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25 de Abril de 2024
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    Terrorismo: mais uma lei desnecessária e defeituosa

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    Foi publicada, em 17 de março deste ano, a Lei Federal 13260/2016 [1], a chamada “Lei de Terrorismo”, que, pela primeira vez, no Brasil, cria conceito legal para aquilo que é chamado de “terrorismo” [2].

    Após muitas alterações e diversos vetos, que buscaram corrigir algumas deficiências da lei (no projeto original, até a utilização de máscaras por manifestantes era criminalizada como prática terrorista), o texto final foi publicado, merecendo destacar a inclusão de dispositivo que afasta a aplicação da lei aos movimentos políticos e sociais, possibilidade que estava gerando enorme receio quanto ao cerceamento de atividades de militância política e liberdade de expressão.

    Antes de considerações que precisam ser feitas acerca do tema “terrorismo” e sua tipificação, merecem comentários alguns dispositivos da nova lei.

    O texto já se inicia com um artigo desnecessário (art. 1º [3]), cujo conteúdo podia estar contido perfeitamente no preâmbulo da lei, sem que gerasse qualquer prejuízo aos intérpretes.

    Os crimes em si estão disciplinados em dispositivos do § 1º do art. [4] e nos artigos seguintes, sendo necessário que se faça uma interpretação conjunta do caput do artigo [5] com o seu § 1º e os demais artigos com tipos penais, entendendo-se, assim, que as condutas criminosas devem ser praticadas pelas razões mencionadas no caput do artigo, o mesmo tipo de interpretação realizada na Lei 7716/1989 (Lei de Racismo).

    A lei também é repleta de termos vagos como “terror social ou generalizado” (art. 2º, caput), “destruição em massa” (art. 2º, § 1º, I) e “organização terrorista” (art. 3º). Definições amplas, aptas a incriminar tanto condutas gravíssimas quanto condutas menores, sujeitas – tanto umas quanto outras – a penas gravíssimas, chegando ainda à criminalização explícita de atos preparatórios (art. 5º).

    A falta de técnica legislativa chega ao ponto de aplicar pena mais graves a partícipes (como os financiadores, por exemplo) do que a autores imediatos/diretos de práticas terroristas (art. 6º).

    Para levar o julgamento de tais crimes para a Justiça Federal (e a investigação à Polícia Federal), criou-se também uma presunção legal de que todos os crimes previstos na lei são praticados contra interesse da União (art. 11).

    Repete-se, como de (péssimo) costume a possibilidade – inconstitucional – de atuação de ofício do juiz, no curso da investigação ou de ação penal, para decretação de medidas cautelares (art. 12) e ainda inclui no texto uma previsão, controversa, mas já prevista na Lei 9613/1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro), de “inversão do ônus da prova” quanto às medidas cautelares patrimoniais (art. 12, § 2º).

    Diante da análise do texto e da realidade brasileira, chega-se à conclusão de que não precisamos de uma Lei de Terrorismo, por uma série de fatores.

    Em primeiro lugar, cabe dizer que todas as condutas tratadas pela lei, de uma forma ou de outra, já são punidas criminalmente pela lei brasileira.

    Mas sabe-se que a referida lei não foi criada por motivos de necessidade (alguma lei penal é criada, realmente, por isso?), afinal, tipificaram-se condutas que nunca ocorreram em território brasileiro, mas por pressões externas por “leis antiterror”, especialmente agora que o Brasil está prestes a sediar as Olimpíadas de 2016.

    No entanto, se aceitou a pressão e se decidiu criá-la, mesmo não haja a necessidade da norma penal no Brasi. Por isso, é necessário o mínimo de cuidado em sua elaboração.

    Um fenômeno altamente complexo como o terrorismo, estudado e debatido há décadas por penalistas do mundo inteiro, passou pelo Congresso Nacional em regime de urgência e, como sempre ocorre em casos assim, veio repleto de falhas legislativas, algumas mencionadas no início desta exposição.

    Pergunta-se: Como aprovar em regime de urgência, sem o devido debate – acadêmico inclusive – uma lei penal definidora de um conceito tão importante se sequer há consenso internacional quanto a uma definição clara daquilo que se convencionou chamar de “terrorismo”? [6]

    O que mais preocupa em toda esta discussão é saber que, mesmo com todas as falhas e mesmo a lei retirando do âmbito de sua aplicação os movimentos políticos e sociais, uma coisa é a aplicação/entendimento da lei penal em abstrato; outra, bem diferente, é a realidade da aplicação do Direito Penal e da atuação do poder punitivo.

    Em tese e em breve análise, não se enxerga, no momento, nenhum grupo (ou condutas) no Brasil que possa ser objeto de aplicação da referida lei, com exceção, talvez, de um ou outro grupinho de skinheads neonazistas ou um ou outro grupo religioso intolerante que, embora já tenham praticado atos pontuais reprováveis, abjetos e, por óbvio, também criminosos, não atingiram a relevância necessária para a incidência da Lei de Terrorismo.

    Entretanto, o mais pessimista (e criativo) dos penalistas costuma se surpreender com a aplicação prática/real do poder punitivo.

    O medo vem do que pode ser feito a partir de interpretações muito “amplas” ou, sejamos francos, mal intencionadas, da lei. Até “provar que nariz de porco não é tomada”, muitos abusos e injustiças podem ser cometidos, a exemplo dos dois estudantes que, em 2013, foram presos sob suspeita da prática de “sabotagem”, prevista na Lei de Segurança Nacional (Lei 7170/1983). Foram postos em liberdade, mas o mal já havia se concretizado. E liberdade não se restitui...

    Tentar ser racional analisando um sistema altamente baseado na irracionalidade – como é o Direito Penal – é tarefa bastante desestimulante para qualquer penalista/criminalista minimamente preocupado com o respeito aos direitos e garantias fundamentais, à Constituição e às regras do jogo em geral, especialmente em tempos em que o “Guardião da Constituição” [7] não parece estar preocupado com a obediência da lei maior.

    Cássio Rebouças de Moraes é advogado criminalista, professor de Direito Penal e sócio do escritório Peter Filho & Sodré Advogados. É também pós-graduado em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra (Portugal) em convênio com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCCrim). Membro cofundador do Instituto Capixaba de Criminologia e Estudos Penais - ICCEP.
    REFERÊNCIAS 1 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13260.htm 2 Vale esclarecer que a Lei de Segurança Nacional (Lei 7170/1983) tipifica a prática de terrorismo em seu art. 20, porém sem delimitar o conceito do termo, o que inviabilizava sua aplicação. 3 Art. 1o Esta Lei regulamenta o disposto no inciso XLIII do art. 5o da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização terrorista. 4 § 1o São atos de terrorismo: 5 Art. 2o O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública. 6 Da mesma forma que não havia consenso internacional sobre o conceito de “organização criminosa”. Adotou-se no Brasil uma das piores definições legais. 7 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição [...]
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