Ministério Extraordinário da Segurança Pública: um retrocesso inconstitucional
Michel Temer e Raul Jungmann.
O governo de Michel Temer publicou em 27 de março a Medida Provisória n. 821, criando o Ministério Extraordinário da Segurança Pública. A medida alterou a Lei n. 13.502, de 1º de novembro de 2017, que dispõe sobre organização básica da Presidência da República e dos Ministérios.
As violações são jurídicas e políticas. Quando às primeiras, nota-se que a criação de ministérios consta do art. 61, § 1º, II, a da Constituição, que determina que as leis que disponham sobre a criação e extinção de Ministérios e órgãos da Administração Pública são de competência exclusiva do Presidente da República. Entre as competências privativas do Presidente, elencadas no art. 84 da Constituição, não está a criação ou extinção de Ministérios por ato unilateral, tal como Decreto ou Medida Provisória.
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Não bastasse, está ausente o requisito da urgência para a adoção de medida provisória, o que a torna inconstitucional por afronta ao art. 64 da Constituição. Isto porque a violência no Brasil não surgiu no carnaval de 2018 e nem se agravou expressivamente nos últimos meses, é um problema antigo.
O que se observa, no caso, é uma quebra da divisão de poderes e dos checksand balances. Na medida em que a Constituição entendeu necessária a participação conjunta do Presidente com proposição legislativa e do Congresso Nacional para sua aprovação, permitir a criação de um órgão da Administração Pública sem obedecer ao procedimento adequado é inconstitucional formalmente. Não sendo adequado o procedimento, não pode ser válida a criação.
A questão, no entanto, ultrapassa o vício procedimental quanto à criação. A justificativa para um Ministério Extraordinário de Segurança Nacional está vinculada à Intervenção Federal para fins de segurança pública no estado do Rio de Janeiro. Um Ministério, no entanto, tem extensão material e territorial para além do Rio de Janeiro – atinge todo o território nacional e assume o controle de diversos órgãos da administração relacionados a esse fim.
Os departamentos de Polícia Federal, de Polícia Rodoviária Federal e Penitenciário Nacional; os conselhos Nacional de Segurança Pública; Nacional de Política Criminal e Penitenciária; Secretaria Nacional de Segurança Pública passam para o controle do novo órgão.
No que concerne às questões políticas, há razões para preocupação com os rumos do Estado Democrático de Direito. Não é demais lembrar que o governo de Michel Temer teve início com a ruptura com o projeto para o qual foi eleito, que ele próprio se uniu à oposição àquela que era titular da chapa para destituí-la do cargo em um ato político e, desde então, implantou um projeto contrário ao que o elegeu, avançando em direção ao neoliberalismo, à derrocada dos direitos fundamentais e, essencialmente, atentando contra a democracia.
Atualmente, a aprovação do governo está em 6%, conforme pesquisa do Datafolha de janeiro de 2018, de modo que tal grave medida carece de legalidade, de fundamentação racional-lógica e, especialmente, de legitimidade.
Com a posse de Raul Jungmann no novo Ministério, o governo não eleito de Temer conta com cinco generais das Forças Armadas em sua composição – com Walter Souza Braga Netto, interventor no Rio de Janeiro, Carlos Alberto dos Santos Cruz na Secretaria Nacional de Segurança Pública, Sergio Etchegoyen no Gabinete de Segurança Institucional, Joaquim Silva e Luna no Ministério da Defesa e Franklimberg Ribeiro de Freitas na Funai – o que demonstra não apenas um recrudescimento do combate à violência e à criminalidade a partir de um projeto (violento) de repressão policial, mas especialmente um perigoso retorno ao militarismo, um dos principais pontos de ruptura da Constituição de 1988 com os tempos de Ditadura.Trata-se de projeto que visa a manutenção da lógica da repressão quanto à segurança pública, fórmula que já está desgastada e se mostrou absolutamente ineficaz.
Ademais, diante de 2018 constituir ano eleitoral, é absolutamente preocupante os fins políticos e particulares que estão imiscuídos sob a roupagem de interesse público e combate à violência.
O momento é de ruptura e as medidas tomadas por Temer causam uma estranha sensação de familiaridade. Marx disse que a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa. O temor é que os acontecimentos que observamos sejam a consolidação dessa farsa (museu de grandes novidades) e os tempos sombrios de outrora retornem à história constitucional brasileira enfraquecendo ainda mais um já machucado estado de garantias constitucional.
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