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18 de Abril de 2024
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    Eleições Indiretas? Há um povo no meio do caminho…

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    Se há uma unanimidade política no Brasil, depois tanto tempo de dissenso nacional, é que, com a divulgação das gravações entre Joesley Batista, dono da JBS e o Presidente Michel Temer, o Governo deste acabou. Especialmente depois do último pronunciamento presidencial em que Temer justifica o seu encontro com o pecuarista em razão da Operação Carne Fraca, que ainda não ocorrera na ocasião da gravação. Era melhor ter ficado calado. Não há mais o que fazer para salvá-lo. Se vai renunciar, ser cassado pelo TSE ou sofrer processo de impeachment, ainda não se sabe, mas ninguém aposta na sua capacidade de resistir e governar por muito mais tempo.

    Nesse cenário, com a vacância das vagas de Presidente e de Vice-Presidente, assume, de acordo os artigos 80 e 81 da Constituição, o Presidente da Câmara dos Deputados, por noventa dias, para a realização de novas eleições diretas do sucessor para o restante do mandato. Porém, de acordo com o § 1º do art. 81, se a vacância do último cargo se der nos últimos dois anos de mandato a eleição se dará, em 30 dias, pelo Congresso Nacional.

    Nesse cenário normativo, as vozes que defendem eleições indiretas fundamentam a sua proposta neste último dispositivo constitucional, sustentando que a realização de eleições diretas seria um golpe. Seria mesmo uma quebra da ordem constitucional a realização de eleições diretas para Presidente da República com a iminente queda de Michel Temer?

    Inicialmente, cumpre registar que o legislador ordinário, por meio do artigo da Lei nº 13.165/2015, baseado na força normativa da cláusula pétrea do voto direto, deu uma interpretação restritiva ao referido dispositivo constitucional, afastando a sua aplicação quando a vacância do cargo tenha ocorrido por vícios eleitorais atribuídos à chapa eleita, como o indeferimento do registo, a cassação do diploma ou a perda do mandato do candidato eleito, caso em que as novas eleições serão diretas se a última vaga for aberta antes do semestre final do mandato.

    Essa obra legislativa se traduz em legítima manifestação do poder delegado, por meio de mandato outorgado pelo povo soberano, devolvendo a este o direito de escolher os seus governantes em nome da democracia e do voto direto e universal. A matéria será brevemente apreciada pelo STF na ADI nº 5.525. Sobre o tema, recomendo a leitura elucidativo artigo do professor Daniel Sarmento.

    Tal solução legislativa, que garante a realização de eleições diretas pra presidente quando a vacância da última vaga se der nos primeiros três anos e meio dos quatro de mandato presidencial, e que resgata o espírito da Constituinte de 1987-88, embalada pelos anseios democráticos do histórico movimento das Diretas Já, em 1984, foi contemplada pela PEC 227/2016, da autoria do Deputado Miro Teixeira, que apresenta a mesma solução, de eleições diretas quando a vacância ocorrer até o último semestre do mandato, para todos os casos de afastamento do Presidente e do Vice.

    Neste momento em que o país está prestes a viver um fato inédito, de vacância sucessiva da presidência e da vice-presidência, em um cenário em que o Congresso Nacional é tão atingido pela crise que abateu os presidentes diplomados, não há outra solução que não a convocação de eleições diretas para presidente da república, seja por meio da interpretação extensiva do artigo da Lei nº 13.165/2015, seja pela aprovação da PEC 227/2016.

    Em sentido inverso, buscar apoio na Constituição Cidadã para eleições indiretas, é como tentar justificar o ódio com a Bíblia. Pode-se até extrair do texto, mas contraria todo o sentido da obra. A prevalência de solução hermenêutica significa ignorar todo o contexto normativo em que se deu a promulgação da Constituição de 1988, que pôs fim às eleições presidenciais pelo Congresso Nacional, travestido de Colégio Eleitoral. Quando o constituinte originário preconizou a solução estampada no § 1º do art. 81, não tinha em mente uma situação de gravidade institucional como a que vivemos, mas de uma dupla fatalidade que impedisse o prosseguimento dos mandatos de presidente e vice. Os recentes episódios mostram que a solução adotada pelo referido dispositivo constitucional, que nunca precisou ser aplicada, não se adequa à realidade nacional sem a quebra do princípio democrático, precisando ser urgentemente alterada, seja pela via hermenêutica, que prestigie a própria solução legislativa de 2015, seja por obra do constituinte derivado.

    No quadro atual, em que agora se sabe que o vice-presidente conspirou abertamente, juntamente com o candidato derrotado nas eleições, e com o Presidente da Câmara, para, com objetivos que hoje a nação sabe serem inconfessáveis, por fim ao mandato presidencial, por meio de processo de impeachment nas condições em que vivenciamos, sem a identificação de crime de responsabilidade, com notícias de compras de votos em um Congresso onde cerca de um terço dos parlamentares teve a sua eleição financiada pela mesma JBS, é injustificável que, com a descoberta dos atos praticados pelos três personagens, se pretenda outra solução senão a devolução ao povo soberano da escolha sobre o seu futuro governante. Seria admitir a sobrevivência da estratégia ardilosa sobre os seus personagens principais, em detrimento de toda a sociedade.

    A aspiração popular por imediatas eleições diretas é revelada por recentes pesquisas, que apontam o apoio de mais de 85% à tese. Afinal, há um sentimento de usurpação no ar, com as propostas eleitorais escolhidas pelas urnas sendo não só esquecidas pelo vice-presidente, que governa com os que perderam as eleições, mas frontalmente contrariadas por reformas estruturais que, independentemente do juízo que cada um faça a respeito do seu conteúdo, foram rejeitadas pela chapa vencedora e pelo eleitorado, não gozam de apoio popular e estão sendo aprovadas sem qualquer discussão com a sociedade. É como se o povo não contasse.

    Porém, não há outro caminho a seguir para a superação do impasse institucional que se seguiu às eleições de 2014, e a restauração da plenitude democrática, que não passe em convocar o povo soberano para decidir os rumos nacionais. A democracia brasileira não resistirá incólume ao prosseguimento de um processo de reformas tão significativo sem que os que as promovem estejam legitimados para tanto. Está cada vez mais claro que não superaremos a crise política e econômica sem a restauração da legitimidade democrática para fazer as mudanças que o Brasil precisa.

    Em uma democracia, reformas estruturais devem ser levadas a efeito com apoio popular. Não há outro caminho. Mas hoje se pretende mudar o país em desacordo com os anseios da sociedade. Mas, como dizia Carlos Drummond de Andrade, “há uma pedra no meio do caminho”, que é o desejo do povo brasileiro de tomar para si a escolha sobre os seus próprios destinos. Neste caso, parafraseando o poeta, há um povo no meio do caminho…

    Ricardo Lodi Ribeiro é Professor de Direito Financeiro da UERJ

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