Ser malandra não é ser empoderada
Nosso país, todo ele, do Oiapoque ao Chuí (para ser bem clichê) precisa abandonar definitivamente a mania de nadar no raso diante de questões sérias e não admitir informações pela metade ou sem sentido.
Vejo pessoas falando incansavelmente sobre Empoderamento, como se tivesse falando de uma pílula mágica, daquelas “tomou/passou”.
Daí, sem nenhum aprofundamento, sem nenhum minuto que seja de reflexão e/ou busca por informação que forneçam condições para refletir, saem atribuindo a pessoas que nunca pediram, um lugar que não lhes cabe.
É o caso da Anitta.
É obvio que ela jamais pleiteou o lugar que a colocaram.
Mas, sabe como é né…quem não quer ficar no lugar de ídolo empoderador não é mesmo?!
Ganhar muito dinheiro, muita visibilidade, só pra rebolar em cima de uma laje na favela e mostrar umas celulites (que nem tem, diga-se de passagem).
A pessoa surfa mesmo, principalmente quando não precisa daquilo que está vendendo, ou seja, não precisa, ou acha que não precisa de ferramentas de luta social como a Teoria do Empoderamento aplicada.
Não estamos mais na década de 60/70 onde os artistas tinham uma responsabilidade política real e espontânea.
Grande parte das pessoas está ganhando dinheiro com uma militância ou com um ativismo que não existe. A pessoa artista diz ou dá a entender que é simpático a alguma causa, já que a mídia vem se apropriando de alguns debates de uma maneira nem sempre honesta e, voilá!, é alçada ao posto da ativista da vez. Não há problema algum em pessoas que trabalham com algum tipo de arte e se colocam como militantes/ativistas. Tá aí o Racionais Mc’s que honra muito bem essa dualidade. Mas mostrar uma consciência mínima frente aos problemas sociais e expressar isso em veículos artísticos, ou ainda, sinalizar de leve simpatia por causas sociais não torna ninguém inserido em uma atividade tão perigosa como é fazer ativismo/militância no Brasil.
Dançar em cima de uma laje se dizendo malandra, não tem absolutamente nada de empoderador, ao contrário, é questionável em diversos recortes.
Se as pessoas soubessem de fato, o que é Empoderamento e suas dimensões, jamais teriam vestido a Anitta de símbolo de nada além de ídolo pop, e tudo bem.
Agora, começar a pautar artista como possibilidade política é muito, muito, problemático.
E a culpa da Anitta falar um aglomerado de bobagens em um caso de repercussão ainda imensurável, sem o menor constrangimento, sem a menor sensibilidade, repetindo assustadoramente um senso comum domesticado pelo projeto de alienação pós-militarismo que atrofiou a capacidade do brasileiro de PENSAR, é de quem deu a ela essa moral. Ela foi colocada no lugar de “A Empoderada feministosa da vez” e surfou bonito nessa onda barulhenta.
Essa tática é bem recorrente na política partidária, por exemplo. O atual prefeito de São Paulo, se elegeu dizendo que não era um político, porque assimilou que as pessoas, perigosamente, cansaram-se de…políticos. Ou seja, esse movimento é recorrente no Brasil, mas está na hora de começar a ser muito questionado, pois é mais do que óbvio que os resultados são desastrosos.
Doria e Anitta são frutos da mesma árvore. A do oportunismo, dos caçadores de ocasião, achadores de brecha pública.
Sorry, mas ela não tem obrigação de corresponder a ansiedade de uma militância que não quer saber da extensão da própria luta.
Nem Anitta, nem Beyoncé, nem Rihanna, nem ninguém que chega à mídia. A arte pode e deve ser política, defendo isso. Mas tanto a arte quanto a política, não é pra qualquer um… O artista pode sim contribuir para a conscientização de toda uma sociedade, visto que detém o poder da velocidade que os meios de comunicação de massa disponibilizam. Mas estejamos atentos e, principalmente, muito bem informados sobre assuntos como Empoderamento, Lugar de Fala, e todos os outros instrumentos de emancipação vitais para os grupos oprimidos para que acabe esse esvaziamento que enriquece, via de regra, aqueles que nos oprimem.
Joice Berth é Arquiteta e Urbanista pela Universidade Nove de Julho e Pós graduada em Direito Urbanístico pela PUC-MG. Feminista Interseccional Negra e integrante do Coletivo Imprensa Feminista.
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