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26 de Abril de 2024

Moro das lamentações: a tragédia do juiz que pensava ser um deus

Publicado por Justificando
há 8 anos

Feche os olhos e imagine por um instante que você detém os poderes de uma divindade. Você narra a partir de um ponto de vista privilegiado, que consegue discernir com clareza incomparável a complexidade da realidade e sua conexão com a normatividade. Suas decisões não fazem mais do que refletir os fatos de forma perfeita e acabada, sem qualquer nível de distorção: são simples meios de exteriorização de uma convicção que jamais conhece qualquer falibilidade. Essências são extraídas de coisas e pessoas com incomparável facilidade: realidade e alteridade se curvam diante de seu método de revelação da verdade.

Você é firme e obstinado em seu propósito. Enviado pelos céus e movido por energias extraídas do além, sempre mantém os olhos fixos no grande prêmio e jamais se desvia da trajetória inicialmente delineada. Para você, a magistratura é sacerdócio; uma profissão de fé conduzida pelo mais nobre dos propósitos: extirpar o mal do mundo, em nome do bem da sociedade.

Sua vida é cruzada. Seu ritual é uma prática continua de zelo pelo bem comum. Senhor de todas as certezas, lorde de todos os soldados, você faz do trabalho diário um empreendimento de enfrentamento constante contra o mal. Higienizar o país é seu destino e o triunfo, algo certo e inevitável. Palavra da salvação: toda honra e toda glória, agora e para sempre.

Você é objeto de louvor alheio. As pessoas ostentam seu nome em camisetas, adesivos e cartazes. Seu estandarte tremula de Norte a Sul do país: você é reconhecido como salvador e extrai energias de seus devotos. Obtém deles forças para intensificar ainda mais o combate contra o inimigo. Seu poder cresce a cada dia que passa. Ele faz de você uma divindade onipotente e, logo, capacitada para erradicar a maldade que aflora no mundo. Não é de se estranhar que você aprecie cada vez mais a atenção que lhe é dada. Opinião pública e opinião publicada parecem ter por você uma irrefreável paixão, absolutamente profunda e massivamente sedimentada. Você se sente tocado por ela e faz questão de manifestar seus sentimentos para todos que incansavelmente o bajulam. Nem por um instante sequer você considera que possa estar equivocado. Que alguém insinue que você atua como veículo para difusão de ódio é logicamente uma leviandade.

Mais do que um mero mortal, sua existência transcendeu o plano terreno: as regras aplicáveis aos demais não valem para você. Continuamente estimulado e jamais coibido, você saboreia a delícia do poder ilimitado que lhe é conferido. De fato, você acredita que um juiz pode voar: nem mesmo o céu é limite para a sua audácia. Sua vaidade atinge patamares gigantescos: nem mesmo a segurança de seus próprios devotos parece lhe importar. Você propositalmente desconsidera qualquer limite normativo ou ético que possa comprometer o fim que lhe é caro. Utiliza sem o menor pudor os meios que lhe são conferidos para divulgar a irrecusável verdade de sua palavra. Caso venham a ocorrer, danos colaterais não serão nada mais do que perdas aceitáveis para a consecução da meta perseguida. Sua onisciência não permite qualquer vazio. O interesse público lhe é transparente: não pode ser nada além de um reflexo de sua própria vontade, que, ao final, subjugou completamente a realidade.

E assim seria, se ele, o limite, não promovesse uma alucinada reviravolta no roteiro previamente estabelecido por sua santidade. De forma inesperada, uma vertigem democrática surge no horizonte para usurpar o frágil solo moral no qual assentava sua autoridade, destruída como castelo de cartas por um relâmpago de legalidade.

Sua onipotência não era mais que delírio e devaneio. Complexo de grandeza e abuso de autoridade. Possível prática de crime e flagrante ilegalidade. O destino parece ter lhe pregado uma terrível peça: suas razões não são mais do que pálidos reflexos de uma contaminada subjetividade. Vitimada pela própria arrogância, cai por terra a insustentável identificação com o bem da sociedade. Tragédia até então impensável. Quem dizia que falava por todos falava por si mesmo: refém da própria e indevidamente atribuída discricionariedade.

Resta o lamento dramático e a entrega narrativa da própria dignidade, corroída pelo esforço impossível de legitimar uma indefensável ilegalidade. Esgotada sua serventia, desvelada a humanidade, resta a você o papel de cordeiro: passível de ser sacrificado no altar do próprio autoritarismo, ainda que mostre incredulidade diante dessa possibilidade. Talvez a sorte seja generosa e você apenas caia na obscuridade. Lamento de um Moro, Moro das lamentações. Equivocado até o final, ainda lhe escapa a ideia de impessoalidade. A Tragédia de um Moro é a morte metafórica de uma pseudodivindade. Que ela descanse em paz. A democracia agradece.

Salah H. Khaled Jr. é Doutor e mestre em Ciências Criminais (PUCRS), mestre em História (UFRGS). Professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Escritor de obras jurídicas. Autor de A Busca da Verdade no Processo Penal: Para Além da Ambição Inquisitorial, editora Atlas, 2013 e Ordem e Progresso: a Invenção do Brasil e a Gênese do Autoritarismo Nosso de Cada Dia, editora Lumen Juris, 2014 e coordenador de Sistema Penal e Poder Punitivo: Estudos em Homenagem ao Prof. Aury Lopes Jr., Empório do Direito, 2015.
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23 Comentários

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O tal professor errou na pessoa ... quem se acha um Deus é o Lula ... inclusive é idolatrado como tal.

Foi ele quem chamou a Suprema Corte de covarde ... quem xingou políticos por não se unirem em torno de um objetivo em comum: anular a Lava Jato. E o mais cômico ... dá-se a Corte o título de idônea, de melhor que a pessoa de Moro ... com 8 ministros do PT, incluindo seu ex-advogado, além de outros nomeados por políticos que apoiam o governo. Moro não foi nomeado por político ... isso deve doer muito aos seus críticos.

Lula foi quem pensou que se esconderia por trás da prerrogativa funcional do foro privilegiado assumindo cargo de ministro como fuga nítida da Justiça de primeira instância que a cada dia descobre mais e mais podres a ponto de já atingirem a morte de Celso Daniel ... se não fosse uma profanação diria que o céu é o limite para estes bandidos.

Um grupo que paga para pessoas os defenderem e se autointitulam os donos soberanos do poder conferido pelo povo. [http://política.estadao.com.br/noticias/geral,sindicato-de-sc-prometer300amanifestantes,10000024214]. Que oferecem shows para seduzir os pobres, enquanto artistas (muitos amantes das verbas do Minc) pregam discursos ilusórios se valendo de sua imagem pública ... os mesmos que são pagos para aparecer nas propagandas eleitorais. Que usam uma massa de miseráveis com ameças de corte de bolsa família ... ironia do destino, vejam quem só: http://noticias.r7.com/brasil/ricardo-barros-do-pp-deve-assumir-ministerio-da-saude-01042016

Tudo em nome do apoio político ... e falam em golpe ... enquanto rateiam cargos públicos e oferecem bilhões para emendas parlamentares em detrimento dos cortes na educação. Que contraste ... que triste conquista social.

Políticos amputam as ferramentas da Justiça e do MP para condená-los uma vez que legislam em causa própria e muito pregam um julgador engessado a letra seca das leis, enquanto um Executivo edita indultos para libertar importantes cabeças do Mensalão, condenadas e julgadas pelo STF.

Vê-se um ex-advogado seu manifestando sua intensão de voto antecipara na Corte Superior para estudantes quando não sabia que estava sendo filmado e transmitida sua fala ... e agora Barroso, nem podes alegar grampo ilegal !!!

Moro é um homem, que junto com o MP e a PF, vem desafiando os mais ricos e poderosos do país. Um juiz que enfrenta riscos que fariam 90% da magistratura fugir a responsabilidade. Onde antes neste país se imaginaria um Odebrecht atrás das grades?

Quantos políticos neste país cometem crimes de mando e se perpetuam no Legislativo Estadual e Federal para usar a im (p) unidade processual como escudo e ter seus processos engavetados?

Antes mil homens iguais ao Moro do que um único igual a qualquer um da corja que faz do Erário seu caixa rápido e das leis seu joguinho de "seu rei mandou dizer".

Engraçado que ninguém critica a atuação para além da prerrogativa profissional dos advogados dos envolvidos, como a participação no registro de bens com o propósito de ocultar patrimônio ou prestar assessoria jurídica sobre como driblar as leis e facilitar a prática de crimes.

Talvez ninguém esteja violando a "lei", mas ela seja em si uma violação ao direito aos princípios que um dia fizeram da nossa CF a Constituição cidadã, mas que hoje é utilizada apenas para subjugar a sociedade.

A democracia agradecerá quando os corruptos pararem atrás das grades ... apesar das lágrimas dos que do crime se alimentam. Ao professor que tenta desmerecer Moro, digo: de "o cara" a Pixuleco ... eis a trajetória do seu deus do Olimpo. continuar lendo

"Moro é um homem, que junto com o MP e a PF, vem desafiando os mais ricos e poderosos do país" pois é né? Faz-me rir. Esse palhaço togado só avançou até o ponto em que um único partido aparecia na cena. O que foi feito por Moro depois que seus patrões apareceram na lista da Odebrecht? Enquanto Lula precisava aparecer na opinião pública, sob alegação de que a opinião pública precisava ter conhecimento dos fatos, A lista da Odebrecht não foi divulgada. Moro declarou o retorno do sigilo porque entendeu ser precipitada qualquer conclusão, ora a gravação de Lula foi divulgada horas depois de ter sido feita. Dois pesos ... continuar lendo

Bla-bla-bla-bla...
Quanta diferença entre a sua raiva incontida e a poetica da resistencia. continuar lendo

Aos petistas só resta o desespero ... gostem ou não nuca se foi tão longe quanto a Lava Jato.

Se querem chorar outros partidos cobrem dos demais magistrados, ou só o Moro deve conduzir casos de corrupção no Brasil? continuar lendo

Nunca, em toda a historia do Pais, esquemas de corrupçao foram tao investigados quanto atualmente.

https://www.youtube.com/watch?v=YdOip6HIlIM continuar lendo

"Armpit lover"??? Amante de sovaco?!? Sério?!? continuar lendo

Leda Beck,

É um nick muito utilizado mundo virtual afora pelos que não podem exprimir opiniões sem ser vítimas de perseguições ... coisa tipo humor inglês ;-)

Carla,

sempre houve corrupção no país, mas cada uma ao seu tempo e com seus personagens ... o que se chora hoje é como se o Moro tivesse que ter investigado Dom Pedro ... no Brasil há milhares de magistrados, só um tem que apurar todos os casos?

Mas naquele vídeo não aparece o Petrolão, lembre-se ... feito sob encomenda por esquerdista não vale ... querem idoneidade sem tê-la? continuar lendo

Excelente texto, define todo o modo de sentir daquele que se apresenta como uma divindade jurídica, distorcendo a aplicação do direito em todos os seus sentidos.
Parabéns Doutor. continuar lendo

"Vitimada pela própria arrogância, cai por terra a insustentável identificação com o bem da sociedade."

Não é isso o que a sociedade pensa, segundo pesquisas de opinião. Mas sempre se pode tentar falar pela sociedade, mesmo sem legitimidade.... continuar lendo

...mais um pestista desvairado que se nega a enchergar a realidade dos fatos e tenta defender o indefensável desqualificando quem realmente quer fazer justiça colocando atrás das grades os usurpadores da nação.... continuar lendo

Enxergar é com X, meu filho. Com X. continuar lendo