminina[3].

    Para Rosalba Todaro, “existe uma ordem social de gênero que interatua com uma ordem social geral”, constituindo um sistema de relações sociais masculinas e femininas das quais se extrai uma divisão sexual do trabalho a partir de fatores sexuais simbólicos, sendo inegável que o gênero é fator determinante também nas relações políticas – na divisão sexual do trabalho que permeia a sociedade brasileira, a política não é um espaço feminino.Na mesma esteira, aduz Luciana Panke que para os candidatos homens, as barreiras de apoio partidário, financiamento de campanha e obtenção de uma equipe de confiança são sensivelmente facilitadas pelas características eminentemente masculinas deste território de disputa de poder.

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    Tais premissas construídas a partir dos estudos de democracia e cidadania deviés feminista são confirmadas pelos recentes levantamentos realizados pela União Interparlamentar – UIP, dos quais se extrai que as mulheres brasileiras, apesar de constituírem 52% do eleitorado do país nas eleições de 2016 – percentagem que irá se repisar nas eleições de 2018 – constituem apenas 10% do parlamento, ocupando, portanto, a 155ª posição entre 189 países[4].

    Tal fato, que se repisa em diversos países, é objeto de estudos do Projeto de cotas de gênero difundido pela ONU e pela União Interparlamentar, o qual prevê três tipos básicos de cotas com a finalidade de ampliar a participação de mulheres na representação política.

    Segundo Dahlerup, professor organizador do projeto, as cotas de gênero empregadas na política podem ter a seguinte configuração, normalmente replicada nas iniciativas legislativas voltadas para reduzir a sub-representação das mulheres na política: 1. Reserva de assentos para mulheres no Parlamento; 2. Cotas de gênero legalmente exigidas para lista de candidatos; 3. Cotas voluntariamente constituídas pelos partidos políticos.

    No Brasil, a legislação aprovada para melhorar as oportunidades das mulheres de ingressarem na vida política tem sido do tipo 2 no esquema proposto por Dahlerup desde 1995, ano em que entrou em vigor a Lei nº 9.100/95, determinado que ao menos 20% das vagas de cada partido ou coligação fossem preenchidas por um dos gêneros. A Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleicoes) elevou o percentual mínimo de cada gênero para 25%, sendo novamente elevado a 30% nas eleições posteriores, percentagem mantida atualmente.

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    Em adição, no ano de 2009 a reforma eleitoral introduzida pela Lei nº 12.034 instituiu novas disposições na Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9096/1995) de forma a privilegiar a promoção e difusão da participação feminina na política ao determinar que os recursos do fundo partidário sejam aplicados na criação e manutenção de programas de inclusão de mulheres em ao menos 5% do total repassado – discussão em voga ante recente decisão que garantiu às candidatas os mesmos 30% dos valores do fundo partidário.

    As medidas,no entanto, não vêm impactando como se esperava: há de se questionar a qualidade e eficácia dos métodos e legislações atualmente aplicados, vez que as cotas adotadas no sistema brasileiro permitem falhas graves que impedem a real participação feminina na democracia e o alcance de uma “maior igualdade”.Tal fato fica nítido dos bancos de dado da Justiça Eleitoral: apesar de as cotas estarem em vigor desde 1995, adquirindo o formato atual em 2010, as evoluções vêm sendo bastante tímidas: de 5% de cadeiras no Parlamento Brasileiro em 1990, passamos para 9,9% em 2016.

    As razões para evoluções guardam relação com os muitos obstáculos enfrentados pelas candidaturas femininas, relacionados não apenas com a legislação deficiente ou pouco eficiente, mas também com a falta de financiamento de campanha e a violência simbólica: machismo, objetificação, estigmatização[5]. Pierre Bordieu afirma ver sempre “a dominação masculina e a maneira como ela se impôs e se sustentou, o exemplo por excelência desta submissão paradoxal, resultante daquilo que eu chamo de violência simbólica, violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas”[6]. Vítimas que não reconhecem a violência que sofrem e que tampouco conhecem os caminhos para saná-la.

    Às discussões acerca da estagnação na participação política feminina soma-se a revitimização de mulheres ante as muitas denúncias de fraudes eleitorais: ainda são apuradas irregularidades em candidaturas de mulheres que não receberam nenhum voto nas eleições municipais de 2016, mulheres estas que sofrem as consequências de uma fraude em que, muitas vezes, sequer tomaram parte. Em todo país, 14.417 mulheres foram registradas como candidatas, mas não receberam um único voto – nem o seu próprio, evidenciando a ocorrência de ‘candidaturas laranjas’, que esvaziam de qualquer sentido a norma eleitoral.

    Neste sentido, nas eleições brasileiras de 2008 o Tribunal Superior Eleitoral, a partir do julgamento Recurso Especial Eleitoral nº 14-9/PI[7], entendeu que lançar candidatas com escopo exclusivo de preenchimento das cotas configura fraude eleitoral, possibilitando medida judicial para as situações nas quais se identificava a burla da legislação. Até então a previsão era de processamento por meio de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), a qual prevê, dentre suas hipóteses de cabimento, a obtenção de mandato por meio de fraude.

    Um ano depois, a Justiça Eleitoral brasileira inovou ao entender a possibilidade de investigação de fraude às cotas eleitorais por meio de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE). Tal decisão foi amplamente questionada na doutrina, posto que a previsão legal da referida ação eleitoral não possui presciência de aplicabilidade para os casos de fraude.

    A partir dessa orientação, a discussão ganhou nova complexidade, ao nos depararmos com decisões que, ante a fraude, cassavam os mandatos de homens, ressalvando os mandatos das candidatas mulheres. Apontam alguns autores, no entanto, que não seria tecnicamente correta a anulação parcial do DRAP (demonstrativo de regularidade de atos partidários) sem atingir a integralidade as candidaturas, inclusive as mulheres. Não obstante, tais decisões, ainda que minoritárias, vêm sendo tomadas sob o argumento de proteção da intuito legis.

    De fato, a discussão é intrincada: uma legislação cunhada para garantir a participação feminina no pleito, se aplicada de forma tecnicamente escorreita, pode vir a significar a cassação não apenas de direitos políticos e candidaturas femininas, mas de cargos de mulheres eleitas em chapas posteriormente consideradas fraudulentas.

    Assim, o presente trabalhointende questionar se o persistente problema da sub-representação não seria resolvido com a adoção de uma legislação mais agressiva que garantissenúmero reservado de assentos para o Parlamento – a modalidade 1 do esquema deDahlehup – abandonando-se assim questões relativas a eventuais vícios de formação na coligação gerados pelas “cotas de registro”, que viriam a ser substituídos pelas chamadas “cotas de assento”.

    Isto porque resta evidente, do narrado acima, serem necessárias alterações legislativas não apenas no que concerne a destinação de verbas especiais do fundo partidário, uma vez que a falta de apoio dos próprios partidos políticos é uma constante nas campanhas eleitorais de mulheres[8], mas também acerca da própria constituição das cotas gênero, que podem acabar prejudicando as candidaturas e mandatos femininos.Portanto, fulcral analisar a participação feminina na política e sua adequação às previsões internacionais de direitos humanos à luz de propostas que prevejam as cotas de modelo número 1 de Dahlerup.

    Com relação às propostas que se originaram na Câmara dos Deputados, tem-se a PEC nº 205/07[9] e a PEC nº 371/13[10], a qual se encontra atualmente apensa à primeira. Ambas apontam a possibilidade de cotas de assento através de percentuais fixos e progressivos. Quanto às propostas de emenda à Constituição apresentadas no âmbito do Senado Federal, tem-se a PEC nº 98/2015[11], e a PEC nº 23/ 2015[12], propostas estas mais assertivas, vez que visam a participação igualitária.

    Destaca-se ainda o Manifesto da Sociedade Civil por uma Reforma Política, documento assinado por mais de cem organizações da sociedade civil brasileira, projeto que busca garantir a alternância de gênero nas listas preordenadas dos partidos em eleições proporcionais com sistema de votação em dois turnos. A proposta, encampada politicamente, tramita na Câmara dos Deputados como Projeto de Lei nº 6316[13], de 2013.

    Há de se anotar que diversos países já obtiveram resultados bastante satisfatórios com as cotas de assento, com média mundial aproximada aos 25% de participação feminina. Não obstante, salienta-se que muito além da a modificação do sistema de cotas brasileiro para a reserva de assentos, uma maior atenção a questões de igualdade de gênero possuiria impactos significativos, vez que em nenhum dos países estudados com participação feminina acima de 20% as cotas de assento vieram dissociadas de políticas públicas de empoderamento feminino[14].

    Neste ano, novas eleições se aproximam sem qualquer modificação legislativa para garantia de maior representatividade feminina. Cabe a nós a discussão ampla e aprofundada do tema, acompanhada da forte pressão social por políticas públicas de empoderamento feminino e conclamação social por cotas mais efetivas, a fim de que futuramente possamos celebrar a realização dos direitos políticos femininos e a consequente avanço da qualidade democrática brasileira.

    Juliana Bertholdi é especialista em Direito Público e pós-graduanda em Direito Eleitoral, advogada criminalista e eleitoralista. Atualmente desenvolve pesquisas na área de Direito Constitucional, Direito Eleitoral e Ciência Política.

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