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23 de Abril de 2024
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    Execução provisória da pena: vai ter prescrição, sim!

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    Em meio ao furacão da crise político-institucional que o país vem enfrentando nos últimos meses, torna à pauta questão da mais graduada importância no que concerne ao Processo e ao Direito Penal em si, que é justamente a execução provisória da pena.

    O Supremo Tribunal Federal, no dia 17 de fevereiro deste ano (quarta-feira), denegou ordem de habeas corpus requerida nos autos do HC n. 126.292/SP [1], que tinha por objeto de questionamento a execução provisória da pena a partir da decisão de segundo grau imposta pelo TJSP ao paciente naquele writ, revendo o posicionamento já consolidado naquela Corte, estratificado no julgamento do paradigmático HC 84.078-7/MG de 05.02.2009.

    Nesta oportunidade, o STF assentou a transcendência da questio juris discutida naqueles autos, afetando ao plenário a discussão da questão. A Suprema Corte, em suma, afirmou, por maioria (7x4), que o Supremo deveria “ouvir a sociedade”, devendo rever o seu posicionamento até então consolidado. E aquilo que se revelou como ponto central da questão foi justamente o pretenso aumento da impunidade ou ineficácia dos julgados proferidos por instâncias ordinárias, em virtude do abuso de recursos pela defesa de acusados em geral – por vezes, protelatórios – os quais, não raro, desaguam na consumação da prescrição da pretensão punitiva do Estado.

    A despeito da clareza do Texto Constitucional quanto à matéria e de diversas outras imbricações jurídicas relacionadas à decisão em comento – merecedoras de severas críticas por parte da comunidade jurídica –, por conta da limitação espacial, o presente texto não se ocupa da análise a respeito da correção da ratio decidendi envidada, presta-se, de outra parte, a analisar única e especificamente os efeitos reflexos do julgado naquilo que concerne à evocada causa extintiva da punibilidade da prescrição.

    Conforme se viu do acórdão, a possibilidade de se recorrer em liberdade até a mais graduada instância do país, a demora no julgamento de tais instrumentos recursais e a possibilidade de se verificar decorrido o prazo prescricional nesse intervalo, foram apenas alguns dos fundamentos que compunham a ratio decidendi. No entanto, neste ponto específico, a decisão sub examinem cria efetivamente mais problemas do que pretende solucionar.

    Primeiramente, cumpre ressaltar que a prescrição, enquanto causa extintiva da punibilidade (art. 107, IV, CP), tem a sua razão de existir assentada em fundamentos político-criminais, tratando-se de legítimo mecanismo limitador do poder punitivo, impondo ao Estado tempo necessário, e democraticamente valorado como adequado (prazos legais, do art. 109, CP), para se apurar a responsabilidade penal de agente em virtude da prática de fato com aparência de delituoso (prescrição da pretensão punitiva do Estado) ou para se cumprir pena imposta por decisão irrecorrível (prescrição da pretensão executória do Estado). Uma vez decorrido o prazo estipulado em lei para o processamento de determinado fato ou para a execução de certa pena, incumbe a este mesmo Estado reconhecer a prescrição e declarar a extinção da punibilidade do agente.

    A ninguém é dado, nesse viés, ser investigado ou processado ad eternum, ou ter pena a ser executada por tempo indeterminado. Conforme preleciona Cezar Roberto Bitencourt, “Esse direito que se denomina pretensão punitiva, não pode eternizar-se como uma espada de Dámocles pairando sobre a cabeça do indivíduo” (BITENCOURT, 2014, p. 887).

    É de ver, portanto, que a política-criminal que orientou o legislador de 1940 (parte não alterada pela reforma de 1984) embalou o constituinte reformador, que fez constar expressamente do inciso LXXVIII, do art. , da Constituição da República, o direito fundamental à razoável duração do processo penal (EC n.º 45, de 2004), apenas reforçando o compromisso assumido pelo Brasil, no plano internacional, anos antes da reforma constitucional, ao tornar-se signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), a qual instituiu como garantia judicial (art. 8.12) e direito à liberdade pessoal (art. 7.53): a duração razoável da persecução penal como um todo, mostrando-se a causa extintiva da punibilidade em questão como o limite máximo à razoável duração do processo criminal.

    Então, a partir da decisão de segundo grau que manteve a condenação do agente, interpostos os recursos de exceção (REsp e RE), o primeiro questionamento que exsurge do caso é: exatamente qual seria a espécie de prescrição incidente?

    A resposta me parece bem clara, pois o art. 110, caput, do Código Penal – que regula especificamente a questão atinente à prescrição da pretensão executória –, ao se utilizar da expressão “depois de transitar em julgado a sentença condenatória”, referiu-se especificamente ao trânsito em julgado para ambas as partes do processo (acusação e defesa), técnica esta que, propositadamente, não foi dispensada pelo mesmo legislador ao § 1º, do indigitado dispositivo, que se valeu do verbete “depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso” para instrumentar a prescrição da pretensão punitiva do Estado com base na pena in concrecto.

    Assim, não havendo transitado em julgado a sentença condenatória para ambas as partes no processo, mantida a condenação em segundo grau, mesmo que se admitindo a execução provisória da pena, tal como decidido no caso em questão, incidiria na espécie justamente prescrição da pretensão punitiva do Estado e não de prescrição da pretensão executória.

    Em um segundo momento, certificada a incidência da prescrição da pretensão punitiva do Estado – in abstracto ou in concrecto –, o entendimento destilado no HC 126.292/SP solucionaria aquilo que o STF se propôs a evitar? Extirparia a tal da impunidade ocasionada pela interposição de recursos?

    A resposta a este segundo questionamento perpassa obrigatoriamente pela análise dos marcos interruptivos da prescrição, previstos no art. 117, do Código Penal, e finda, pois, em uma resposta indeclinavelmente negativa.

    Nessa linha, a publicação de acórdão confirmatório de condenação não se encontra descrita no rol do art. 117, como causa de interrupção do prazo prescricional; apenas a publicação de sentença e (ou) acórdão condenatório recorríveis se prestam a tanto, consoante preconiza o IV do referido dispositivo. Nem se mostraria possível qualquer esforço interpretativo nesse sentido, pois a densidade semântica dos vocábulos contidos no texto legal não deixa margem para interpretação diversa. “Acórdão condenatório recorrível” – aquele que inova em condenação – é absolutamente distinto de acórdão confirmatório de condenação, também recorrível.

    Sufragando o que ora se afirma, basta a análise da técnica legislativa envidada em relação aos incisos II e III, do art. 117, do CP, onde tanto a decisão de pronúncia (II) quanto a sua confirmação (III) interrompem o prazo prescricional no procedimento especial reservado ao tribunal do júri popular, o que não se verifica, repita-se, em relação à decisão condenatória.

    Demais disso, antecipando qualquer arguição nesse sentido, inaplicável in casu a regra de interrupção da prescrição inscrita no V do art. 117, do CP, que se refere ao “início ou continuação do cumprimento da pena”, eis que esta hipótese é reservada, por uma questão de arranjo sistêmico, unicamente aos casos de prescrição da pretensão executória, e, portanto, quando houver trânsito em julgado para acusação e defesa; do que, à evidência, não se trata.

    O “início do cumprimento de pena” (art. 117, V, CP), enquanto causa de interrupção do prazo prescricional, não implica a retomada imediata do contagem do prazo prescricional no dia posterior, de acordo com a ressalva expressa contida no § 2º, do art. 117, do CP, daí a conclusão lógica de sua aplicabilidade exclusiva à prescrição da pretensão executória, pois, uma vez iniciado-se o cumprimento da pena definitiva, restaria evitado justamente aquilo que o instituto da prescrição visa prevenir, a omissão do Estado quando do início da execução da punição “revestida pela qualidade de imutabilidade da coisa julgada” (PACELLI, 2013, p. 668).

    Aplicar a mesma teleologia à prescrição da pretensão punitiva do Estado permitiria afirmar que o prazo prescricional, além de se interromper com a decisão confirmatória da condenação – o que, conforme encimado, não se mostra possível –, não correria ao longo do julgamento do processo perante as Cortes Superiores, mostrando-se visceralmente contrária à teleologia político-criminal que informa o sistema punitivo brasileiro e, inclusive, à própria Constituição, dado que inauguraria um processo penal sem prazo limite, ou com prazo indeterminável, menoscabando a principiologia contida no seu art. , LXXVIII, e também do art. 8.1, e art. 7.5, ambos da CADH.

    Além disso, a aplicação da referida regra interruptiva culminaria em grave desarranjo sistêmico da regulatória da prescrição, pois, uma vez ocorrida a preclusão (temporal, consumativa ou lógica), e, consequentemente, tornando-se definitiva a condenação para a defesa, nota-se que o marco interruptivo da prescrição da pretensão executória em questão (art. 117, V, CP) teria surtido efeitos na espécie antes, inclusive, de ter incidência o seu termo inicial: o dia em que passou em julgado a condenação para a acusação, art. 112, I, CP. É dizer: o prazo da prescrição da pretensão executória já estaria interrompido antes mesmo de passar a valer seu dies a quo.

    Dessa forma, resta claro que a decisão proferida pelo STF no julgamento do HC 126.292/SP não modificou em nada a taxionomia da prescrição da pretensão punitiva do Estado, permanecendo inalterada a sua aplicação. Contudo, criou-se celeuma dogmática gravíssima e insustentável.

    Com efeito, se a sistemática permanece inalterada, a prescrição da pretensão punitiva continua a correr enquanto o REsp ou RE aguardam julgamento na respectiva Corte, mesmo que o agente esteja cumprindo pena em caráter provisório (a partir da decisão confirmatória de segundo grau). Assim, quando o montante de pena correspondente à condenação é inferior ao prazo prescricional, tal qual o do julgado em questão (5 anos e 4 meses prescrevem em 12 anos, art. 109, III, CP), não se verificará o problema ora denunciado; contudo, no caso oposto, as consequências serão gravíssimas.

    Imagine-se alguém condenado por, exempli gratia, cinco crimes de estupro no mesmo processo, impondo-se a pena mínima a cada um dos delitos (6 anos), a sua condenação totalizará 30 anos de reclusão. Levando-se em consideração que, segundo a inteligência do art. 118, CP, a prescrição incide isoladamente sobre a pena de cada uma das infrações, passados “breves” doze anos da sentença condenatória recorrível, pendente o julgamento de recurso (art. 109, III, c/c art. 110, § 1º, CP) o pronunciamento da prescrição fará desaparecer o poder punitivo do Estado, extinguindo a punibilidade do agente pelo fato supostamente praticado, deslegitimando qualquer pena cumprida neste intervalo, tornando-a uma violência absolutamente injustificada.

    Portanto, não se exige maior esforço para se vislumbrar a infinidade de possibilidades de se constatar violência ilegítima (antiweberiana), através do vetor decisório instaurado pelo acórdão proferido no HC 126.292/SP do STF, pois será possível submeter alguém ao cumprimento de pena, cuja prescrição da pretensão punitiva do Estado poderá vir a ser pronunciada (extinta a punibilidade), mesmo depois de considerável tempo de “pena” cumprido, diga-se: cumprida em caráter precário, dada a sua provisoriedade. Nada mais ilegítimo e afrontoso ao fundamento da República inscrito no inciso III, do art. da Constituição/1988.

    O julgado em questão exala viés declaradamente consequencialista. O STF, ao decidir desta forma, calcado em teleologismos, olvidou-se da clara e literal opção/garantia política inscrita no corpo da Constituição de 1988, pela presunção de inocência, a qual, bem ou mal, no caso brasileiro, estabelece como obstáculo à sua superação o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

    Enfim, ao se propor a ouvir a sociedade (pelo menos, parcela sua) e sem antever as consequências das consequências, o Supremo Tribunal fechou os olhos para o Texto Constitucional, sem declarar inconstitucional o art. 283, do CPP, e se valeu de um argumento metadogmático para simplesmente “mandar para a cadeia” (expressão de apelo popular, tal qual a decisão em questão), quem eventualmente possa ser absolvido, ter seu processo anulado, ou, conforme especulado aqui, ter declarada extinta a punibilidade pela prescrição.

    Emerson Paxá Pinto Oliveira é Bacharel em Direito, Advogado Criminalista, Professor, Conselheiro Penitenciário do Estado do Amazonas.
    REFERÊNCIAS [1] Acesso em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=310153 [2] Art. 8º 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. [3] Art. 7º 5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 20 ed. São Paulo. Saraiva, 2014. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 17 ed. São Paulo. Atlas, 2013.
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