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23 de Abril de 2024
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    O exemplo de racismo institucional defendido por Sérgio Moro

    Publicado por Justificando
    há 6 anos

    Ontem, 26, o Juiz Federal da 13ª Vara de Curitiba, Sérgio Moro, foi convidado no conhecido programa Roda Viva da TV Cultura. Dentre tantas afirmações que fez, destacou-se sua longa defesa da relativização da presunção de inocência, tema candente desde 2016, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu, ao contrário do que prevê a Constituição, que não era necessário trânsito em julgado para execução da pena, sendo suficiente a decisão de segundo grau, isto é, tribunais de justiça e regionais federais em geral.

    À televisão, Moro afirmou: “tenho expectativa de que esse precedente não vai ser alterado”, pois, para ele, “passaria uma mensagem errada de que não cabe mais avançar”. Caso o Supremo alterasse o entendimento, o magistrado acredita, na primeira pessoa do plural, que “vamos dar um passo atrás, seria uma pena” e sugeriu, ainda, nesse caso, que o Congresso fizesse uma emenda constitucional consagrando o entendimento, talvez desconhecendo o artigo 60 da Constituição que prevê não ser possível emenda que tenda a diminuir ou abolir cláusula pétrea, tal qual a liberdade.

    Afora a inconstitucionalidade em relativizar a presunção de inocência, uma vez que o texto não deixa margem de dúvida quanto à interpretação, acompanhada das declaradas motivações utilitaristas pelos ministros na data do fatídico julgamento, algo simplesmente ignorado pelos que se dizem bastiões da ortodoxia das leis e da incorruptibilidade, gostaria de trazer as reflexões sobre como o julgamento e a defesa em rede nacional pelo magistrado e por demais agentes da justiça contribuem para o racismo. Para outros pontos da entrevista, recomendo a análise Rodrigo Sardenberg.

    Racismo institucional é uma forma de discriminação pelas instituição. O conceito foi definido pelos estudiosos e ativistas do Pantera Negra Stokely Carmichael e Charles Hamilton. Na obra “Black power: the politics of liberation in America. New York, Vintage, 1967, p. 4″, eles definem racismo institucional como “a falha coletiva de uma organização em prover um serviço apropriado e profissional às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica”. Além disso, são vários os autores que desenvolveram reflexões sobre o tema, como Jurema Werneck, Diretora Executiva da Anistia Internacional Brasil, além de centenas de estudos no país sobre o tema.

    Vale dizer, o enfrentamento ao racismo institucional é compromisso internacional do Estado brasileiro. Segundo o Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI), implementado no Brasil, racismo institucional é “o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Ele se manifesta em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes do preconceito racial, uma atitude que combina estereótipos racistas, falta de atenção e ignorância. Em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações”. (CRI, 2006, p.22).

    Trazendo para o Direito, são inúmeros casos de racismo institucional. Um dos mais recentes denunciados pelo Justificando – e que ilustra bem porque esse entendimento sobre a presunção de inocência é mais um caso de racismo institucional – é a Súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a qual chancela condenações criminais com base apenas na palavra do policial que efetuou a prisão. Nesse sentido, vale trazer as reflexões do Professor Doutor em Direito Antidiscriminatório pela Universidade de Harvard, Adilson José Moreira:

    Ora, partindo da reflexão do Professor Adilson Moreira sobre a súmula, podemos concluir que o entendimento sobre a presunção de inocência é um outro exemplo de racismo institucional, pois impacta de forma desproporcional um determinado segmento da população, produzindo e perpetuando materialmente a discriminação. Ela tem sido seguida em todo o território nacional, ou seja, produzindo efeitos territoriais muito maiores, e, vale dizer em processos que nada tem a ver com réus empresários, políticos, doleiros, etc, mas sim na já combalida massa carcerária, alvo preferencial da polícia e da justiça. Necessário dizer que a conclusão de que esse entendimento afeta mais a população negra fica evidente pela constatação de qual segmento racial é mais vezes réu na justiça criminal e, portanto, será muito mais impactado do que a população branca, uma vez que o Judiciário é seletivo e composto pela própria população branca.

    Sérgio Moro argumenta que a presunção de inocência transcende Lula, abrangendo todos os outros réus da Lava Jato. O que Sérgio Moro não diz é que, de fato transcende Lula, como também transcende, e muito, os réus da Lava Jato. Aliás, utilizar um microparcela da população que não corresponde à população carcerária como discurso é exemplo de má fé argumentativa. Não é possível que o magistrado não saiba que os entendimentos que ele defende têm sido aplicados em escala infinitamente maior em todo Brasil do que em seu castelo de Curitiba. Moro sabe disso, inclusive pois teve um choque de realidade em Londres, mas deliberadamente continua com um discurso que contribui para o racismo.

    Convido qualquer pessoa a comparecer em uma única sessão que seja no Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual cito pois conheço melhor, para termos a ideia do estrago que é feito pela relativização da presunção de inocência, como também pelo protagonismo de magistrado que vai à televisão como super-herói, algo, no mínimo, controverso.

    Isso posto, o propósito de Sérgio Moro contra Lula causa efeitos que ultrapassam o acusado, atingindo a maioria da população brasileira. Por essas e por outras, é muito grave sua propaganda pela relativização da presunção de inocência e mais um exemplo de seu descompromisso com os direitos humanos.

    Brenno Tardelli é diretor de redação do Justificando.

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