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20 de Abril de 2024
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    A inconstitucionalidade da condução coercitiva: um julgamento que merece reflexões

    Publicado por Justificando
    há 6 anos

    No dia 14 de junho de 2018, após três sessões de julgamento, o Supremo Tribunal Federal, por apertada maioria, julgou que o artigo 260, do Código de Processo Penal, não foi recepcionado pela Constituição de 1988, ao analisar as ADPF 395 e 444. É bem verdade que a decisão reafirma a higidez de garantias conquistadas a duras penas, porém o resultado demonstra que a Corte está dividida, o que merece, por parte da comunidade acadêmica, uma importante reflexão. O silêncio sepulcral não pode ser a melhor resposta diante da ausência de unanimidade (o resultado do julgamento das arguições foi de 6 a 5) em questão tão importante para a vida de qualquer cidadão.

    A fim de fazer um contraponto, convém destacar alguns pontos do voto do Ministro Roberto Barroso, que sob a ótica da divergência, é paradigmático. Aliás, o ministro, de reconhecida atividade acadêmica, vem se manifestando de forma polêmica a respeito da espetacularização das ações policiais que o país, cujo discurso do combate à criminalidade soa como um verdadeiro mantra.

    O Ministro Barroso, em sua obra Direito Constitucional Contemporâneo adverte que a Constituição adota uma “postura garantista, em relação ao acusado, que é consectário natural do Estado democrático de direito”.[i] Pode-se perceber que o professor Luis Roberto Barroso entende que o garantismo é algo ínsito na Constituição. Seria incompatível um modelo, portanto, um modelo que não impusesse limites à atuação estatal no campo processual penal. Logo, práticas draconianas (aí inclui-se a condução coercitiva) seriam incompatíveis com o atual modelo constitucional. No entanto, de forma surpreendente, o Ministro Luis Roberto Barroso fala em “surto de garantismo”.

    Em determinado momento do seu voto, o ministro manifesta a sua incompreensão ao ver, após quase 80 anos, o surgimento de um inconformismo pela vigência do artigo 260, do Código de Processo Penal. Na sessão julgamento[ii], ironizou que concorreria a uma passagem para Zurique, para as Ilhas Virgens ou, ainda, para as Ilhas Cayman, quem adivinhasse o que teria ocorrido no Brasil para justificar a “súbita indignação” contra a condução coercitiva. E acrescentou o ministro dizendo que o Direito Penal, finalmente, teria chegado ao andar de cima, aos que se consideravam imunes e impunes. Agora, no Brasil, juízes corajosos estão quebrando o pacto oligárquico de imunidade e impunidade, o que teria gerado um grito dos chamados criminosos do colarinho branco.

    Em nome de um Direito Penal mais igualitário e menos seletivo, o ministro manifesta o seu apoio às conduções coercitivas. Interessante a postura de Sua Excelência de legitimar a ação em nome de uma moralidade que prega o fim da impunidade. Seriam os fins justificando os meios. Ocorre que o ministro deveria, antes de tudo, partir da premissa de que o feito colocado à apreciação do Supremo é uma ADPF, cujo objeto é de natureza abstrata. Não se está apreciando o descumprimento de preceito fundamental na condução coercitiva de Lula ou de dirigentes de empreiteiras.

    As duas ADPF se limitam a pedir ao Supremo que declare se o artigo 260, do Código de Processo Penal foi (ou não) recepcionado pela Constituição de 1988. Nada mais! Não caberia ao ministro fazer uma análise tão tacanha e afastada do espírito da Constituição. O plenário do STF não é palanque ou tribuna do Parlamento. Não há lugar naquele colegiado para discussões moralistas, populistas ou coisas do gênero. Ali as discussões e decisões devem ter como balizas a Constituição. São incabíveis as críticas a comparações, feitas da tribuna durante as sustentações orais, com momentos da história recente. Este é o papel de uma retrospectiva histórica: provocar uma reflexão nas diferentes interlocuções com intuito de evitar erros que já ocorreram no passado.

    Há uma coincidência entre o que ocorrera durante o regime totalitário e o momento atual. Ambos relativizam (e até suprimem) direitos e garantias fundamentais. Conduzir coercitivamente qualquer cidadão para ser interrogado é algo incompatível com o Estado Democrático de Direito. É algo peculiar para tempos totalitários. É o pau-de-arara moderno. É a tortura refinada que utiliza instrumentos psíquicos para obtenção de depoimentos. O simbolismo que a medida representa interfere emocionalmente no interrogado, levado-o ao estado de completa vulnerabilidade, o que acarreta um prejuízo insanável à defesa.

    Algo que também deve provocar preocupação na comunidade jurídica foi o argumento, vindo de um ministro da Suprema Corte do país, de que a condução coercitiva não se trataria de uma espécie de prisão, mas uma medida menos gravosa que leva o interrogado a prestar declarações por um curto período. Acresce, o magistrado, satisfeitas as hipóteses de prisão cautelar (notadamente da prisão temporária), seria perfeitamente possível a condução coercitiva sem prévia intimação.

    No entanto, apesar das preocupações apresentadas sobre aspectos intoleráveis de um dos votos da corrente minoritária, prevaleceu o direito de defesa, o combate de advogados que se portaram como grandes combatentes na trincheira democrática, como Técio Lins e Silva e Maurício Dieter. Este é o combate constante, diuturno, que caracteriza a luta dos homens de bem diante do arbítrio do Estado punitivista e policialesco. Venceu a democracia, o direito de defesa e a garantias constitucionais. Que esta seja a primeira de muitas vitórias. Ou melhor, a primeira (de muitas) epidemia (s) de garantismo.

    Rodrigo Medeiros da Silva é Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-inconstitucionalidade-da-conducao-coercitiva-um-julgamento-que-merece-reflexoes/592919382

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