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26 de Abril de 2024
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    Uma análise das sete teses do pedido de impeachment da OAB

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    Em um cenário político conturbado, como esse em que nos encontramos, está se mostrando cada vez mais difícil debater algum tópico relevante de maneira fundamentada. Ânimos acirrados não produzem boas discussões.

    A sociedade está disputando uma partida, na mais clara demonstração que o espírito cívico-político brasileiro foi adaptado diretamente do mundo futebolístico. Cada segmento tem seus próprios ídolos e palavras de ordem. O inimigo, fácil de distinguir. Em um maniqueísmo barato, ele usa sempre a cor do time adversário: vermelho contra verde-amarelo em campeonato interminável no qual há somente perdedores.

    Especialmente para os juristas a situação está complicada. Muitos estão deixando de lado a Constituição da República e as leis para discutir com base no senso comum e na opinião midiática (que quase sempre se confundem).

    Diuturnamente, ocorrem violações de prerrogativas de advogados, divulgações ilegais de interceptações telefônicas, prisões provisórias para forçar colaborações premiadas. Ilegalidades das mais diversas nuances estão passando de maneira quase despercebida pelo público jurídico. Tudo em nome de um “bem maior”. Mas quem que está definindo essa vontade coletiva?

    Infelizmente, não estamos travando o bom combate. O combate das ideias, das práticas proveitosas, com a proposição de saídas para a crise.

    Nesse contexto, algo realmente importante saiu de cena na discussão pública: o sistema jurídico brasileiro, o último guardião antes da barbárie.

    O movimento pelo impeachment, que está se articulando na sociedade desde o 1º de janeiro de 2015, precisava colocar “as cartas à mesa” e apresentar algo de concreto além das indecifráveis manifestações contrárias à corrupção (afinal, quem, além do corrupto e do corruptor, é favorável à corrupção?).

    Com o recebimento do apoio no dia 28 de março de uma entidade com credibilidade histórica como a OAB, concordemos ou não com o mérito, abriu-se a possibilidade de um debate sério sobre o procedimento que pode levar ao grave acontecimento que é o impedimento de uma mandatária que foi alçada ao poder por 54 milhões de votos dois anos atrás.

    De início, para uma disputa honesta, cabe deixar claro minha posição sobre o assunto: entendo a revolta de grande parcela da população com a pequena política realizada no país, mas não concordo com o impedimento. O impeachment não é instrumento para retirar um governo impopular. O impeachment serve como sanção para o cometimento de um crime de responsabilidade, nos termos da Constituição. Como não há fato que possa ensejar esse crime, pelo menos até o presente momento, não há que se falar em impeachment. O meio para afastar um governo impopular, nesse caso, deveria ser outro: o voto que confere a legitimidade popular para o governante. Em 2018 e não antes. Obedecendo assim a Democracia vigente no país.

    Pois bem.

    O Presidente da OAB afirmou em entrevista que a decisão se deu a partir de uma ampla consulta com as seccionais em todo o país[1]. Segundo consta no pedido, o Plenário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil deliberou por 26 votos a 2 dois pelo pedido de instauração de processo de impeachment. Para uma decisão dessa relevância, com graves repercussões sociais, acredito que não houve uma discussão suficientemente aprofundada com os milhares de advogados brasileiros.

    Entretanto, entendo que esse é o ônus de um sistema de Democracia representativa. Não penso agora em tentar impugnar os representantes por não concordar com eles, achando algum motivo qualquer para a cassação de seus mandatos. Esse não é o instrumento adequado. O voto na próxima eleição dos Conselheiros Federais da OAB deverá ser o mecanismo para mudar os representantes que atuaram, na minha visão, de maneira contrária aos objetivos da Ordem dos Advogados.

    A OAB, de acordo com o artigo 44, I, da lei 8.906/94, tem por finalidade defender a Constituição e a ordem jurídica do Estado democrático de direito, além de pugnar pela boa aplicação das leis e pelo aperfeiçoamento das instituições jurídicas. Acredito que essas finalidades foram distorcidas no pedido apresentado. Na apuração de crimes de responsabilidade é preciso afastar as paixões e analisar de maneira objetiva a Constituição e a lei 1.079/50.

    Impotente, então, para mudar o posicionamento da Ordem, uma vez que já é fato consumado, pretendo apresentar aqui breves comentários sobre as sete teses principais da Denúncia por Crime de Responsabilidade. Não tenho a pretensão de esgotar todos os temas abordados na petição, mas apenas contribuir para o debate jurídico.

    Primeira tese – Impeachment não é golpe

    A petição inicia tentando rechaçar a alegação de que o pedido de impeachment é golpe. Para isso, utiliza-se dos argumentos de que o processo é regulado pela Constituição e de que outros presidentes sofreram pedidos semelhantes, ainda que apenas um tenha atingido seu objetivo final.

    É claro que a alusão ao impeachment como “instrumento golpista” não se deve a uma falta de previsão legal ou constitucional do procedimento. O argumento do golpe se encontra quando forças políticas (e aqui podem se enquadrar outras além dos atores políticos tradicionais) tentam, por vias distintas da votação popular, tirar um mandatário legitimamente eleito. Um impeachment sem um ato que realmente configure crime de responsabilidade é uma atitude contrária aos procedimentos democráticos.

    Nós, latino-americanos, já tivemos recentemente algumas experiências nesse sentido. Em Honduras no ano de 2009 (Manuel Zelaya) e em 2012 no Paraguai (Fernando Lugo). Eles sofreram o que se consignou chamar de “golpe branco”, ou seja, a deposição ilegal do mandatário soberano sob as vestes de um procedimento jurídico legítimo. Nos dois casos a comunidade internacional ofereceu reprimendas.

    É importante ressaltar que, em recente entrevista[2], a Chanceler argentina Susana Malcorra não descartou a possibilidade de aplicar a cláusula democrática do Mercosul (Protocolo de Montevidéu sobre Compromisso com a Democracia no MERCOSUL) caso verificada a quebra de institucionalidade brasileira, mais especificamente, o impeachment sem um fato que possa ser configurado como crime de responsabilidade.

    Portanto, o impeachment não é golpe, mas pode ser.

    Segunda tese – Mandato do Presidente reeleito é uma continuação do exercício do poder

    A OAB afirma que havendo reeleição, não há interrupção do mandato. Assim, entendem que é irrelevante o hipotético fato gerador do impeachment ter ocorrido no primeiro ou no subsequente mandato.

    Penso que essa é uma leitura equivocada do processo constitucional de eleição do Poder Executivo. O artigo 82 da Constituição da República começa por deixar claro que o mandato do Presidente dura quatro anos apenas. Nova eleição significa novo mandato.

    No artigo 78 está previsto que o Presidente e o Vice-Presidente tomarão a posse após prestar o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição. Caso o primeiro e o segundo mandato se confundissem, qual seria o motivo de prestar novo compromisso? Resta patente que cada mandato é distinto do outro.

    Por fim, o artigo 86, § 4º, trata de forma expressa que o Presidente na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções. Como o mandato anterior não se confunde com o atual, é possível afirmar que a responsabilização só poderia ocorrer com base em fatos ocorridos durante o mandato que se pretende cassar.

    Os fatos ocorridos em mandato anterior não podem ensejar um crime de responsabilidade no novo mandato, haja vista já ter ocorrido a preclusão temporal de sua responsabilização.

    Terceira tese – Parecer do Tribunal de Contas da União apontando as “Pedaladas Fiscais” e sua configuração como crime de responsabilidade

    Como ficou demonstrado anteriormente, apenas fatos ocorridos no mandato atual poderiam ensejar responsabilização. Ou seja, de 2015 em diante.

    Assim passamos a análise da terceira tese. Nesse ponto, há algumas convergências de posicionamento com a OAB. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados afirma que o que fundamenta o pedido não é a hipotética reprovação de contas pelo Congresso Nacional, mas a eventual inobservância de postulados concernentes à responsabilidade fiscal, à lei orçamentária e à higidez das finanças públicas. Até esse ponto é possível concordar.

    Faltou a OAB dizer que uma eventual chancela pelo Congresso Nacional das contas, afastaria, logicamente, o cometimento de irregularidades apontadas. Como que o Congresso poderia considerar crime de responsabilidade algo que ele mesmo considerou legal por maioria de votos em plenário?

    E foi exatamente o ocorrido, no dia 2 de dezembro de 2015, com a aprovação da lei 13.199/15 que trata da revisão da meta fiscal de 2015[3]. A alteração da meta fiscal obteve 314 votos favoráveis entre os deputados e 99 foram contrários. Entre os senadores, foram 46 votos a favoráveis e 16 contrários.

    Com essa revisão, o governo foi autorizado pelo Congresso Nacional, a fechar o ano de 2015 com déficit primário de até R$ 119.9 bilhões[4]. Ainda recebeu a autorização para reduzir a meta do resultado primário em caso de pagamento das chamadas “pedaladas fiscais”, passivos e valores devidos pelo Tesouro Nacional ao FGTS, BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Dívidas que foram pagas na última semana de 2015 de maneira regular[5].

    O poder que detém, entre outras competências exclusivas, a de julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente (art. 49, IX), não pode aqui ser acusado de incompetente ou ingênuo para fazer uma análise de lei orçamentária e alterá-la.

    A Ordem dos Advogados afirma que houve ofensa ao artigo 10, 4 (infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária), artigo 10, 6 (ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal) e artigo 10, 12 (realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei) da lei 1.079/50. Com o pagamento dessas pendências se encerraram quaisquer dúvidas que poderiam persistir sobre eventual cometimento de crime de responsabilidade por infração à lei orçamentária.

    Quarta tese – Ofensa à Lei de Responsabilidade Fiscal como geradora de Crime de Responsabilidade

    A tese de que ofensas à Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/00) podem ensejar crime de responsabilidade é utilizada durante grande porção da peça apresentada pela OAB. Mas ela parte de uma premissa falsa.

    A Constituição da República é expressa em seu artigo 85, parágrafo único: “esses crimes [de responsabilidade] serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento”. Essa lei especial é a lei 1.079/50. Somente ela pode tratar de crimes de responsabilidade.

    Não estamos aqui menosprezando a importância da Lei de Responsabilidade Fiscal. Eventuais atos cometidos contrários à LRF devem ser apurados e, se comprovados, sancionados. Mas não podemos fazer um juízo sancionador ampliativo, concedendo a eventuais ilícitos da lei de responsabilidade fiscal o mesmo status que a Constituição concede ao artigo 85, VI (ofensa à lei orçamentária) e as hipóteses dos artigos 10 e 11 da lei 1.079/50. Atos contrários à LRF não ensejam em crime de responsabilidade.

    Quinta tese – Competência privativa do Presidente constitui comprovação do cometimento de Crime de Responsabilidade

    Esse tópico é bem curioso. Transcrevo diretamente da peça:

    Já no que tange ao comportamento omissivo ou comissivo da Presidente da República, despiciendo aferir se houve ou não proveito, locupletamento ou se a sua conduta seria reveladora de improbidade. Caso houvesse a necessidade de perquirir tais aspectos neste ponto específico, a fundamentação do pedido de impedimento seria outra que não aquela inserta no art. 85, VI (que trata de ofensa à lei orçamentária), da Constituição Federal. Assim, o comportamento comissivo e omissivo da Presidente da República está devidamente demonstrado diante da simples leitura do texto constitucional, que dispõe em seu art. 84, incisos VI e XXIII, sobre a sua competência privativa para expedir decretos (a exemplo do que o fez com a edição do Decreto n. 8.535/2015, que conteve a prática das “pedaladas fiscais”) e enviar ao Congresso Nacional projetos de lei que tratem da lei orçamentária, da lei de diretrizes orçamentárias e do plano plurianual.”[6]

    A argumentação nesse ponto deixa muito a desejar. Sobram apenas dúvidas.

    O comportamento que ensejou o suposto crime de responsabilidade é omissivo ou comissivo? A competência do Congresso Nacional de sustar decretos que exorbitem do poder regulamentar (art. 49, V, CR) não seria medida suficiente para enfrentar a suposta ilegalidade dos decretos? O Congresso Nacional não pode mais alterar projetos de lei sobre matéria orçamentária?

    Sexta tese – Renúncias fiscais concedidas à FIFA para a realização da Copa do Mundo de 2014

    Esse tópico já foi rebatido quase integralmente nos pontos anteriores. Não só a OAB alega fatos de 2014 para ensejar crime de impedimento, como alega também ofensas à Lei de Responsabilidade Fiscal .
    Segundo o artigo 29 da Lei 12.350/10, o prazo para o Poder Executivo encaminhar ao Congresso a prestação de contas sobre a Copa do Mundo ainda não se esgotou. Como seria possível apurar supostas ilegalidades na renúncia fiscal total sem todas as informações da devida prestação de contas?

    Ainda que se aceite o argumento de que a lei está, como afirma a OAB, contrária à Constituição (art. 163, I, e 165, § 2º, CR) seria o caso de tentar a declaração de sua inconstitucionalidade e não de responsabilizar o representante do Poder Executivo com medida tão drástica e descabida. Cabe o questionamento: estaria o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil sendo omisso na sua função de legitimado para propor o controle de constitucionalidade nesse caso?

    Sétima tese – Utilização de gravações de interceptações telefônicas para reforçar o pedido do impeachment

    Para concluir as anotações sobre as teses do pedido da OAB, esse último ponto é, infelizmente, contrário a tudo que a Ordem representa para o Brasil.

    Apesar de existir um destaque na peça afirmando que a utilização das gravações não serve de elemento de convencimento, o Conselho Federal faz exatamente o contrário, utilizando a divulgação inconstitucional e ilegal de áudios obtidos na 13ª Vara Federal de Curitiba para reforçar o pedido de impeachment, atacando assim de maneira frontal o ordenamento jurídico.

    Segundo o Ministro Teori Zavascki, na Medida Cautelar na Reclamação nº 23.457, a suspensão do sigilo das conversações telefônicas interceptadas que a OAB utiliza em seu pedido foi emitida por juízo reconhecidamente incompetente para a causa, que comprometeu o direito fundamental à garantia de sigilo dos envolvidos na interceptação e atuou de maneira ilegal, uma vez que foi contrária aos artigos 8º e 9º da Lei 9.269/96.

    A OAB fere assim, de maneira grave, o preceito do artigo , LVI, da Constituição. São inadmissíveis no processo provas obtidas por meios ilícitos. A OAB agiu de maneira, pelo menos nesse ponto, inconstitucional. Sejam quais forem os motivos para utilizar a prova obtida por meio ilícito, em um processo cível, criminal ou até mesmo em um processo de apuração de crime de responsabilidade, a Ordem dos Advogados não poderia ter atuado dessa maneira.

    O mais curioso é o seguinte: o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil cometeu um ato eivado de desvio de finalidade. Segundo o artigo , parágrafo único, ‘e’, da Lei 4.717/65, o desvio de finalidade se verifica quando o agente (no caso, o Presidente da Ordem) pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência. A finalidade como vimos anteriormente da OAB, expressa no artigo 44 da lei 8.906/94 é a de defender a Constituição.

    Ao utilizar uma prova obtida por uma divulgação ilegal para tentar iniciar um procedimento de impeachment, a OAB causou as mesmas práticas que jurou defender na peça. Fundamentalmente, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, devido a essa última tese, realizou um ato totalmente contrário à Constituição da República.

    André Sposito Mendes é mestrando em Direito Constitucional (PUC-SP)
    [1]http://www.oab.org.br/noticia/29423/oab-protocola-pedido-de-impeachment-da-presidente-da-republica. Acesso em 28 de março de 2016. [2]http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,suspensao-do-brasil-do-mercosul-em-caso-de-impeachment-pode-ser-estudada--diz-chanceler-argentina,10000022460. Acesso em 28 de março de 2016. [3]http://política.estadao.com.br/noticias/geral,congresso-aprova-alteracao-da-meta-fiscal-de-2015,10000003674. Acesso em 28 de março de 2016. [4]http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/12/02/congresso-aprova-mudanca-na-meta-fiscal-de-2015. Acesso em 28 de março de 2016. [5]http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/12/1724441-pagamentos-de-pedaladas-somamr724-bilhoes-em-2015.shtml. Acesso em 28 de março de 2016. [6]Página 22. Peça disponível em http://estaticog1.globo.com/2016/03/28/peticao-denuncia-versao-final.pdf. Acesso em 28 de março de 2016.
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