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24 de Abril de 2024
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    Supremo Tribunal Federal e a “vanguarda iluminista” em xeque

    Publicado por Justificando
    há 6 anos

    Foto: Nelson Jr./SCO/STF

    Os últimos “confrontos” do Supremo Tribunal Federal, televisionados e publicizados em todo o país, mostraram conflitos cada vez mais acirrados entre os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. “Entre mortos e feridos, salvaram-se todos”. No entanto, essa é uma situação em que não há vencedores.

    Gilmar Mendes acusa Barroso de manter um escritório no Rio de Janeiro e tentar passar pautas políticas progressistas no STF “a fórceps”, em uma clara violação dos deveres deste como ministro de uma Corte Constitucional.

    Barroso, por sua vez, responde que Gilmar Mendes não tem pautas, apenas ódio, rancor, atraso e todo tipo de sentimento ruim. Até aqui, ambos têm razão em suas críticas.

    Ainda que os objetivos de Barroso possam ser vistos, especialmente por setores da esquerda, como louváveis no sentido de avanço de pautas minoritárias, há que se considerar que eles são pouco legítimos de um ponto de vista de divisão de poderes e da legitimidade do direito.

    A teoria dos checksand balances, de equilíbrio de forças entre Executivo, Legislativo e Judiciário, falham quando se observa a cada vez mais constante tentativa de avançar tais pautas fora do procedimento democrático legítimo de mudança legal: o processo legislativo.

    Além disso, é pressuposto que a ascensão de um advogado à posição de Ministro de um Tribunal, especialmente o Supremo Tribunal Federal, importe no encerramento de suas atividades profissionais como advogado.

    Barroso parou formalmente de advogar, mas manteve o escritório no Rio de Janeiro operando com seus sócios, continuando a “emprestar” seu nome.

    A carreira de advogado de Barroso foi notável na arguição de questões polêmicas no STF – sempre buscando o avanço de direitos de grupos minoritários. Enquanto advogado, era prerrogativa sua questionar a constitucionalidade de omissões legislativas, de interpretações jurídicas e tentar mudar posições atrasadas da Corte.

    No entanto, Barroso é ministro desde 2013; o escritório segue com seu sobrenome na frente, com a justificativa de que o sobrinho do ministro, Rafael Barroso Fontelles, assumiu a sociedade – fato que não é falso.

    No entanto, o ministro segue ativo na tentativa de promover pautas mais progressistas através do STF – e agora com a necessidade de apenas outros cinco votos, já está lá para garantir votações e impor verdadeiras normas que precisariam seguir o rito tradicional no Congresso Nacional.

    No entanto, é o Congresso que foi eleito legitimamente pela população brasileira e, por pior que seja, tem legitimidade para barrar pautas que Barroso e partes da doutrina jurídica consideram necessárias. Ainda que se concorde com as pautas, o STF não é o palco mais apropriado para estes debates se o que se deseja é uma decisão simultaneamente progressista e legítima.

    Em recente coluna publicada no jornal Folha de S. Paulo, Barroso rebate críticas feitas pelo Professor Conrado Hubner Mendes sobre a atuação dos ministros do STF (que, na visão de Mendes, agridem a democracia) e reafirma o que já vem pregando há anos: que o Supremo Tribunal Federal tem três funções, sendo elas contra majoritária, representativa e de “vanguarda iluminista”.

    Por contra majoritária, ele entende que a atuação da Corte deve ser de salvaguarda dos direitos dos grupos minoritários. Para proteger as minorias de imposições discriminatórias e desarrazoadas das maiorias, o Supremo Tribunal Federal atuaria independentemente do que tenha sido garantido, restringido, apreciado ou deixado sem tutela pelo Congresso Nacional.

    O Congresso teria sua legitimidade garantida pela eleição, mas não teria liberdade de agir contra as minorias – o que de fato pode acontecer, tendo em vista que a atuação ocorre segundo os grupos de políticos eleitos.

    Barroso fala que o STF tem visto a si mesmo como um representante da soberania popular e que por isso poderia tomar decisões dessa natureza e não ficar à mercê de outros poderes.

    A última função identificada pelo ministro é a de “vanguarda iluminista”, o que significa, para o ministro, a possibilidade do Supremo agir de forma mais ativa em determinados momentos históricos da nação, com o objetivo de promover o que ele vê como avanços civilizatórios e “empurrar” a história em nome de valores racionais.

    O que se nota a partir dessas funções é uma “carta branca” ao chamado ativismo judicial, que de vanguarda tem pouco e de iluminista menos ainda.

    A função contra majoritária por si só não seria um problema se fosse considerada em relação a conflitos de direitos fundamentais – em que o STF deveria decidir pelos direitos de partes subjugadas.

    No entanto, a função representativa é uma clara violação à divisão e harmonia entre os poderes e, aliada à ideia de que o STF pode comprometer-se com “avanços civilizatórios” importa em diferentes percepções do que são esses avanços, que dependem de opiniões pessoais de cada um – no caso, de cada ministro em uma Corte repleta de homens brancos com origens homogêneas.

    Some-se a isso a possibilidade de “preencher lacunas” do legislativo e os checksand balances, teorizados por Montesquieu e importados pela doutrina estadunidense pelos federalistas, se acabam em mera teoria.

    Assim, o que se percebe é que a atuação da Corte da forma como Barroso projeta, com interferência dele próprio através de um jogo de influências externo ao Tribunal e da possibilidade do STF legislar, ainda que tenha como objetivo a defesa de direitos de grupos minoritários, em nada tem a ver com o ideal Iluminista – que tinha como objetivo acabar com o poder absoluto do rei e diluí-lo entre três poderes distintos, inclusive colocando o Judiciário como mera “boca que reproduz as palavras da lei”, em célebre frase de Montesquieu no seu O Espírito das Leis.

    Não se pode aceitar que, em nome de uma suposta moralidade coletiva, ou em nome da defesa de determinados interesses (por mais legítimas que sejam as pautas), se promova o absolutismo de um Poder Judiciário incontrolável, que se declara como detentor da última palavra sobre o sentido da Constituição e que hoje já não tem escrúpulos em promover interesses próprios às custas da constitucionalidade.

    A “vanguarda iluminista” é uma farsa presunçosa e imodesta. É necessário um controle dos poderes dos ministros e um retorno ao texto da Constituição antes que esta se torne mera folha de papel, como dizia Ferdinand Lassalle.

    Letícia Camargo Kreuz é Doutoranda e Mestre em Direito do Estado pela UFPR. Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Romeu Felipe Bacellar. Pesquisadora do Núcleo de Investigações Constitucionais (NINC-UFPR). Vice-presidenta do Instituto Política por.de.para Mulheres.

    Pedro Machado da Luz é Mestrando em Direito do Estado pela UFPR e Especialista em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/supremo-tribunal-federal-e-a-vanguarda-iluminista-em-xeque/560443604

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