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18 de Abril de 2024
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    Para onde vão as riquezas dos diamantes de Nordestina?

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    Área explorada pela Lipari Mineração em Nordestina. Foto: Reprodução.

    As riquezas da exploração mineral no município de Nordestina, Bahia, certamente não chegam às comunidades quilombolas do entorno da mina. O que se vê nessas comunidades são situações de pobreza extrema e negligência do Estado em garantir melhores condições de vida para mais de 300 famílias que há séculos vivem na região.

    O local onde a Lipari Mineração LTDA está operando em Nordestina, é território de 12 comunidades quilombolas reconhecidas e certificadas pela Fundação Cultural Palmares. Algumas existem há mais de 400 anos e conservam práticas culturais ancestrais ligadas a religiosidade de matriz africana, a exemplo das benzedeiras e rezadores, realização de sambas de roda, carurus, reisados, agricultura de sequeiro, extrativismo sustentável, confecção de artesanatos com palhas e presença de fortes laços de parentesco.

    Povos e comunidades tradicionais podem ser definidos de acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho–OIT(1989),como:

    “Grupos culturalmente diferenciados, que possuem condições sociais, culturais e econômicas próprias, mantendo relações específicas com o território e com o meio ambiente no qual estão inseridos. Respeitam também o princípio da sustentabilidade, buscando a sobrevivência das gerações presentes sob os aspectos físicos, culturais e econômicos, bem como assegurando as mesmas possibilidades para as próximas gerações. São povos que ocupam ou reivindicam seus territórios tradicionalmente ocupados, seja essa ocupação permanente ou temporária. Os membros de um povo ou comunidade tradicional têm modos de ser, fazer e viver distintos dos da sociedade em geral, o que faz com que esses grupos se autorreconheçam como portadores de identidades e direitos próprios”.

    Embora essas comunidades sejam portadoras de direitos específicos reconhecidos constitucionalmente, às mesmas não são garantidos sequer direitos básicos. Cerca de 80% a 90% das famílias não tem sanitários; em residências muito pequenas vivem aglomerados mais de um núcleo familiar; algumas comunidades ainda não tiveram acesso à energia elétrica, sinal de telefone, água encanada; faltam alternativas de trabalho e renda, muitos são obrigados a migrar para trabalhar nos motores de sisal na região de Irecê e/ou Campo Formoso-BA, sendo transportados junto com animais em caminhões, driblando a fiscalização; a situação de violência e insegurança em algumas das comunidades também é alarmante.

    Para agravar ainda mais o contexto, a quantidade média de terras por família varia de uma a quatro tarefas. Com pouca terra e com o prolongamento dos períodos de estiagem, a base da sobrevivência, restringe-se as aposentadorias e o Bolsa Família que tem sofrido cortes na atual conjuntura de desmonte dos direitos sociais adquiridos.

    A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), indica que “nas áreas mais secas do Semiárido, uma propriedade necessita de até 300 hectares de terra para ser sustentável”. Conforme dados sobre a estrutura fundiária, 2006, (Projeto Geografar, 2011), no município de Nordestina, 97,98% dos estabelecimentos estão abaixo desta média.

    Os estabelecimentos menores a 20 hectares somam 1.194, ocupando 20.47% da área do município, os de 20 a menos de 50 hectares equivalem a 187 e detém 17.53% da área, de 50 a menos de 200 hectares são 87 estabelecimentos, com ocupação de 21.41% da área, enquanto existem 22 médios e grandes estabelecimentos que ocupam 26.95% da área do município.

    Estes números demonstram os índices elevados de concentração da terra em Nordestina, uma amostragem da desigualdade na estrutura fundiária do país. Vale ressaltar que, a concentração da terra no Brasil tem seguido uma escala crescente nos últimos anos.

    Com a chegada da Lipari Mineração, instalada a pouco mais de um km da comunidade Lagoa dos Bois, tem se observado uma piora na qualidade de vida das famílias, pois, além de se apropriar de grande extensão de terra e não gerar empregos conforme alardeado, as comunidades, sobretudo as mais próximas a mina, sofrem cotidianamente com outros impactos socioambientais como desmatamentos, rachaduras nas casas e cisternas, barulho, tráfego, poeira com agravamento de doenças respiratórias e de pele, contaminação das plantações com consequentes prejuízos aos criatórios, aumento do custo de vida na cidade, crescimento dos índices de violência, tráfico e uso de drogas, perda do sossego, diminuição da água do Rio Itapicuru, mortandade de peixes, entre outros.

    Em visitas realizadas no mês de agosto, 2017, por entidades que apóiam e prestam assessoria às comunidades, além dos problemas citados, moradores relataram que a empresa está pressionando proprietários de terra para a assinatura de contratos que visam à expansão da mineração. Relataram ainda que funcionários da empresa estão entrando em áreas privadas sem pedir autorização, intimidando e desrespeitando os direitos de posse e de propriedade.

    Mais de 500 anos se passaram desde a invasão portuguesa, mas o Brasil continua sendo usurpado por empresas que, com todo apoio do Estado, adentram os territórios das comunidades como se fossem vazios demográficos, tentam invisibilizar as populações locais, enganam com falsas propagandas de emprego e progresso, e quando instaladas, utilizam-se das mais diversas estratégias para expulsar os (as) moradores (as) do lugar.

    Enquanto os quilombolas precisam lutar para manter o Decreto 4887/2003 que regulamenta a titulação de seus territórios, a política econômica financeira do Estado está voltada para a mercantilização dos territórios com todos os seus bens naturais e socioculturais, tendo como principal vetor de crescimento a mineração, a fim de tornar o país competitivo no mercado internacional (PNM 2030).

    Segundo dados do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), de fevereiro a agosto de 2017, o valor da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), referente a exploração diamantes em Nordestina, chegou a R$ 214.044,34; 65% deste valor fica para o município.

    Conforme relatos de moradores, nada destes recursos foi aplicado nas comunidades impactadas pela mineração. Outra informação, publicada no site do Instituto Brasileiro de Mineração (21/02/2017), revela os ganhos exorbitantes da mineradora,“no ano passado, a empresa exportou 97.279 quilates ao valor de US$ 18,8 milhões”, com perspectiva de dobrar as vendas em 2017.

    No entanto, a realidade das comunidades quilombolas de Nordestina, de onde o diamante é extraído, comprova que a Lípari, como outros empreendimentos do Capital, age sob a lógica do Racismo e da Injustiça ambiental, quando empresas retiram as riquezas dos territórios, enquanto as populações locais são obrigadas a arcar com as conseqüências. Daí fica fácil responder a pergunta que intitula este artigo.

    Maria Aparecida de Jesus Silva é Agente da Comissão Pastoral da Terra, Centro Norte – Diocese de Bonfim, BA (2004-2017). Bacharel em Teologia – Instituto Superior de Teologia e Pastoral de Bonfim (2008). Pedagoga – Faculdade de Ciências Tecnologia e Educação, FACITE (2013). Pós graduada em Desenvolvimento e Relações Sociais no Campo-Universidade de Brasília (2015).

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/para-onde-vao-as-riquezas-dos-diamantes-de-nordestina/502577273

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