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19 de Abril de 2024
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    Judiciário brasileiro é caro demais comparado a outros países

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    O ano de 2016 não foi nada fácil. Além do impeachment da Presidente Dilma Rousseff, de toda instabilidade política e das revelações de esquemas de corrupção, o Brasil sofreu a pior recessão econômica das últimas décadas. Na tentativa de compensar o déficit orçamentário, o Poder Executivo (juntamente com o Congresso) implementou rigorosas medidas de ajuste econômico, principalmente ao limitar os gastos programados por meio da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2016.

    Esse ajuste resultou em corte da ordem de 7 bilhões de dólares, o que provocou uma incisiva redução de gastos em programas sociais, diminuição das verbas orçamentárias ministeriais e de agências, desacelaração de investimentos em infra-estrutura e, ainda mais questionável, redução do orçamento do Judiciário.

    A LOA de 2016 reduziu a proposta orçamentária do Judiciário Federal em 500 milhões de dólares e drasticamente afetou as contas da Justiça Trabalhista, que sofreu uma redução de 90% em gastos em investimentos e 24,9% em despesas de custeio. Tais medidas acarretaram redução das sessões das cortes trabalhistas, a suspensão de concursos e aumento do risco de interrupção das atividades judiciais.

    Esse incidente orçamentário é, na verdade, um confronto interpoderes (budgetary showdown) travado no campo das finanças. Embora o artigo 99 da Constituição Republicana, de 1988, assegure autonomia administrativa e orçamentária ao Poder Judiciário, a proposta orçamentária deve ser transmitida ao Congresso pelo Presidente.

    Efetivamente, esse procedimento transforma a autonomia do Judiciário em uma frágil barreira de pergaminho (parchment barrier): o Presidente não possui poderes para alterar a proposta orçamentária do Judiciário a menos que descumpra as determinações da lei orçamentária. Todavia, tanto em 2011 quanto em 2014, o Presidente reduziu previamente a proposta orçamentária do Poder Judiciário.

    Naqueles dois anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional os “ajustes presidenciais” (MS nº 33.186, MS nº 33.193, ADPF nº 240 e MS nº 30.896) e ordenou que o Poder Executivo transmitisse ao Congresso Nacional a proposta orçamentária original elaborada pelo Judiciário. Contudo, em 2016, o Presidente, com apoio congressual, reduziu as dotações do Judiciário e o STF, reafirmando decisao de 2007 e em maioria (8 a 3), manteve a LOA, de 2016, em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 5.468, proposta pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho), afirmando que:

    O ministro Fux, em voto vencedor, asseverou que a função de definir receitas e despesas “é uma das mais relevantes e tradicionais do Legislativo, e merece ser preservada pelo Judiciário, sob pena de esvaziamento de típicas funções parlamentares”.

    A decisão não acarretou consequências desastrosas porque uma medida provisória editada posteriormente supriu recursos adicionais à Justiça Trabalhista, mas esse socorro financeiro foi apenas um paliativo, como o Ministro Celso de Mello observou em seu voto dissidente proferido no curso da ADI nº 5.468. Mello afirmou que a manipulação do processo de elaboração e execução da Lei Orçamentária Anual pode atuar como instrumento de dominação, pelo Legislativo, dos outros Poderes da República:

    Essa “manipulação”, contudo, ampara-se no desenho legislativo brasileiro, já que o Legislativo detém poderes para aprovar as dotações anuais, de acordo com o inciso II do artigo 48 da Constituição Republicana. O Legislativo tem poder premente sobre a definição do orçamento e decidir se fornece os recursos requeridos pelo Judiciário é principalmente uma decisão política. Além disso, o Judiciário não participa diretamente do planejamento orçamentário e os limites da capacidade judicial e os méritos da barganha Legislativo-Executivo prejudicam a participação judicial dos acordos orçamentários.

    Entretanto, recorrentes déficits orçamentários comprometem a organização administrativa do Judiciário e são, no mínimo, indesejáveis no cotidiano, então soluções inovadoras são necessárias para superar tais impasses.

    É tempo de interromper os cortes orçamentários do Judiciário, mas como? O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Adugar Souza Jr., deu uma resposta pautada na intuição (uma resposta à moda de Monstequieu), ao dizer que:

    Sérios problemas podem ter simples soluções, mas atribuir ao Judiciário a inapelável prerrogativa de definir seu próprio orçamento é, no mínimo, arbitrário, notadamente porque o judiciário brasileiro custa muito ao povo brasileiro.,Ignorando os custos não pecuniários (v.g., morosidade, ineficiência, etc), o judiciário brasileiro é um dos mais caros do mundo, sendo o Brasil o país que mais despende com gastos judiciais se comparado aos sistemas judiciários dos demais países membros da OCDE.

    O país, de acordo com pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, gasta 1,35% do Produto Interno Bruto (PIB) para manter seu sistema judicial, enquanto que os Estados Unidos despendem 0,14%; Itália, 0,19% e Alemanha, 0,32%. O Judiciário também carece de legitimidade ou da necessária capacidade institucional sobre a matéria orçamentária. Portanto, impedir drásticos e injustificados cortes na proposta orçamentária do Judiciário requer propostas mais refinadas.

    Nos Estados Unidos, a “doutrina dos poderes implícitos é arma promissora tanto para assegurar às cortes uma posição de independência financeira quanto para abrigá-las do normal processo orçamentário”. A doutrina, de acordo com G. Gregg Webb and Keith E. Whittington:

    Poder judicial implícito funciona como uma implícita cláusula “necessária e adequada” para a constituição de um judiciário como um poder independente e igual. É nessa forma mais muscular, como uma positiva salvaguarda da independência judicial, que a doutrina dos poderes implícitos tem se estendido às matérias orçamentárias.

    Baseada na doutrina, a Philadelphia Court of Common Pleas (Commonwealth ex rel. Carroll v. Tate) ordenou a apropriação de recursos adicionais, em 1971, afirmando que:

    “O judiciário deve possuir poderes implícitos para determinar e impor o pagamento das somas de dinheiro que são razoáveis e necessárias para realização de suas responsabilidades compulsórias, de seus poderes e deveres para administrar a justiça.”

    Webb and Whittington reconhecem que:

    “A doutrina dos poderes implícitos foi desenvolvida para servir de arma defensiva e proteger magistrados da subversão e obstrução perpetrada por outros agentes públicos. Não tem sido tradicionalmente usada para alocar as cortes em posição de independência financeira ou para abrigá-las do normal processo orçamentário.”

    Portanto, poderes implícitos não são uma prerrogativa judicial para fazer tudo o quanto seja necessário para habilitar as cortes a realizar seus deveres.

    Em Hosford v. State e Folsom v. Wynn, cortes estaduais decidiram que empregar a doutrina dos poderes implícitos depende de uma específica deficiência constitucional produzida por insuficiente financiamento do sistema judicial e na absoluta necessidade. Andrew Yates salienta que:

    “A doutrina de poderes implícitos, que atribui poder somente para as situações absolutamente necessárias e requer uma específica violação constitucional, proporcionará aos sistemas judiciais importante caminho para a proteção de cruciais serviços que as cortes propiciam.”

    Contudo, uma “doutrina mais racional dos poderes implícitos” é também incompatível com os sistemas constitucionais brasileiro e norte-americano, porque proporcionar ou não os recursos requeridos pelo Judiciário refere-se acima de tudo a uma decisão política e a uma prerrogativa do Legislativo.

    O uso dos poderes judiciais implícitos para definir dotações é aparentemente uma decisão arbitrária e caprichosa: isso viola a máxima nemo iudex in causa sua e evita qualquer conveniente revisão de razoabilidade, adequação e proporcionalidade da proposta orçamentária do Judiciário.

    O Judiciário conserva uma posição desfavorecida na arena política, contudo resolver esse impasse depende muito de uma deliberação conjunta dos poderes e de uma maior participação (diretamente ou não) do Judiciário e do the will of the people (orçamento participativo) no processo legislativo de definição orçamentária. Essa participação pode ser assegurada por um repertório de mecanismos institucionais de pequena escala – alguns intuitivos e outros mais audaciosos – a fim de aumentar o nível informacional, a legitimidade, a accountability e o consenso no processo orçamentário.

    Por exemplo, adotar o corrente orçamento do Poder Judiciário como referência para a definição das dotações dos seguintes anos (rebus sic stantibus clause); realizar revisões e auditorias sobre as dotações propostas (liability clause); requerer uma supermaioria legislativa para desconsiderar a proposta orçamentária do Judiciário (super-majority rule); garantir a um comitê judicial o direito de participar, de forma proposicional, das sessões legislativas relativas às dotações judiciais (second-opinion clause) e permitir membros da comunidade a decidir diretamente sobre alguns aspectos orçamentários (participatory clause), são algumas propostas que podem servir de um bom começo.

    Antonio Sepulveda é doutorando em Direito/UERJ.

    Carlos Bolonha é doutor em Direito.

    Igor De Lazari é mestrando em Direito/UFRJ.

    Pesquisadores do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições – PPGD/UFRJ.

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