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19 de Abril de 2024
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    Era uma vez a Lei de Execução Penal

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    Era uma vez… a Lei nº 7210/1984, aos mais íntimos: LEP, diploma legal considerado tábua de salvação no meio deste purgatório, também conhecido como Sistema Penitenciário Brasileiro. Por meio desta, estão previstos diversos direitos aos apenados que, caso fossem observados, garantiriam uma pena digna. Não estou tratando aqui sobre a (im) possibilidade do processo de ressocialização e a influência da LEP, tal análise, em razão da profundidade necessária, ficará para outra oportunidade. Estou, sim, abordando-a como garantia de um tratamento humano ao apenado.

    Desnecessário dizer que não estamos tratando de uma lei perfeita, contudo, é o que temos de melhor em relação às garantias constitucionais dentro do cárcere. Em razão da Lei de Execução Penal, está assegurado amplo rol de direitos, sejam eles fundamentais como à assistência material, à saúde, jurídica, educacional e religiosa (Art. 41, VII, Lei nº 7210/1984) ou até direitos mais contemporâneos como a proteção contra qualquer forma de sensacionalismo (Art. 41, VIII, Lei nº 7210/1984).

    Voltando o presente texto também àqueles não tão simpáticos com o tema, tentarei, em poucas palavras convencê-los da necessidade do explanado. Aos autointitulados “cidadãos de bem” relembro-lhes que o estrutural massacre ocorrido nos presídios brasileiros, ocorre, como é notório, em razão de conflitos entre facções. O enfraquecimento destes grupos enraizados na sociedade dá-se, entre outras formas, mediante a redução de seus membros.

    Todavia, a captação do recurso humano destas organizações ocorre muitas vezes no presídio, onde estão sujeitos a serem recrutados indivíduos muitas vezes sem qualquer histórico de violência. [1] Não obstante, ao contrário do que o “senso comum” possa informar, o enfraquecimento das facções dá-se através da efetivação dos direitos fundamentais do apenado, pois é na ausência do Estado, no desamparo do apenado, que é possibilitada a existência de outras organizações sociais. [2]

    Uma vez que, na falta de amparo estatal, haverá a busca por um poder paralelo que garantirá (de forma não gratuita) segurança, alimentação, lazer e afins durante o encarceramento. [3] No mesmo sentido, é urgente ressaltar que estamos diante da maior crise no sistema carcerário brasileiro, a qual, fugindo de reducionismos, poderia ser minimizada pela observância à legalidade por parte do Estado, aplicação daquilo que os parlamentares de outrora consideraram como direito dos presos, antes mesmo da Constituição Federal vir trazer o extensivo rol de garantias fundamentais.

    Ou seja, não são apenas os “intelectuais”, os “defensores de bandidos”, o “pessoal da esquerda” (como as redes sociais costumam nomear os ativistas de Direitos Humanos) e outros que defendem um tratamento humanitário aos apenados, é a própria Lei de Execução Penal. No meio deste cenário, raros são os exemplos de julgadores que cumprem a lei [4], temos como modelo a atuação do juiz Luis Carlos Honório de Valois Coelho, que teve importante papel durante a rebelião ocorrida no Complexo Penintenciário Anísio Jobim, e é conhecido por suas decisões pautadas pela estrita legalidade. [5]

    Apenas nestes tempos marcados pela bárbarie, onde há apontamentos por parte da grande mídia, que o Governo discute e apura medidas para contenção da crise carcerária. Entretanto, não se trata de problema recente, em diversas situações houve denúncias acerca da situação desumana encontrada nos presídios brasileiros. Existindo, inclusive, a Resolução nº 14/2013, emitida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que demanda medidas garantidoras dos direitos humanos aos presos por parte do Estado no Presídio Central de Porto Alegre¹, conhecido nacionalmente em razão das condições subhumanas vivenciadas pelos apenados. Em razão do constante descaso, novamente, deparamo-nos em situação de crise generalizada, onde, infelizmente, a OAB vê-se impelida a cobrar internacionalmente direitos que já são garantidos por lei. [6]

    Diante deste contexto, deve o Estado, por meio da atual base governista, optar por uma das medidas seguintes: a) revogar a Lei nº 7210/1984 e admitir que não são necessários direitos aos presos; b) agir constitucionalmente e fazer cumprir a lei em vigor e assumir responsabilidade pela situação nos presídios. Ora, estaria este que vos fala afirmando que a aplicação da Lei de Execução Penal seria a panaceia dos problemas oriundos do sistema carcerário? Por óbvio que não, mas o que deve ficar claro aos caros leitores é que não se pode esperar atitudes humanas daqueles que são tratados desumanamente. Fica a pergunta : Existiria outra consequência da situação animalesca encontrada nos presídios que não a revolta daqueles que são tratados como animais? Porém, algo é certo, o mínimo que o Estado deve fazer por aqueles que estão sob sua tutela é a aplicação da LEP e a garantia de todos os direitos previstos nela.

    Encerrando o texto, espero que fique clara a escolha pela expressão “Era uma vez” para preambulá-lo, pois não encontrei melhor forma de iniciar uma manifestação sobre algo que, na prática, inexiste. Apenas na nossa imaginação, nas doutrinas, e em poucas decisões (que pela raridade podem até ser tidas como lendárias) podemos vislumbrar esse mito conhecido como “LEP”. Mas, diferente das histórias infantis , no nosso caso não existe final feliz.

    Hélio de Souza Bogado Neto é Pós-Graduando em Criminologia e Direito Penal. Servidor Público.

    [1] MONTEIRO, Felipe Mattos; CARDOSO, Gabriela Ribeiro. A seletividade do sistema prisional brasileiro e o perfil da população carcerária: Um debate oportuno. Disponível em: <revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/in dex.php/civitas/article/download/12592/968> Acesso em: 26 jan. 2017

    [2] SHIMIZU, Bruno. Facções Criminosas, “Estados Paralelos” e Pluralismo Político. BOLETIM IBCCRIM, n. 204, v. 17, p. 4, nov. 2009.

    [3] CANOFRE, Fernanda. “Quem criou a facção foi o chamado ‘Estado organizado”. SUL21. Disponível em: . Acesso em: 27 jan. 2017.

    [4] TARDELLI, Roberto.O Poder Judiciário é um dos grandes responsáveis pela crise carcerária. Justificando. Disponível em: < http://justificando.cartacapital.com.br/2017/01/16/o-poder-judiciario-e-um-dos-grandes-responsaveis-pela-crise-carceraria2/>Acesso em: 26 jan. 2017

    [5] LIMA, José Antinonio; OLIVEIRA, Tory. Luís Carlos Valois, o juiz garantista de Manaus que virou alvo após massacre. Carta Capital. Disponível em : . Acesso em: 26 jan. 2017

    [6] MACEDO, Fausto. OAB vai levar massacres de Roraima e do Amazonas à Corte de Direitos Humanos. Estadão. Disponível em: . Acesso em: 26 jan. 2017

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