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24 de Abril de 2024
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    Da necessidade de uma atuação jurídica combativa

    Publicado por Justificando
    há 6 anos

    Dois equívocos são comuns quando se enfrentam as estruturas pomposas e, em geral, ocas, do Direito, à depender de quem o faz: a paixão e a absoluta repulsa. Embora o segundo seja mais justificável que o primeiro, é necessário destacar que ambos levam à abstração da base histórica do fenômeno jurídico, seja por fechar os olhos à seu propósito, seja por virar as costas à sua relevância. De tal modo, as duas noções apelam aos sentimentos, como dizem Engels e Kautsky, “uma para o sentimento jurídico, outra para o sentimento de humanidade”[1], abdicando da racionalidade que deveria informá-las.

    É necessário haver, em tudo que se pretenda pautar, uma base científica rigorosa de compreensão crítica do mundo. Assim, aqui, não poderia ser diferente. Antes de abordar a importância da manipulação estratégica do Direito, é preciso que reconheçamos que ele está longe de salvar o planeta, contribuindo sensivelmente, na verdade, para torná-lo pior. E não o faz, com o perdão dos sensíveis bajuladores da toga, por ingerência ou, ainda, por sua simples captura por este ou aquele grupo economicamente privilegiado.

    Em que pese ser verdade que é, justamente,um grupo específico de pessoas, alinhadas, por suas experiências de vida e específica socialização, a um atrasado e restrito modo de pensar, que com maior facilidade acessam os estratos de poder, esta não pode ser encarada como a única causa de uma atuação tão perversa como se tem visto do Direito, utilizado, sem o mínimo pudor, à legitimação de golpes e ao extermínio de minorias.

    O motivo de sua inclinação às mazelas da desigualdade tem raízes muito mais profundas que a sua contingência pela elite dos cursinhos da magistratura. Esta se relaciona, sim, à sua estruturação, responsável por revelar serem suas premissas fundantes, ou seja, seus conceitos mais abstratos e gerais, derivadas das mais fundamentais relações produtivas do sistema econômico contemporâneo, afeiçoado, como não se faz necessário omitir, à construção e reconstrução da miséria.

    A forma-jurídica se forja enquanto núcleo da ideologia burguesa, vertendo-se em seu modo de ver e explicar o mundo, no curso da história e de suas contradições. Se no feudalismo as relações de troca ocorrem de maneira incidental, os fenômenos históricos sucedidos fazem com que estas se desenvolvam, assumindo caráter central da vida em comunidade.

    Não bastasse, o Estado capitalista, embora seja o centro condensado de todas as relações da base estrutural econômica, não se encerra em si. Construído enquanto ampliado, atrai para sua órbita gravitacional uma série de instituições que lhes serão úteis por possibilitar construir, por diversos aspectos, a sociabilidade capitalista, conformando a teia ideológica que lhe sustentará a existência[4]. Neste sentido, aquelas instituições que compõem o direito, lhe cedendo concretude, como o Ministério Público e os tribunais, nada mais podem ser compreendidas, a não ser como elementos constituídos à edificação das condições de existência do capital.

    Portanto, se pode chegar numa triste constatação: não há salvação para (ou pelo) Direito. Sua essência, a razão que lhe informa, e todo seu entalhe não apenas se relacionam, como derivam, diretamente, das dinâmicas mais necessárias às bases do capitalismo. Seus códigos e suas leis, bem como seus tribunais e títulos, servem unicamente à operacionalização daqueles conceitos formais necessários à possibilitar que as pessoas se vendam no mercado, dispondo de sua força.

    A precarização dos corpos negros e de outros grupos, marcados pela identidade violentada, e empurrados às margens da existência, sendo forçados à compor os calabouços da sociedade, é uma manifestação inconteste de tal sistema, que, interessado em dar cabo ao lucro, ressignifica as distorções sociais, compreendendo-as em seus próprios termos, e lhes cedendo uma nova dimensão ao inseri-las na própria divisão social do trabalho.

    De tal modo, a emancipação limitada pelos quadrantes do direito conduz à solidificação das concepções jurídicas de mundo[5], fazendo já estar vencida a batalha pela violência, uma vez que incorre no fortalecimento das premissas econômicas do capitalismo, vinculado, em absoluto, com o machismo, o racismo, a LGBTfobia e violências congêneres. Não há, assim, Direito para o povo, de modo que a superveniência de uma sociedade igualitária depende, irrestritamente, da superação do “estreito horizonte jurídico burguês”[6].

    Ocorre que esta verdade não nos exime de reconhecer a relevância do direito nas narrativas sociais. Além de se tratar de “arma imediata”[7] na luta de classes, sua eventual ocupação pelos contingentes explorados, quando mais ou menos organizados, permite que seja utilizado de forma oportuna à perpetração de uma política de redução de danos, destinada a garantir, ainda que minimamente, que o massacre legitimado pelas leis reduza sua incidência.

    A utilização estratégica das disposições legais em nada se relaciona, cabe dizer, para prevenir os mais ressabiados, com o desconhecimento de sua verdadeira natureza última. Afinal, como se bem tratou no começo deste texto, o apego ao Direito como mecanismo capaz de promover a subversão do status quo é um erro tão grave quanto o descaso a este. É necessário lembrarmo-nos que “a legalidade que nossos inimigos nos impõe é a mesma imposta a ele pela lógica dos acontecimentos”[8], de modo que, dadas situações, a única coisa que nos resta contra o direito é ele mesmo.

    Exemplos de esforços direcionados neste sentido não nos faltam. Talvez, inclusive, a intentona Zaffaroniana de, por meio da criação de seu chamado realismo jurídico-penal marginal, apropriar-se da produção da criminologia crítica, formulando um funcionalismo próprio à contenção dos males da seletividade penal, seja uma das mais impressionantes. Porém, fenômenos como o Direito achado na rua e, não menos importante, o positivismo de combate, são, dadas as condições de sua manipulação, igualmente louváveis

    Quer seja por meio de alternativas hermenêuticas, quer através da criação de bases teóricas jurídicas à uma manipulação humanista da legalidade, se faz necessária a disputa destes espaços, enquanto relevantes polos de confluência e distribuição do poder. A formação de magistradas e magistrados populares, bem como de promotoras e promotores afastados de um policialesco senso punitivista, além de, é claro, a luta por um ensino jurídico crítico e socialmente referendado, devem integrar nossas pautas. Não por ser, o Direito, nosso fim de luta, mas por ser, este, um importante elemento para que sigamos vivos para lutar.

    Caio Luís Prata é Graduando em Direito pela Faculdade de Educação São Luís, de Jaboticabal – SP.

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