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20 de Abril de 2024
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    Uma nova carta aos brasileiros

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    Em meio a uma crise de extrema gravidade na política nacional, cujo centro é a pessoa do Presidente da República que figura como investigado em inquérito policial no âmbito da Operação Patmos. A sociedade brasileira demonstra uma crescente descrença na política, para muitos a atividade política se tornou sinônimo de delinquência ou de atividade amoral.

    Há quase 40 anos, um grupo de juristas, tendo a frente o professor Goffredo Telles Junior, divulgou um manifesto intitulado “Carta aos Brasileiros”. Naquela época, o texto do professor Goffredo se contrapunha ao regime que comandava o país. Hoje, sem qualquer pretensão, o que se busca nestas linhas é contrapor a crise gerada por um quadro de corrupção sistêmica evidenciada com um distanciamento considerável entre representantes e representados e satisfação de interesses, no mínimo, questionáveis.

    Importante enfatizar os conceitos de legalidade e legitimidade. A legalidade advinda da norma formal muitas vezes não retrata a legitimidade atribuída pelo povo. A legitimidade advém de condições que evidenciam sintonia entre representantes e representados. Os parlamentares que integram o Congresso Nacional estão distanciados da sociedade; a qualidade do trabalho legislativo é de baixíssima qualidade e realizado em prol de grupos que financiam campanhas milionárias; conglomerados empresariais comandam as ações no Legislativo por meio de pagamentos de fortunas para aprovação de matérias favoráveis a grandes empresários. A corrupção se tornou algo corriqueiro e tolerado. Evidentemente que um Parlamento desse nível não tem legitimidade para debater os grandes temas nacionais e ser a voz da sociedade brasileira.

    O professor Goffredo muito bem destacou em 1977 que a fonte legítima da Constituição é o povo. A Constituição da República no artigo , parágrafo único, expressamente declara que todo poder emana do povo. Portanto, diante de um Parlamento constituído por políticos desprovidos de qualquer legitimidade, com campanhas financiadas por grandes grupos econômicos, sendo verdadeiros subordinados do grande empresariado, não pode prosperar qualquer debate voltado para o bem da sociedade. Apresenta-se um quadro de degeneração do ambiente político.

    Há um Estado de Fato, que é caracterizado por práticas voltadas à satisfação de interesses privados e escusos. Instalou-se no Brasil um verdadeiro Estado Cleptocrata. O Estado Democrático de Direito pressupõe, como ensina Habermas, uma relação de tensão entre a vontade da maioria e os direitos das minorias, cabendo ao Direito a operacionalização dessa tensão incorporando conceitos do pensamento democrático de Kant e Rousseau, que considera legítima a ordem jurídica baseada em direitos subjetivos concebidos por através da vontade de todos os cidadãos livres e iguais. [1]

    Segundo o professor alemão Konrad Hesse, “a interpretação constitucional está submetida ao princípio da ótima concretização da norma (Gebot optimaler Verwirklichung der Norm).” [2] Neste rumo, outra saída não há que não seja a manifestação popular para a escolha dos rumos que o país deve tomar.

    E a Constituição evoca o povo como origem e destinatário do poder. Ao povo cabe a legitimidade para decidir os rumos do Brasil. Os políticos, protagonistas desse Estado de Fato – cleptocrata, são, verdadeirmante, representantes ilegítimos. Em 1977, o professor Goffredo Telles Junior salientava que “destituídos de Poder Legítimo, os Estados de Fato duram enquanto puderem contar com o apoio de suas forças armadas”. Hoje, o Estado de Fato dura enquanto houver a influência do poder econômico nas decisões políticas.

    Diante dessas singelas ideias, em meio a uma crise sem precedente, com o Presidente da República figurando na situação de investigado, o caminho a ser adotado é a sua renúncia e convocação imediata de eleições gerais.

    Na atual conjuntura, é impensável aplicar o disposto no artigo 81, § 1º, da Constituição, pois a atual legislatura não possui legitimidade para eleger um novo chefe de governo. É imperioso a antecipação das eleições gerais, livre de empreiteiros e outros grandes empresários que hoje se beneficiam das benesses governamentais. Nada mais legítimo e democrático a participação da sociedade que se tornou central nos últimos tempos com o poder do Estado sendo compartilhado. [4]

    Rodrigo Medeiros da Silva é Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas.

    [1] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia entre a facticidade e a validade. 1. ed. reimp. vol. I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 53.

    [2] HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad.: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991, p. 9.

    [3] HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. Trad.: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997, p. 34.

    [4] Dagnino, Evelina (2004) “¿Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando?” En Daniel Mato (coord.), Políticas de ciudadanía y sociedad civil en tiempos de globalización. Caracas: FACES, Universidad Central de Venezuela, p. 96.

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