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26 de Abril de 2024
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    O que podemos aprender com nossas hermanas?

    Publicado por Justificando
    há 6 anos

    1 de outubro de 2015: mais de 65 mil mulheres marcham em Mar del Plata, cidade litorânea da província de Buenos Aires, Argentina, durante o 30 Encuentro Nacional de Mujeres. O evento, celebrado anualmente no país desde 1986, reflete o amadurecimento de um movimento de construção coletiva que tem claras as suas pautas: o fim da discriminação de gênero, da morte de mulheres, e a aprovação legislativa do aborto legal, seguro e gratuito. Impulsionadas pela denúncia de 4 feminicídios ocorridos no fim de semana anterior, justamente quando despontava a campanha #NiUnaMenos[1], a coragem e obstinação das mulheres era contagiante.

    13 de junho de 2018, 5 horas da manhã: quase três anos depois, milhares de pessoas se aglomeram a margem direita do Congresso Nacional de Buenos Aires, compartilhando cobertores e goles de mate em uma madrugada congelante, enquanto aguardavam ansiosas (e ansiosos) o resultado da votação que descriminalizaria o aborto na Argentina até a 14ª semana.

    Dentro do prédio, já passadas 19 horas de debates entre os mais de 150 deputados inscritos para fala, os ânimos se acirravam, e se via uma intensa movimentação entre os corredores. O placar marcava 122 votos a favor do projeto, 127 contra, com 6 indecisos. O desfecho da votação histórica estava suspenso, a depender do trabalho de formiguinha das deputadas, mesa a mesa, e da pressão das milhares de garotas de lenço verde sentadas do lado de fora.

    Foram dois meses e meio de um debate que movimentou o país de norte a sul, ou no caso, de Jujuy a Terra del Fuego. Nas ruas das grandes capitais o lenço verde (referência icônica às mães da praça de maio) dominava a paisagem entre os jovens, aproximadamente 60%[2] deles apoiadores do projeto. O entusiasmo entre os estudantes foi tamanho que, às vésperas da votação, Buenos Aires contava com 11 colégios tomados, alguns guardados pelo lado de fora pelos meninos, enquanto suas colegas marchavam para a vigília na praça do congresso. Passaram pelo plenário mais de 700 exposições, favoráveis e contrárias, com toda sorte de argumento que deve suscitar um tema relevante e complexo como o proposto.

    Em contraste aos lenços verdes, surgiram os panos azul-celeste (curiosa coincidência, as mesmas cores da bandeira nacional), que se posicionavam a favor da vida. Talvez tentando fugir da armadilha criada por seus opositores, surge o imperativo “Salvemos a las dos vidas!”. O argumento se enfraqueceu, entretanto, quando chegada a data da votação não havia sido apresentado contra-projeto, ou proposta que seja para a redução das mortes de mulheres por abortos mal provocados (segundo estudos, a principal causa de morte materna no país[3]). Diz-se que a deputada Alejandra Vigo (Union por Córdoba), única abstenção na votação, teria se movimentado em prol de alternativa secundária, sendo desestimulada por seus pares sob o receio de rachar ao meio a oposição.

    No congresso, resultados que enganam à primeira vista. Há quem possa supor (muito logicamente) que a porcentagem de mulheres favoreceu a votação, já que a composição do legislativo argentino é 40% feminina (ao contrário dos vergonhosos 10,5% brasileiros[4]). Se as deputadas ajudaram a colocar o tema em pauta, não definiram a votação: das 100 que participaram, 50 votaram favoráveis e 49 contrárias. Uma margem similar ocorreu entre os homens, 79 votos pelo sim, e 76 pelo não.

    Outro dado ardiloso é o que compara a faixa etária das mobilizações nas ruas com a posição na câmara. Se do lado de fora do congresso a maioria eram jovens, do lado de dentro a equação é neutra: a faixa de idade dos que votaram a favor é de 49, e contra, 51. Resta saber se o fator etário influenciará no Senado, próxima parada do projeto, onde a média de idade é de 57 anos, contra os 50 da câmara[5]. O que se pode afirmar é uma disparidade geográfica, sendo a maior parte dos votos contrários provenientes do interior do país, e os favoráveis, da capital e seus entornos.

    O projeto, que agora segue seu longo trâmite até a aprovação, já deixou sua marca indelével: a ascensão de um novo ator político. Mulher, jovem, com um lenço verde no pescoço e glitter nas bochechas.

    Os argentinos tiveram a coragem de colocar na ordem do dia suas necessidades sociais, de enfrentar as demandas dos novos tempos, por mais espinhosas que fossem. De ouvir a voz da juventude emanando das ruas, e de promover um amplo e sério debate, respeitando as regras do jogo democrático. Está na hora do Brasil fazer o mesmo.

    “Educación sexual para decidir, anticonceptivos para no abortar, aborto legal para no morir”!

    Luiza Veronese Lacava é graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/USP). Foi estudante estrangeira na Universidade de Buenos Aires (UBA), durante o ano de 2015. Advogada.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/o-que-podemos-aprender-com-nossas-hermanas/591267688

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