Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
23 de Abril de 2024
    Adicione tópicos

    Os efeitos probatórios da possível rescisão da delação da JBS

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    O Brasil assistiu, estarrecido, ao pronunciamento do Procurador Geral da República, realizado no último dia 4 de setembro, no qual trazia a público fatos que implicavam um integrante do Ministério Público Federal, ministros do Supremo e políticos. Tais fatos foram objeto de gravação de conversas travadas entre os colaboradores Joesley Batista e Ricardo Saud, cujo acordo já fora homologado pelo ministro Edson Fachin.

    No dia seguinte, 5 de setembro, o ministro relator deu publicidade aos áudios, gerando perplexidade e revolta na sociedade brasileira. Esses fatos geram uma importante controvérsia que se resume em duas perguntas básicas: o acordo celebrado deve ser rescindido? Caso seja rescindido o acordo, as provas advindas da colaboração devem ser desprezadas?

    Em outra oportunidade, publicamos artigo no qual eram expostos aspctos polêmicos do acordo de colaboração premiada celebrado pelos irmãos Batista, do Grupo J&F, e o Ministério Público Federal. Já se afirmava que o acordo dos irmãos Batista era eivado de ilegalidades por haver cláusulas incompatíveis com a função do Ministério Público, inviabilizando a atuação jurisdicional no mérito do acordo.

    Leia também: A delação premiada como instrumento de manutenção dos privilégios

    Pode-se citar a possibilidade de concessão de perdão judicial, o que é competência do magistrado. Muito se falou sobre a necessidade de se rever o excesso de benesses concedidas no aludido acordo, diante da falta de razoabilidade, se comparado com os acordos celebrados pelos executivos do Grupo Odebrecht.

    Os aúdios divulgados mostram que os colaboradores agiram com a clara intenção de obter os benefícios, além de ficar demonstrada a omição de informações no acordo já celebrado e homologado. [3]

    O acordo celebrado mostra-se viciado, pois há indícios de interferência de um ex-procurador da República que passou a intervir no sentido de viabilizá-lo. O próprio colaborador Joesley Batista confirma as omissões perpetradas no acordo. [4]

    Portanto, diante de um vício insanável, o acordo deve ser considerado imprestável e o relator declarar a sua nulidade. Ademais, a nulidade afeta tanto a acusação como a defesa. Se um ato processual é considerado nulo, deve ser considerado como inexistente. A validade somente pode ser discutida a partir do questionamento da existência do ato. [5] Logo, as provas também devem ser consideradas nulas. O Supremo Tribunal Federal, certamente, irá discutir a validade das provas fruto da colaboração dos executivos do Grupo J&F.

    Considerada a ilicitude da colaboração, todas as provas originadas devem ser descartadas, conforme artigo 157, § 1º, e artigo 573, § 1º, ambos do Código de Processo Penal. Após as revelações trazidas a público pelo Procurador Geral da República, a colaboração premiada é absolutamente imprestável. Este é um reflexo da adoção do modelo denominado Estado Democrático de Direito, que busca o respeito ao devido processo legal.

    Luigi Ferrajoli, ao tratar do modelo garantista, expõe que a ação persecutória do Estado é legítima, quando observados diversos princípios e garantias, sem as quais a ação estatal torna-se ilegítima. [6]

    É bem verdade que uma discussão acerca da perspectiva ética do instituto, porém não afasta qualquer garantia constitucional, inclusive a presunção de inocência, que impõe ao Estado o ônus de produção de todo lastro probatório necessário para a imposição de uma condenação.

    No Estado Democrático de Direito, impõe-se a limitação do poder sancionador e não o puro desejo de punir a qualquer custo. Aproveitar as provas e cancelar os benefícios, como se defende recorrentemente, é impor aos acusados, particularmente os que não firmaram acordos de colaboração, um grave prejuízo.

    Vale lembrar que contra o colaborador que deu causa à retratação, as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor, como prevê o artigo , § 10, da Lei nº 12.850/2013. Logo, o prejuízo para outros supostos acusados seria considerável.

    As notícias veiculadas pela imprensa revelam uma grande descrença e revolta com a conjuntura nacional e com a situação política do país. A sociedade clama por uma reação enérgica e rápida.

    Todavia, há limites a serem observados. E este limite é a Constituição.

    A legitimidade do processo advém da fiel observância das regras – do devido processo legal. Somente assim, florescerá um amadurecimento institucional capaz de imprimir um salto civilizatório ao país. Assim, a rescisão de acordo de colaboração premiada impõe a nulidade das provas produzidas a partir desse instrumento persecutório.

    Rodrigo Medeiros da Silva é Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas.

    [2] ABDOUNI, Adib. Supremo tem de rever benesses aos delatores da JBS. Estadão, 2017. Disponível em: . Acesso em 06 set. 2017.

    [4] “Não dá pra nós um dia chegar e contar 30 traquinagem nossa, 30. Nós vamos contar 20, sei lá, traquinagem nossa, sem nós termos tomado um bombardeio. Não dá… É subliminar, tá combinado, ninguém combinou comigo, mas tá combinado, cê tem que entender, tá tudo combinado.”

    [5] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das Ações. Tomo IV. Ações constitutivas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1973. p. 34.

    [6] FERRAJOLI, Luigi . Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavoras e Luis Flávio Gomes. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 88.

    • Sobre o autorMentes inquietas pensam Direito.
    • Publicações6576
    • Seguidores928
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações100
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/os-efeitos-probatorios-da-possivel-rescisao-da-delacao-da-jbs/498839516

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)