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19 de Abril de 2024
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    Os impactos do sucateamento da cultura no ABC Paulista: movimentos de rede e luta

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    Não é novidade o desmonte dos mecanismos de cultura em toda a cidade de São Paulo e em diversos pontos da periferia e espaços do centro estendido, locais conquistados com luta e muito trabalho pelas pessoas que vivem, promovem e compartilham de interação comunitária.

    As parcerias das novas gestões neoliberais, que buscam a disseminação de idéias atreladas a um pseudo-crescimento que culmina com uma economia direcionada e enfoque no desmonte da cultura, se dá, não só nos locais de visibilidade suficiente para promoção grandes protestos na Avenida Paulista, mas, também, em locais distantes dos olhares daqueles cidadãos que habitam o centro estendido e as periferias das grandes metrópoles.

    Essa política de desmonte da cultura e lazer nas cidades vem atrelada à política higienista de afastamento do que não se considera “lindo” pelos gestores das cidades. O fechamento de espaços de cultura e proibição tácita de manifestações livre de arte por intermédio de coerção física e administrativa, manejada pelas prefeituras vem a reboque das políticas de afastamento da população de rua do centro da cidade, demonstrando para uma parcela da sociedade o trabalho de gestão do centro urbano sob uma perspectiva de “limpeza e ordem” que não engloba as diferenças e especificidades complexas da sociedade.

    Nas cidades do círculo que contemplam o ABC (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e adjacências como Diadema, Mauá e Ribeirão Pires), as práticas das prefeituras estão para além das questões políticas, invadem campos de direito administrativo, direitos humanos e propiciam um cenário que pode desembocar no aumento das taxas de encarceramento populacional e repressão policial.

    Reunião de articulação em prol das atividades de cultura em 13/03/2017

    As manifestações de arte que representam a cultura de rua e pensamento livre de arte marginal estão sofrendo toda sorte de limitações para resguardar a continuação de suas atividades. Dentre alguns exemplos, podemos citar à repressão policial ao evento da Batalha da Matrix [1], o qual ocorre na principal praça do centro de São Bernardo do Campo e sofre, desde o início do ano com repressões violentas da Polícia Militar na cidade, corte de luz para limitação das atividade e fortíssima repressão policial durante um evento que já dura três anos com resistência, arte e apoio da juventude das cidades ao redor.

    Outras ações que englobam o cenário desses novos rumos das gestões destas prefeituras, tendo como referência as cidades do ABC, estão ações como fechamento de espaços de cultura em geral e espaços de convivência comunitária, sucateamento dos aparelhos de cultura, tais como o CAV- Centro de Audio Visual de São Bernardo o qual teve redução de sua verba em quase 80% culminando na paralisação de boa parte de suas atividades para revitalização estrutural inesperada e sem planejamento, além de custo sem previsão alguma no orçamento do município culminando na retirada dos valores das verbas destinadas às atividades do local.

    Outro exemplo são CAJUV, Coordenadoria de Ações para a Juventude e CLAC – Centro Livre de Artes Cênicas, espaços que contemplam diversas atividades como, aulas de danças, circo, convivência, saraus, entre outras atividades que promovem a interação entre a sociedade e qualidade de vida para a cidade, sendo ambos amplamente frequentados por boa parte dos cidadãos não só de São Bernardo do Campo, mas, também, por pessoas das cidades do entorno. O CAJUV foi fechado sem qualquer explicação à comunidade, tendo seus funcionários exonerados e remanejados sem prévio aviso, a bem do serviço público, Tal medida não levou em consideração a opinião dos usuários dos serviços, gerando resistência por parte de seus frequentadores e professores.

    Em Ribeirão Pires, por ordem da Prefeitura houve o impedimento do Carnaval de Rua das Escolas de Samba da região. Os espaços contavam com atuação direta e engajamento econômico e social das comunidades, em sua maioria, periféricas.Para além das questões de cultura popular e lazer, tal evento gerava circulação de renda, girando a economia da periferia local e proporcionando lazer para seus frequentadores.

    O fechamento e unificação das secretarias de cultura à diretoria de educação, relegando as pautas relativas a eventos e arte ao anexo da Secretaria da Educação. Ato que retira a autonomia e desmonta todo o planejamento de gestão da secretaria e diminui a chance de se considerar a subjetividade e necessidades específicas da pauta em questão.

    A repressão violenta às manifestações que visavam forçar um diálogo com a população que luta contra fechamento dos espaços, dentre outras questões que derivam da falta de diálogo com a comunidade pelas gestões, tais como, a separação do público que visita à Câmara dos Vereadores de São Bernardo do Campo por um vidro, são mais uma das formas de “não diálogo” com os usuários dos serviços fechados abruptamente pela Prefeitura.

    Ainda em São Bernardo do Campo, o prefeito Orlando Morando criou um Cadastro de Artistas de Rua, no qual, sem nenhum motivo aparentemente necessário para que estes profissionais sejam identificados por meio de um banco de dados específico ou que venha a fornecer qualquer benéfico aos mesmos, informa por diversos meios de comunicação a necessidade de cadastro destes para expressão de sua arte em geral. Como se a arte de rua necessitasse de protocolos para ocorrer nos espaços abertos e ambientes comuns da cidade.

    Veja a manifestação contra o cadastro compulsório de artistas, no dia 12 de maio de 2017.

    O corte das verbas dos espaços seguiu também os projetos aprovados e incorporados no orçamento da gestão anterior, sendo desvinculados das folhas de pagamento das prefeituras os subsídios e incentivos destinados a projetos de diversos segmentos simplesmente deixaram de ser pagos sem prévio aviso ou remanejamento de datas.

    A comunidade cultural buscou a integração na tentativa de organizar atos em assembleias e se unificar em reuniões e manifestações principalmente na cidade de São Bernardo do Campo.

    Foi realizada no dia 05 de abril de 2017 a 4ª Assembléia Unificada da Cultura e Juventude no Espaço Meninos e Meninas de Rua de São Bernardo do Campo. Dentre outras pautas, os participantes buscam se articular em rede e de maneira multidisciplinar, mesclando seu trabalho dentro do movimento com a luta de todas as cidades e visando pressionar à administração pública a retroceder das práticas de sucateamento e repressões atuais.

    Os coletivos da cidade, agregados a outros segmentos de atuação tais como dança, poetas, malabaristas, dentre outros artistas da região do ABC e região se uniram e tornaram a luta em prol da livre expressão cultural algo comum entre si, participando de articulações e manifestações conjuntas e, também buscando, por meio da disseminação dos acontecimentos nas redes sociais em busca de fortalecimento dos movimentos anti-sucateamento em seus meios de convivência e afins.

    Dentre as temáticas discutidas nos espaços, estão questões voltadas as conseqüências das mudanças ocorridas no cotidiano social, cultural e educacional das cidades na perspectiva da população, principalmente, a composição de minorias políticas e econômicas da sociedade como um todo naqueles locais.

    Diferente de espaços como o CAJUV e tantos outros citados, não houve redução ou sucateamento de espaços e organizações como Orquestras Sinfônicas e Filarmônicas das cidades as quais se utilizam de espaços públicos para exercer suas atividades.

    A cultura que merece corte de custos parece específica neste ponto. Não só por se tratar de uma cultura aceita e entendida como valorosa pela parcela socialmente mais abastadas, mas também por ser o modelo de sociedade do projeto que se pretende construir a partir de então.

    No dia 31 de março de 2017, artistas reunidos no Sarau do Fórum debateram temas que giram em torno não só da perda dos empregos e exonerações proporcionadas pelas manobras da gestão municipal, observando-as como uma forma de promover a desarticulação e enfraquecimento do trabalho dos artistas e trabalhadores autônomos das periferias da cidade.

    Alem disso pontuaram que a repressão policial ali perpetrada proporciona maior perigo ao jovem participante dos eventos e, conseqüente, maior possibilidade de criminalização dos participantes dos destes, pessoas em sua maioria das periferias destas cidades, observada maior truculência das polícias e ações articuladas em espaços onde ocorrem os eventos.

    A articulação desses jovens artistas está sendo feita a mãos próprias, sem qualquer subsídio público ou privado por meio de suas artes e expressão. Buscando a aproximação com a população das cidades, promovem panfletagem e eventos, inclusive, aulas abertas, a próxima no dia 8 de abril visando informar a população, para além dos jovens e frequentadores dos espaços que sofreram com os cortes e fechamentos, sobre os acontecimentos, o que está sendo feito a respeito das questões que afetam a cidade e seus moradores e as conseqüências para a população.

    Não há até o presente momento qualquer articulação desta frente de luta em prol da cultura popular junto ao judiciário ou com intermediação e assessoria dos órgãos que fornecem assessoria jurídica à população.

    Muito embora estas questões tenham como endereço certo o Poder Judiciário, visto que culminam em abusos e violações de direitos para além do campo administrativo de gestão municipal, seja pelo não cumprimento dos contratos da gestão, seja pela repressão policial excessiva e autoritária, a perda de espaços para a população é algo de que os profissionais do direito podem e devem se ocupar e posicionar a partir de seu comprometimento com o Estado Democrático e Direitos Humanos que estão em questão neste exato momento.

    Precisamos, neste momento, compreender que se trata de medidas que aprofundarão sobremaneira as desigualdades entre as populações e proporcionam impactos para além do cancelamento de cursos.

    As questões que permeiam todo este caminhar de mudanças articuladas entre as municipalidades culminam no afastamento da população periférica dos centros sociais, delimitam a linha na qual se presume o quão diferente será o tratamento de uma parcela da sociedade e de outra e como se fará esta diferenciação sem que as minorias políticas e econômica possam se valores de qualquer direito ou qualquer auxílio. É necessário o enfrentamento de tais ações com a seriedade de quem compreende o quanto uma população isolada pode ser vulnerável. Em tempos de verdades pós-modernas é nosso papel lutar para que nossos direitos não virem moeda de troca na mão de quem os vê como descartáveis.

    Thayná J. F. Yaredy é Advogada autônoma na empresa Yaredy Advocacia e mestranda na UFABC – Universidade Federal do ABC .

    [1] A Batalha da Matrix é um duelo de MCs que fazem rimas improvisadas para atacar um ao outro, 30 segundos de cada vez. Os MCs tem 2 ou 3 rounds para mostrar suas rimas ao público, que por sua vez, decide qual dos dois é o vencedor fazendo barulho, e assim o duelo segue de modo eliminatório. O evento acontece semanalmente há 3 anos – toda terça-feira às 19h30 na praça da igreja matriz, centro de São Bernardo do Campo – SP.

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