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19 de Abril de 2024
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    A sexualidade das mulheres nas prisões

    Publicado por Justificando
    há 6 anos

    Sexualidade é assunto quilométrico. Freud tem uma coleção de vinte quatro volumes sobre isso, por que nós não teríamos mais de uma ‘Insurgências’, não é? No artigo “A sexualidade nas prisões: o Estado se comportando como avestruz” emergiram muitas ideias e várias pontas para serem puxadas numa conversa mais demorada. Vamos ‘esticar o chiclete’, então.

    Mais uma inspeção do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) nos idos de 2010. Nesse estado iríamos visitar um estabelecimento prisional que havia sido projetado para acolher mulheres grávidas e mães acompanhadas de suas crianças com até um ano de idade. Aqui já é preciso uma pausa na história, pois esse tema começa com contradições.

    Considerando as possibilidades de responsabilização penal diversas da prisão, a importância do vínculo materno e da primeira infância e o perfil das mulheres encarcerados no Brasil, não haveria necessidade de um local assim, afinal essas mulheres não deveriam estar encarceradas. Esse entendimento tem obtido mais aceitação recentemente, em especial com a decisão do STF sobre o habeas corpus coletivo que concede prisão domiciliar a mulheres grávidas e mães presas. No entanto, enquanto isso não se consolida, aceitar mulheres parindo com algemas e crianças separadas de suas mães abruptamente para serem institucionalizadas ou adotadas “apressadamente”, não é admissível.

    Voltando à visita, aquela era uma cadeia relativamente nova e bem conservada, espaços arejados, ala de gestantes separada das mães, alimentação e atendimento de saúde adequados. Entramos nas instalações, conversamos com as mulheres. Algumas delas estavam na escola, enquanto seus bebês eram cuidados por outras. Havia um revezamento solidário para que as mães pudessem se ocupar de outras atividades. Parecia que haviam pensado em tudo, mas não.

    Onde é o espaço de visita íntima?

    Visita íntima?

    Sim, visita íntima?

    (Já me sentindo num diálogo com o personagem Rolando Lero).

    Não temos.

    Nesse caso, onde elas ocorrem?

    Não ocorrem, não está previsto para esta unidade.

    (Quanto mais eu ouvia, pior ficava).

    Na verdade, as mulheres não recebem muitas visitas.

    Mas essa falta de previsão não elimina as possibilidades?

    Talvez, mas nessa fase as mulheres estão muito voltadas às crianças. Tem outros interesses.

    Então você acha que as mulheres não têm necessidades e desejos sexuais porque estão gestantes ou são mães?

    Não me entenda mal, nós também precisamos cuidar porque daqui a pouco elas ficarão grávidas o tempo todo para poderem ter os benefícios desta unidade aqui.

    Para ti parece razoável pensar que uma mulher passaria por tudo que envolve a gravidez e a maternidade unicamente com o objetivo de ficar custodiada aqui neste estabelecimento ou mesmo para obter uma prisão domiciliar?

    Pode não ser bem assim, mas às vezes elas não pensam muito e nem usam medidas contraceptivas.

    Nesse caso, programas educacionais e preventivos poderiam colaborar. E, de qualquer forma, cada uma tem o direito de escolha sobre sua trajetória e corpo. Estamos falando de aspectos da intimidade que não podem estar cerceados pela pena, muito menos por uma medida administrativa. Pense, ainda, o que significa para um casal um ano sem contato sexual, o que acontecerá com essa relação.

    Na prisão, não só não queremos lidar com a sexualidade, como também reproduzimos as desigualdades das relações de gênero para fundamentar esse posicionamento. A mulher vista como um aparelho reprodutor, sem desejo ou direito ao prazer, sem possibilidade de se autodeterminar e com pouca inteligência ou equilíbrio são concepções históricas que caracterizam a sociedade brasileira. Por isso, negar ou controlar a sua sexualidade é também reafirmar um lugar para o feminino no ambiente público.

    Há muito mais coisas a fazer nas prisões brasileiras do que investir em paredes, tecnologia e isolamento. Reverter o problema da violência e da falta de controle interno necessariamente passa pela revisão da abordagem institucional, dos procedimentos e da formação dos servidores. A sexualidade é tema relevante na convivência das pessoas que vivem e trabalham na prisão, não pode ficar de fora das mudanças que precisamos ter no sistema penal. Se não falamos dela, ela fala por nós, da pior forma.

    Valdirene Daufemback é psicóloga, doutora em Direito e integrante do Laboratório de Gestão de Políticas Penais da UnB. Foi Ouvidora e Diretora do Departamento Penitenciário Nacional. Acredita na promoção de políticas públicas e numa visão interdisciplinar e comunitária para termos um mundo melhor para todxs.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-sexualidade-das-mulheres-nas-prisoes/604417572

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