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19 de Abril de 2024
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    O nostálgico ano novo

    Publicado por Justificando
    há 6 anos

    A assertiva de que o ano somente se inicia após o carnaval traz consigo o valor de que essa festa possui no cenário cultural brasileiro.

    Este texto não visa – até mesmo por confessada incapacidade/incompetência do analista – verificar a justeza do resultado declarado na Praça da Apoteose, mas o sim exame crítico da já polêmica intervenção federal decretada por um governo marcado indelevelmente pelo signo da ilegitimidade.

    Em razão da complexidade do fato político em questão, que, por si só, é grave vez que configura uma constitucionalmente permitida e drástica superação do modelo federativo, diversas são as razões que poderiam justificar a pioneira – pós 1988 – utilização da intervenção federal. Todavia, somente alguns pontos, sem que exista qualquer intenção de esgotar a situação, serão apresentados.

    O emprego das Forças Armadas em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) não se mostrou suficiente para debelar a chamada guerra civil urbana.

    No entanto, não se trata da primeira vez que esse instituto foi utilizado no cenário fluminense – no ano de 2017, ao menos, dois desses empregos dos militares foram aferidos – e considerando que a Administração Pública é regida, como decorrência da Emenda Constitucional nº 19, pelo princípio da eficiência; logo, é de se questionar o êxito das anteriores operações e daquela que se encontrava, até a decretação da intervenção federal, em curso.

    Teriam sido atuações espetaculares – e caras – somente?

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    O caso financeiro experimentado pelo estado do Rio de Janeiro já não é mais qualquer novidade e, inclusive, é publicamente reconhecido pela União, pois celebrou draconiana avença que será suportada com o sacrifício de determinados servidores públicos – aqueles que não são beneficiários de benesses tratadas indevidamente como verbas indenizatórias e possuem como único objetivo suplantar o teto remuneratório previsto na Constituição da República.

    Entretanto esse dramático cenário não se mostrou capaz de identificar o grave comprometimento da ordem pública?

    E a calamitosa situação experimentada por pensionistas e aposentados? Não é, portanto, ao menos, tardio o emprego do instituto em questão?

    É necessário prosseguir.

    E o fato de que a intervenção federal ter se dado de forma inusitada, pois se realizou de maneira fatiada? A partir da aprovação de cada uma das Casas Legislativas Federais, o estado do Rio de Janeiro gozará de surpreendente situação, qual seja, haverá um “governador exclusivo” para a área da segurança pública e um outro para os demais campos de atuação.

    Se não fosse surreal essa realidade, seria possível afirmar que ocorreu clara inspiração da Antiga República Romana, quando a magistratura consular era exercida por duas pessoas eleitas. Mas não é a antiguidade que consegue explicar a atual realidade.

    Trata-se de uma jabuticaba jurídica concebida “por um dos maiores constitucionalistas do país” [ii]. Somado a isso não se pode deixar de questionar a heterodoxa postura assumida pelo Governador do estado do Rio de Janeiro que teria concordado com a intervenção federal.

    Ora, se não é mais capaz de cumprir com uma de suas missões, por que não renunciou? O que o motivaria a se manter no cargo? O apego ao poder? A existência de um sentimento de vaidade?

    O medo de perder, já que investigado, o foro por prerrogativa de função? As verdadeiras razões não foram apresentadas e, quiçá, jamais venham a ser trazidos ao público. Mas não se pode deixar de cogitar que não foi uma justificativa republicana que o fez manter o seu mandato político.

    A necessidade de pôr fim ao “grave” comprometimento da ordem pública é tamanho que já se aventa a possibilidade de sua suspensão momentânea como forma de permitir a apreciação de alterações constitucionais no regime de previdência.

    Leia também: Decreto de intervenção federal no Rio de Janeiro é inconstitucional

    Intervenção federal é cortina de fumaça para reais problemas da segurança pública

    Para tanto, bastará que se assegure os votos necessários para o êxito no exercício do Poder Constituinte Derivado. Mais uma vez se depara com um “jeitinho” e que se caracteriza por ir de encontro à Carta Magna, uma vez que não há previsão de interrupções momentâneas da intervenção federal, mas tão-somente o seu encerramento quando não mais se encontrarem presentes os motivos que a ensejaram [iii].

    Há, ainda, o simbolismo da escolha do interventor federal recair sobre militar do Exército Brasileiro. A análise da política, por meio do seu processo histórico, permite justificar esse dado emblemático.

    Em razão de considera-lo “perigoso” – entenda-se não aliado ao pensamento dominante a partir de 1964 e, ainda, por ter participado da Campanha da Legalidade em 1961 – a ditadura civil-militar, em novembro de 1964, apeou do seu mandato legitimamente obtido, o Governador do estado de Goiás, Mauro Borges, e em seu lugar foi nomeado, a título de interventor, o General Carlos Meira Mattos.

    A “roda da história girou”, mas por causa da mentalidade autoritária que ainda persiste no imaginário nacional, mais uma vez somente homem moldado na caserna – e aqui não realizado qualquer ataque pessoal ao General de Exército Walter Souza de Braga Netto – se mostra capaz de debelar o caos.

    Existe, também, uma outra questão a ser posta.

    Em reunião realizada no Palácio Guanabara – e a história ainda buscará saber as razões porque os Palácios sediados na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, mesmo após a transferência da capital para o cerrado, são destinados a demonstrar a mais completa dificuldade em se viver plenamente a experiência democrática, já que foi em no Palácio das Laranjeiras que se concebeu e tornou pública a edição do AI-5 – aquele que possui o poder privativo de decretar a intervenção federal, decidiu por convidar, quem sabe por sua benevolência ou intensa capacidade de convencimento que se mostrou plena na resignação do Governador Pezão, algumas autoridades públicas.

    A partir das informações obtidas junto ao sítio eletrônico da Associação dos Magistrados do estado do Rio de Janeiro – AMAERJ [iv] – é aferido que o Presidente do TJ-RJ não só lá esteve no desdobramento do vilipêndio à democracia, como ainda fez questão de publicamente assinalar que a Justiça Comum Estadual fluminense contribuiria com a intervenção federal.

    Assim, a prometida “contribuição” se mostra desprovida de qualquer sentido, pois qualquer auxílio não poderá implicar em desvirtuamento da missão constitucional do Poder Judiciário.

    E que não se considere sem qualquer sentido, ou mesmo alarmista, a incompreensão diante da contribuição anunciada pelo TJ-RJ, pois, segundo o órgão de classe citado, o Chefe do Poder Judiciário Fluminense “colocou o Judiciário estadual à disposição do interventor, general Walter Souza Braga Netto, para as medidas inerentes à intervenção”.

    É essa a independência que se separa daqueles que exercem a atividade jurisdicional? A resposta somente pode ser negativa.

    O auxílio judicial prometido seria, ainda, efetivado “com o pleno funcionamento das audiências de custódia dentro dos presídios”. Ora, em algum momento se imaginou a supressão do direito subjetivo daquele que se encontra privado de sua liberdade ambulatória?

    Há de se apontar que, no curso da intervenção federal, ao contrário do que se sucede no estado de sítio e no estado de defesa, não subsiste qualquer limitação aos direitos fundamentais. O que essa assertiva traz como dado indiciário?

    A persistência de um pensamento lastreado na ideia de que a audiência de custódia, no cenário fluminense, é um favor, uma benesse ou uma graça, que é concedida pelo TJ-RJ. Não por outra razão que rotineiramente o prazo de 24 horas, a contar da prisão, não é observado para a realização da audiência de custódia, bem como há a indevida e ilegal limitação de sua realização somente quanto às prisões em flagrante.

    Ainda mais quando autoridades públicas federais, a saber: o Ministro da Defesa e a Advogada-Geral da União já se manifestaram publicamente pela necessidade de obtenção de mandados de busca e apreensão coletivos.

    O ministro Raul Jungmann, a partir da geografia carioca, alega que os pretendidos, e nitidamente inconstitucionais, mandados coletivos se voltarão “em vez deum endereço específico, uma área inteira, como uma rua ou bairro” [v].

    Não é preciso possuir poderes mediúnicos para saber que essa proposta certamente atingirá somente as comunidades, restando devidamente salvaguardados os lares que se encontram no asfalto.

    No cenário político nacional, o ano de 2017 foi marcado por duas indevidas rejeições de denúncia contra o atual Presidente da República na Câmara dos Deputados. Este ano, por sua vez, já se inicia de maneira mais tenebrosa e, o pior, se agrava com a pública promessa de contribuição do Poder Judiciário fluminense.

    Sem sombra de dúvidas, o passado, que já não era um exemplo de efetivação do Estado Democrático de Direito, ainda assim traz muitas saudades.

    Eduardo Newton é Mestre em direito pela Universidade Estácio de Sá. Defensor Público do estado do Rio de Janeiro. Foi Defensor Público do estado de São Paulo (2007-2010).

    [ii] Esse renome é trazido ao conhecimento de todos na biografia do Presidente da República fornecida pelo sítio eletrônico do Planalto: http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/biografia

    [iii] Artigo 36, § 4º, Constituição da República – Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal.

    [iv] Judiciário contribuirá com a intervenção federal, diz presidente do TJ-RJ. Matéria disponível em: http://amaerj.org.br/noticias/judiciario-contribuira-comaintervencao-federal-na-segurança-diz-presidente-do-tj-rj/

    [v] AGU reconhece que mandado coletivo de busca e apreensão é assunto polêmico e diz que poderá levar caso ao STF. Disponível em: https://g1.globo.com/política/blog/gerson-camarotti/post/2018/02/19/agu-reconhece-que-mandado-coletivo-de-buscaeapreensaoeassunto-polemicoediz-que-podera-levar-caso-ao-stf.ghtml

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