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26 de Abril de 2024
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    Razões para ainda contar prazos como no CPC/73

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    O cômputo dos prazos em dias úteis haverá de ser uma notável conquista para a advocacia. Sempre foi difícil explicar o porquê de o advogado de contencioso trabalhar nos finais de semana.

    Lembro-me de contar para amigos, parentes e ao meu filho a necessidade de acabar um prazo no sábado ou domingo. Invariavelmente recebia um olhar crítico... Deixa pra segunda, diziam. Daí eu precisava explicar se tratar de prazo de cinco dias, publicado quarta, cujo protocolo quisera ocorresse sexta, mas não conseguira... Invariavelmente ouvia logo algo como um "tá bom" cortando minha fala. Talvez porque papo de processualista seja chato ou, simplesmente, por me acharem um workaholic sem salvação. Não sou, nunca fui – apesar de amar a profissão e me satisfazer muito com ela. Mesmo assim devo explicar de uma vez por todas: advogado de contencioso trabalha no final de semana porque precisa. Uma necessidade com dias contados... Certo, talvez meses contados... Tudo bem, no máximo em 2018 tudo estará resolvido. Explico.

    O art. 219 do Código de Processo Civil (“CPC-15”) reúne força suficiente para proclamar a libertação dos finais de semana dos advogados. Poderemos cumprir aquele prazo de cinco dias publicado na quarta até a outra quarta. Parece-me útil lembrar aqui o texto de lei:

    “Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.”

    Antes mesmo da Lei n.º 13.105/2015 ser publicada começou a euforia. O tema estava em qualquer resenha sobre o CPC-15, invariavelmente com notas de júbilo. Depois da lei posta, ouvi alunos e colegas regozijando, alguns mais afoitos prometiam cumprir os prazos publicados no dia 18 de março de 2016 apenas contando os dias úteis. Seria uma forma de comemoração, explicavam.

    E eu dizia "ainda é cedo...". Jamais por medo do novo, tampouco por considerar difícil fazer contas de prazos em dias úteis – aliás, me surpreendi recentemente com um software oferecido para contar, por mim, os prazos em dia úteis.

    Penso não ser uma conta tão difícil. Entretanto, ouvi opinião contrária de pessoas bem mais inteligentes que eu. Meu receio esteve, está e estará nas brechas deixadas pelo CPC-15 para a criação de jurisprudência defensiva em torno do tema.

    Em outro estudo de minha autoria, parti das palavras de dois Ministros do Supremo Tribunal Federal para propor a seguinte definição para jurisprudência defensiva: “a consolidação de entendimentos de Tribunais Superiores com a precípua finalidade de reduzir-lhes a sobrecarga de trabalho, mesmo que, para tanto, torne-se necessário ignorar o rigor científico” [1]. O CPC-15 é um exterminador de jurisprudência defensiva, porém, mesmo na era da primazia do mérito (art. 6.º, CPC-15) e da correção de todos os vícios processuais sanáveis (art. 317 c/c 932, § 2.º, CPC-15), é ingenuidade acreditar que a jurisprudência defensiva é um problema superado. Ledo engano. A jurisprudência defensiva é o pesticida do processo civil. Ela pode até matar o consumidor mas continuará sendo aceita por ajudar na produtividade.

    Já na primeira leitura, qualquer intérprete do CPC-15 nota sua condescendência com vícios processuais, inclusive aqueles historicamente insuperáveis como a deserção (art. 1.007, §§ 4º, 6º e 7º). Entretanto, posso afirmar, sem medo de errar, ser a tempestividade um dos poucos vícios insanáveis no CPC-15. Justamente por isso meu temor de a jurisprudência defensiva brotar nesse flanco deixado aberto pelo legislador, em especial quando o incauto advogado decide exercer seu direito de descansar no final de semana ou feriados.

    Quer saber onde encontro esse risco? São três os dispositivos, porém um é o mais amedrontador deles, o § 6.º do art. 1003 do CPC-15. O dispositivo está assim redigido:

    “Art. 1.003. O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da decisão.

    (...)

    § 6º O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso.”

    Trata-se da positivação legal de posicionamento pacífico na jurisprudência do STJ [2], porém com maior extensão. Pela dicção da lei, sempre se quisermos contar o prazo recursal em dias úteis e houver um feriado local, devemos comprovar a existência do feriado no ato da interposição do recurso. Quem deixar de provar no ato da interposição do recurso a existência do feriado local poderá vê-lo não conhecido, por intempestividade. Talvez meu leitor pergunte: mas esse vício não pode ser sanado? Claro que sim, respondo eu, mas quem cria jurisprudência defensiva talvez adore a expressão “no ato da interposição” e pense ao contrário de mim. Ao menos é como julgava o STJ ao interpretar a mesmíssima expressão no art. 511 do Código de Processo Civil de 1973 (“CPC-73”), nada se sensibilizando diante de preparo pago dentro do prazo cuja a respectiva guia veio autos após o prazo [3]. Já me imagino lendo julgados dizendo ser o § 6.º do art. 1.003 do CPC-15 norma específica, portanto prevalente sobre a regra geral da ampla correção dos vícios processuais.

    Preocupado, caro leitor? Pode piorar... Imagine se começam a usar o comando acima como regra de cumprimento de qualquer prazo processual... Portanto, aquele prazo de defesa calculado em dias úteis poderá levar à revelia se um feriado local não for provado no ato do protocolo da contestação. Evidentemente que ao intérprete jamais cabe aplicar extensivamente norma de exceção (e o § 6.º do art. 1.003 é, sem dúvida, uma regra excepcional), mas estamos falando de jurisprudência defensiva, e não de técnica processual. Ao me dar conta desse risco, já adiei calcular prazos em dobro em 2016. Mas o problema se avoluma.

    Com relação a esse ponto há um sinal de esperança. No Fórum Permanente de Processualistas Civil (FPPC), ocorrido em Curitiba entre os dias 23 e 25 de outubro de 2015, foi aprovado enunciado permitindo a demonstração posterior da tempestividade recursal. Eis seu teor cujo conteúdo endosso:

    “551. (art. 932, parágrafo único; art. 6º; art. 10; art. 1.003, § 6º) Cabe ao relator, antes de não conhecer do recurso por intempestividade, conceder o prazo de cinco dias úteis para que o recorrente prove qualquer causa de prorrogação, suspensão ou interrupção do prazo recursal a justificar a tempestividade do recurso. (Grupo: Recursos (menos os repetitivos) e reclamação)”

    O segundo dispositivo aberto à criatividade da jurisprudência defensiva é o parágrafo único do próprio art. 219, cuja redação é a seguinte:

    “Art. 219: (...)

    Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais.”

    Hoje vejo colegas familiarizados com a dicotomia existente entre prazos processuais e prazos materiais. Normalmente usam o exemplo do cumprimento da sentença como um típico prazo material e explicam: cliente meu conta prazo de pagamento em dias corridos. Perfeito, exatamente como ocorre com os prazos de pagamento na monitória (art. 701) ou na execução do título extrajudicial (art. 827, § 1.º), para aqui só tratar da obrigação de pagar.

    A distinção entre prazos processual e material pode parecer fácil, porém darei cinco exemplos mais delicados ao meu atento leitor: a) prazo para impetrar mandado de segurança; b) prazo para aditamento da inicial após decisão sobre a tutela antecipada (art. 303, § 1.º I); c) prazo para propositura do pedido principal após concessão da tutela cautelar (art. 308); d) prazo de contestação em possessória quando exercido o caráter dúplice (art. 556 c/c 564); e) prazo de propositura dos embargos de terceiro (art. 675). Tente afirmar, com absoluta certeza, quais desses são prazos materiais e quais são processuais.

    O terceiro dispositivo capaz de servir de ingrediente para a jurisprudência defensiva está no próprio caput do art. 219 do CPC-15: somente na contagem dos prazos em dias o cômputo será feito pelos dias úteis. Devem ser contados em dias corridos os prazos em anos, p. ex. o de suspensão do processo (art. 313, § 4.º), extinção do processo parado por negligência (art. 485, II), perda do direito de intimar o cumprimento de sentença na pessoa do advogado (art. 513 § 4.º) e declaração da herança vacante (art. 743).

    Duas últimas curiosidades sobre essa limitação legal de apenas se contar em dias úteis o prazo fixado em dias. O art. 222 permite a prorrogação do prazo em comarca de difícil transporte, “por até 2 (dois) meses". Daí, se, por exemplo, o prazo prorrogado era o de apelação, seu cômputo inicial seria em dias úteis (fixado em dias, art. 1.003, § 3.º), mas o prorrogado deve ser calculado em dias corridos. No chamamento ao processo, o prazo para promover a citação do chamado (art. 131) é fixado em dias (30), ou seja, conta-se em dias úteis, mas se o litisconsorte residir fora da comarca o prazo é em meses (2), portanto conta-se o prazo em dias corridos.

    Quando a regra processual possui muitas exceções o advogado de contencioso desconfia. Sou absolutamente contra qualquer jurisprudência defensiva, em particular aquela que prejudique a parte por interpretações legais capciosas de um ordenamento processual com meses de vigência. O correto será interpretar a regra do cômputo em dias úteis sempre em prol da tempestividade, do conhecimento da matéria de fundo, permitindo a análise do direito discutido no processo. Ainda assim o momento recomenda cautela. Por isso, quando minha esposa perguntar porque vou trabalhar no próximo feriado, já que o CPC-15 me libertou (ela é uma arquiteta que entende bem o novo código), eu responderei, quase cantarolando..."Ainda é cedo amor, mal começastes a conhecer a vida"...

    André Gustavo Salvador Kauffman é Advogado em São Paulo e no Rio de Janeiro. Professor e autor de artigos jurídicos. Membro efetivo do IBDP. Sócio do K.A Advogados (www.kaadvogados.com.br)
    REFERÊNCIAS 1 KAUFFMAN, André Gustavo Salvador. A procuração outorgada ao advogado subscritor das contra-razões dos recursos extraordinário e especial como peça obrigatória para a formação do agravo do art. 544 do CPC. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 160, jun./2008, v. 33, p. 269 2 PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. TEMPESTIVIDADE DE RECURSO. FERIADO LOCAL. AUSÊNCIA DE DOCUMENTO IDÔNEO À COMPROVAÇÃO DA SUSPENSÃO DO PRAZO. 1. A Corte Especial, em 19/02/2012, no julgamento do AgRg no AREsp 1.371.41/SE, firmou orientação segundo a qual" a comprovação da tempestividade do recurso especial, em decorrência de feriado local ou de suspensão de expediente forense no Tribunal de origem que implique prorrogação do termo final para sua interposição, pode ocorrer posteriormente, em sede de agravo regimental ". 2. A parte recorrente deve comprovar a existência do feriado ou o ato de suspensão por meio de documentação idônea, não servindo a essa finalidade mera menção no corpo da petição a respeito da existência de legislação ou ato normativo. (...). (STJ, AgRg no AREsp 793.438/BA, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/03/2016, DJe 30/03/2016) 3 Por todos: “Conforme disposto no art. 511 do CPC, é obrigação da parte comprovar o preparo no ato da interposição do recurso, não sendo permitida a juntada posterior da guia de recolhimento. Precedentes.” (STJ. AgRg no AREsp 795.985/MG, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 16/02/2016, DJe 19/02/2016)
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