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20 de Abril de 2024
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    O punitivismo chegou aos juízes do trabalho!

    Publicado por Justificando
    há 6 anos

    Um assunto cada mais recorrente nos dias atuais é o excesso de punitivismo que permeia o meio jurídico, altamente desproporcional em relação aos “crimes” praticados no seio da sociedade. Desde a edição da malfadada Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/1990), passando pelos aumentos de pena em diversos crimes previstos no Código Penal, a introdução de novos tipos penais, até o advento da “Operação Lava-Jato”, verifica-se um exponencial aumento da sanha punitivista entre os agentes públicos, sob os aplausos de uma sociedade que comemora a prisão de quem quer que seja.

    O Ministério Público atualmente age, de uma forma genérica, como cão raivoso em busca de uma vingança estatal que, como sabemos, não é consentânea com o múnus da instituição tampouco com a finalidade da pena a ser imposta pela prática criminosa. E juízes atuam de forma cada vez mais inquisitória, ao contrário de seu dever de ofício de neutralidade na esfera criminal, observado o postulado constitucional da presunção de inocência e, ainda, a ampla defesa e o contraditório.

    Como se vê no clássico de Michel Foucault, “o que se precisa moderar e calcular são os efeitos de retorno do castigo sobre a instância que pune e o poder que ela pretende exercer”[1]. O direito penal implica em punição física, isto é, no cerceamento da liberdade de ir e vir do acusado; razão pela qual deve ser considerado como a última opção (ultima ratio) do Estado a fim de evitar comportamentos delituosos.

    A pergunta que sempre deveria ser feita ao se utilizar do direito penal é “um crime como esse deveria ser punido?” e, ainda, “de acordo com que medida?”[2]… Como visto, há hipóteses de desvio de condutas na sociedade que não deveriam merecer a repressão penal do Estado causando o cerceamento da liberdade do acusado, tudo isso considerando a natureza do delito praticado e o dano causado ao corpo social.

    Ao adotar o punitivismo penal contra testemunhas e partes, a Justiça do Trabalho deixa cair a máscara de “justiça especializada” e se rende ao senso comum. Em que pese já existir casos de punitivismo penal na Justiça do Trabalho, a sua ocorrência aumentou significativamente após o advento da “reforma trabalhista” que foi promulgada numa conjectura totalmente desfavorável à classe trabalhadora e com nítido viés empresarial.

    Explico.

    Alguns juízes do trabalho têm se utilizado do crime tipificado no artigo 342 do Código Penal para requisitar ao Ministério Público Federal a abertura de procedimento criminal contra testemunhas no caso de terem cometido o crime de “falso testemunho” em juízo. Até aí, nenhuma novidade. Entretanto, é precisar ponderar que o tipo penal requer a existência inequívoca de “dolo”, isto é, que a testemunha tenha o intuito de enganar o juiz, levá-lo a erro, prestar informações falsas. O fato de se equivocar quanto a certos fatos passados, especialmente considerando o tempo transcorrido entre o testemunho em juízo e o fato presenciado, não é punível, uma vez que não há intenção de cometer a infração penal. Sem a presença de “dolo” claro e inequívoco pela testemunha, não existe o crime de “falso testemunho”, conforme demonstra a jurisprudência penal. A título de exemplo: “Não é suficiente para configurar o falso testemunho que o depoimento seja contrário à verdade e que possa causar prejuízo; é preciso, ainda, que tenha sido feito com intenção dolosa” (TJSP, RT 415/63).

    Portanto, deveria o magistrado trabalhista agir com extrema cautela, haja vista a possibilidade de retratação da testemunha após ter prestado seu depoimento em audiência, fato que extingue a punibilidade e impede a prisão em flagrante delito durante ou logo após o seu depoimento. A título exemplificativo, a jurisprudência trata da prisão em flagrante como espécie de prisão cautelar e refuta essa possibilidade: “Constitui constrangimento ilegal a decretação de prisão cautelar do paciente com base unicamente na existência de contrastes havidos entre o seu depoimento e o de outra testemunha, no bojo de audiência realizada em processo judicial trabalhista. Precedente desta Corte Regional Federal” (TRF1, HC 54823 DF).

    E que não se fale em “prevaricação” na conduta do juiz que deixa de oficiar o Ministério Público Federal em face de suposto crime de “falso testemunho”. O tipo do artigo 319 do Código Penal também é eminentemente doloso, não recaindo nele a conduta do magistrado que interpreta o teor do depoimento da testemunha de modo subjetivo e nele não vê a prática de qualquer crime.

    Como escreve Foulcault em sua obra clássica, “a prisão em seu todo é incompatível com toda essa técnica da pena-efeito, da pena-representação, da pena-função geral, da pena-sinal e discurso. Ela é a escuridão, a violência e a suspeita”[4]. O Juiz do Trabalho que pretende cercear a liberdade de locomoção de alguém sujeito à sua jurisdição especializada demonstra não ter o mínimo conhecimento das razões de punir, de criminologia crítica, revela desconhecer a realidade do aprisionamento em massa e demonstra a sua própria incapacidade de lidar com os problemas afetos exclusivamente à jurisdição especializada.

    Átila Da Rold Roesler é juiz do trabalho na 4ª Região e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e ex-delegado de Polícia Civil.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/o-punitivismo-chegou-aos-juizes-do-trabalho/599360791

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