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26 de Abril de 2024
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    Execução provisória da pena: algumas notas críticas sobre a ponderação do imponderável

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    Equaciono aqui algumas reflexões sobre a (in) constitucionalidade da execução provisória da sentença condenatória em solo brasileiro. Busco apenas estimular o debate, ciente de que em uma sociedade democrática deve valer a autoridade dos argumentos muito mais do que qualquer argumento de autoridade.

    Deixo em epochè, por ora, a reflexão mais densa sobre a mútua afetação entre as visões de mundo – i.e., os ideais de vida boa diluídos no âmbito da sociedade aberta de intérpretes – e as leituras e releituras sobre o conteúdo da Constituição. O fato é que a interpretação das fontes normativas depende de uma tomada de posição a respeito do que seja a justiça, uma tomada de posição também sobre a relação entre sujeito e comunidade, sobre os escopos reconhecidos ao Direito Penal, sobre a justificação da pena e assim por diante.

    Ao que releva, promoverei aqui algumas considerações sobre a teoria da proporcionalidade, por vezes invocada como justificativa para a flexibilização da regra constitucional do art. , LVII, CF. Na sequência, esboçarei breve panorama normativo sobre a prisão preventiva em solo brasileiro. No último tópico, seguem as conclusões.

    Algumas considerações sobre a teoria da proporcionalidade

    A teoria da proporcionalidade adquiriu significativa projeção no Brasil das últimas décadas. Cuida-se de uma manifestação do chamado Neoconstitucionalismo – ou, se preferirem, Constitucionalismo contemporâneo -, dada crise do positivismo jurídico, enquanto metateoria jurídica.

    Para Paulo G. Bonet Branco, p.ex., o assim chamado Neoconstitucionalismo “reclama uma nova teoria do direito, assim resumida: mais princípios do que regras, mais ponderação do que subsunção, onipresença da Constituição em todas as áreas jurídicas e em todos os conflitos relevantes, onipotência judicial, coexistência de uma constelação de valores plurais, às vezes tendencialmente contraditórios, em lugar da homogeneidade ideológica.” [1]

    Essa concepção não pode ser totalmente aceita.

    Não se pode jogar a criança com a água suja da bacia. Conquanto haja efetivos conflitos normativos no âmago de uma Constituição analítica e compromissória como é a brasileira, também é fato que disso não se segue que todas as suas opções possam ser submetidas à constante relativização, o tempo todo, por parte dos juízes... A vingar solução contrária, a jurisdição constitucional acabará por se converter em um arremedo de Assembleia Constituinte permanente, o que evidentemente não se pode admitir.

    Em densa obra, Carlos Bernal Pulido promoveu uma detalhada análise do mencionado ‘princípio da proporcionalidade’ [2] - sendo sabido que há quem prefira falar em ‘postulado da proporcionalidade’, dado que a própria necessidade de ponderação não poderia ser ponderada. Cuida-se de um daqueles conhecidos problemas inerentes à autorreferência, fonte de inúmeros paradoxos

    Como explicita Bernal Pulido, a solução de tais conflitos normativos, versando sobre normas veiculadas na mesma Constituição, demandaria a aplicação de um conjunto de critérios:

    1. Segundo o subprincípio da idoneidade, toda intervenção nos direitos fundamentais deve ser adequada para contribuir para a obtenção de um fim constitucionalmente legítimo.

    2. Conforme o subprincípio de necessidade, toda medida de intervenção nos direitos fundamentais deve se a mais benigna com o direito no qual se interveio, dentre todas aquelas que revistam da mesma idoneidade para contribuir para alcançar o fim proposto.

    3. No fim, conforme o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, a importância dos objetivos perseguidos por toda intervenção nos direitos fundamentais deve guardar uma adequada relação com o significado do direito intervindo. Em outros termos, as vantagens que se obtém mediante a intervenção no direito devem compensar os sacrifícios que esta implica para seus titulares e para a sociedade em geral. [3]

    Em que pese tenha adquirido maior projeção em tempos recentes, é fato que a dita proporcionalidade é uma categoria já bastante antiga, eis que há muito ela tem sido invocada no âmbito das matemáticas, da filosofia moral e assim por diante. No que toca ao Direito Constitucional, ela correspondeu, no nascedouro da modernidade, à noção singela de que o Estado deve ser limitado em razão dos motivos que justificariam sua existência.

    Na origem do discurso constitucionalista já estava presente a necessidade de contenção do poder e, tanto por isso, a necessidade de um juízo de adequação do exercício da violência exercida em nome da comunidade política. [4] De certo modo, a vedação de excessos já havia sido teorizada por Cesare Beccaria, ao expor os motivos da sua oposição à pena de morte.

    Como diz Bernal Pulido, “O princípio da proporcionalidade cumpre a função de estruturar o procedimento interpretativo para a determinação do conteúdo dos direitos fundamentais que resulta vinculante para o legislador e para a fundamentação de dito conteúdo nas decisões de controle de constitucionalidade das leis.” [5] Ele funcionaria como um critério de interpretação de fontes normativas.

    Para Robert Alexy [6], os direitos fundamentais consubstanciariam um feixe de posições [7] e normas jurídicas, vinculadas a uma disposição/preceito de direito fundamental (enunciados da Constituição que tipificam direitos fundamentais). Cuida-se de uma concepção semântica das normas.

    Em sociedades altamente complexas e com inúmeros conflitos manifestos e latentes – como é o caso da sociedade brasileira -, o controle de constitucionalidade das normas ganha uma dimensão ainda mais significativa. Não raras vezes, incorre-se em antagonismos entre pretensões jurídicas, ambas aparentemente guarnecidas por normas de direitos fundamentais.

    No Estado Constitucional de que fala Peter Häberle [8], os legisladores estão obrigados pela Lei Fundamental: nem toda lei será válida. Esse é um truísmo que ainda deve ser relembrado. Diante de uma Constituição rígida ou semirrígida, deve-se controlar a ‘legalidade’ das próprias leis promulgadas.

    Claro que isso coloca em causa a própria legitimidade das interdições de revisão constitucional – i.e., legitimidade das cláusulas pétreas -, e correspondente guardiania exercida pela jurisdição suprema. Mas isso é tema para outro dia.

    Por ora, convém apenas mencionar que é fato que a alegoria do “Ulisses acorrentado” – utilizada inicialmente por Jon Elster [9] - não assegura que as amarras realmente tenham sido concebidas em momento de lucidez histórica... Por sinal, esse foi o problema que afligiu Otto Bachof, ao se deparar com constituições veiculando normas racistas e xenófobas. [10]

    Abstraindo essa questão mais densa, deve-se ter em conta que, quando menos, essa crença/aposta na racionalidade das Constituições deve funcionar como uma utopia útil, a exercer o papel de ‘estrela guia’, como fala Paulo Ferreira da Cunha em obra invulgar. [11]

    No caso brasileiro, isso é ainda mais significativo. Entre nós, o problema não é tanto de legitimidade do discurso constitucional, eis que as cláusulas de eternidade do art. 60, § 4º, CF/1988, são orientadas à emancipação humana! O nosso problema tem sido, há muito, muito mais o de efetividade desse mesmo discurso constitucional, dadas as muitas promessas ainda não cumpridas.

    Nesse rastro, é relevante atentar para a diferença entre a fundamentação interna e a fundamentação externa do discurso jurídico, de que fala Jan Wróblewski. Grosso modo, a fundamentação interna implica o trânsito da premissa (a norma de direito fundamental) para as suas consequências. [12]

    Isso significa que a dita justificação interna demanda o exame de questões alusivas à lógica - ou seja, o respeito aos cânones aristotélicos da identidade, não contradição e terceiro excluído. Situação muito mais delicada surge, não obstante, no que toca à fundamentação externa.

    Nesse âmbito, trata-se justamente da indicação das premissas do raciocínio jurídico. E é sabido que a inferência lógica não consegue provar a validade da premissa do discurso, limitando-se a demonstrar a coerência entre conclusão e o axioma dado.

    O problema maior está em saber exatamente o que a Constituição permite, ordena ou faculta. Para tanto, há necessidade de tomada de posição a respeito do conteúdo do texto – o que é algo intrincado dado que coloca em causa a mútua afetação entre obra e intérprete.

    Limito-me, no presente ensaio, a dizer que se cuida de uma espécie de epifenômeno razoavelmente complexo, eis que ele implica certa correlação entre o caráter objetivo da linguagem – enquanto algo que exerce certa coação estrutural sobre os falantes -, e também alguma margem de interpretação, inerente ao fato de que a linguagem é polissêmica, dependendo dos usos que dela fazem os falantes (e usos há vários!).

    O problema todo é justamente a forma como se dá essa construção, reconhecimento ou a obtenção da norma primária (i.e., premissas), não raras vezes indicada nas sentenças de uma forma meramente implícita ou sem maior fundamentação.

    O fato é que a teoria da proporcionalidade – aqui compreendida como uma construção estrutural/formal – foi desenvolvida com o afã de permitir maior transparência e controle da qualidade da fundamentação das decisões. [13]

    Esse problema todo surge pela constatação inexorável de que, sendo vazada em linguagem – como não poderia mesmo deixar de ser! – as Constituições veiculam cláusulas ambíguas, veiculam textos indeterminados e expressões vagas. Mesmo quando há frases com maior densidade semântica, isso não impede que surja a aparência de contradição com inúmeras outras disposições, veiculadas todas na mesma Lei Maior e dotadas da mesma pretensão de efetividade.

    Sem dúvida que “A indeterminação não é, contudo, uma propriedade exclusiva destas disposições, senão um fenômeno generalizado da linguagem, que afeta todo tipo de enunciados. A indeterminação se apresenta cada vez que um enunciado não deixa explícito de forma exaustiva o conjunto dos seus significados e, portanto, gera uma incerteza sobre se um ou vários significados específicos podem ser-lhe atribuídos.” [14]

    Há distintas ordens de indeterminação: indeterminação semântica (ambiguidades, vagueza, redundância); valorativa (o texto emprega expressões como ‘bom’, ‘mau’, ‘justo’, ‘devido processo’ etc.); sintática (ausência de pontuação adequada, com o uso de inúmeros adjetivos, sem que se consiga delimitar exatamente com o substantivo por eles qualificados); estrutural (um dispositivo veicula, aparentemente, distintas normas, suscetíveis de serem satisfeitas de modo diverso, como ocorre com normas programáticas). Por fim, também há indeterminação pragmática, o que ocorre quando não fica totalmente claro se determinado texto veicularia ordem, pedido, asserção etc. Sabe-se bem que Constituições não são cartas de recomendação, mas notem que a questão ganha maior relexo quanto à eficácia atribuída ao preâmbulo e aos ADCTs.

    Essa indeterminação da linguagem - o que a torna útil e possível, por sinal - acaba por impedir, não raras vezes, que o intérprete conheça o seu conteúdo a priori, antes de uma necessária fundamentação. “De maneira categórica pode-se asseverar que, desde este ponto de vista, felizmente não muito relevante na prática, todas as disposições de direito fundamental da Constituição são indeterminadas.” [15]

    Segundo Pulido, “Cada disposição de direito fundamental estatui diretamente uma só norma. O nexo entre uma disposição e sua norma diretamente estatuída é, por assim dizê-lo, de tradução automática. Aquilo que as disposições expressam, se traduz automaticamente naquilo que as normas diretamente estatuídas ordenam.” [16]

    Essas normas apenas raramente seriam empregadas como premissa maior, na fundamentação jurídica (fundamentação interna) do controle da constitucionalidade das leis. E isso por conta do seu elevado grau de abstração e generalidade. “A tradução automática das disposições de direito fundamental em normas diretamente instituídas não costuma ser problemática, nem costuma dar lugar a grandes controvérsias, mas tampouco constitui um avanço notório no processo de interpretação.” [17]

    Essas normas derivadas são instituídas, em alguma medida, pela legislação infraconstitucional - submetida, porém, ao controle de validade perante os Tribunais, na maioria das democracias ocidentais - e também pela própria jurisprudência constitucional, ao delimitar quais normas decorreriam dos enunciados da Lei Maior. Há sempre uma latente contradição entre a atualização dos direitos fundamentais pela legislação infraconstitucional, de um lado, e a violação destes mesmos direitos.

    Carlos Bernal Pulido sustenta, ademais, que esses enunciados derivados seriam normativos, com caráter obviamente vinculante:

    Estas normas derivadas apresentam claramente quatro características que comumente integram não apenas o conceito semântico de norma, senão também outros conceitos alternativos da norma jurídica. Em primeiro lugar, trata-se de proposições prescritivas, nas quais seu componente deôntico prevalece. Em segundo, estas normas derivadas se fundamentam a partir de uma disposição jurídica: uma disposição de dirieto fundamental. Em terceiro lugar, ditas normas procedem simultaneamente de duas fontes do direito: da Constituição, indiretamente , de modo imediato, da jurisprudência da Suprema Corte. Por último, as normas derivadas vinculam seus destinatários. [18]

    Aludidas normas derivadas – ainda que elas sejam, em alguma medida, também fruto da própria interpretação judicial – vinculariam o próprio Tribunal. Isso porque, em que pese os precedentes possam e devam ser revistos, isso demandaria uma elevada carga argumentativa. Os juízes devem fundamentar adequadamente suas deliberações: devem indicar porque aquela determinada interpretação da fonte normativa será descartada dali por diante.

    A fundamentação adequada demanda, como diz Carlos Bernal Pulido, elementos materiais e estruturais. Materialmente, exige-se a indicação das proibições, imposições, permissões, sujeições, competências etc. decorrentes dos enunciados constitucionais.

    O trabalho para delimitar quais critérios materiais são idôneos para tanto é tarefa das conhecidas teorias materiais dos direitos fundamentais – a liberal, a democrática, a do Estado Social etc. -, depende também da análise das diversas funções dos direitos fundamentais – como direitos de defesa, direitos a prestações em sentido amplo, direitos de organização e de procedimento, direitos democráticos e direitos de igualdade – e da análise dogmática do alcance de cada um dos específicos direitos fundamentais. [19]

    Os referidos critérios materiais não seriam suficientes para viabilizar uma fundamentação correta da validade das normas derivadas de direitos fundamentais - sustenta Bernal Pulido. E isso pelo fato de que, nos casos realmente difíceis, não haveria consensos mínimos sobre os critérios materiais decisivos para o caso. Aludidos consensos devem ser construídos, sem dúvida; mas a questão passaria também por critérios estruturais.

    Mediante os critérios estruturais se determina a maneira com que se deve levar a cabo a fundamentação correta de ditas normas. Estes critérios determinam a forma em que devem ser resolvidas as colisões existentes entre os diversos critérios materiais relevantes. Deste modo, se pretende alcançar a correção material da fundamentação das normas derivadas, mediante sua correção estrutural. Certamente, a correção estrutural não é uma condição suficiente para obter uma fundamentação correta. Uma fundamentação estruturalmente correta, na qual, sem embargo, sejam empregados critérios materiais incorretos, terminará sendo uma fundamentação incorreta. Não obstante, a mediação de critérios estruturais é uma condição necessária para a correção, sempre que os critérios materiais não sejam suficientes para desenvolver plenamente a fundamentação da norma derivada respectiva. Toda fundamentação baseada em critérios materiais que entrem em conflito, que se leve a cabo sem a mediação de critérios estruturais será uma fundamentação inconsistente e, portanto, incorreta. [20]

    Os critérios estruturais são alvo de distintas teorias, que buscam identificar qual o melhor método de aplicação das normas constitucionais, diante de situações conflituosas (teoria do ‘conteúdo essencial’ dos direitos fundamentais, teoria interna, teoria externa dos direitos fundamentais e o princípio da proporcionalidade).

    Essas concepções têm uma meta comum: fornecer uma estrutura de fundamentação do controle de constitucionalidade. Assim, em boa medida, o princípio da proporcionalidade é um critério meramente formal.

    Assim, o chamado ‘princípio da proporcionalidade’ fornece uma estrutura argumentativa, mas já não indica os critérios materiais das normas, o que depende de tomada de postura diante de valores: logo, concepções políticas como o liberalismo, comunitarismo, feminismo, libertarismo etc.

    Vê-se facilmente que Bernal Pulido parte da distinção entre casos fáceis e casos difíceis, tratada por Herbert Hart e criticada por Lênio Streck. [21] Um caso é dito fácil quando o intérprete consegue determinar ab initio e sem maiores vacilações que um determinado evento/comportamento se submete (ou não submete) dentro da hipótese de incidência da norma em questão. [22] Isso ocorreria sobremodo quando as ‘normas diretamente instituídas’ funcionariam como premissa maior da fundamentação jurídica (nem maior discussão sobre normas derivadas e validade prima facie).

    Conjeture-se que um decreto do Poder Executivo rotule determinado comportamento como sendo um crime e lhe comine penas. Referido caso deverá ser qualificado como ‘caso fácil’ , segundo a classificação acima, eis que não há maior debate que, frente ao art. , XXXIX, CF, apenas a lei pode tipificar delitos e impor penas. Situação distinta vigora, porém – pelo menos em teoria, ainda não reverberada na praxis – no que toca à validade das chamadas ‘leis penais em branco’, em que o Poder Executivo complementa a definição legal do delito.

    Vê-se, pois, que os casos difíceis ocorreriam – segundo essa dissociação - quando haja alguma indeterminação normativa, não sendo evidente se a norma questionada seria compatível, prima facie, com as normas constitucionais relevantes para a análise.

    Considerando que a norma diretamente instituída não basta para determinar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei, nestes casos é necessário concretizar e fundamentar uma nova norma que seja adequada para desempenhar a função de premissa maior da fundamentação interna da sentença. [23]

    Em outras palavras, nesses casos catalogados como difíceis, o consenso sobre as premissas seria menor: a fundamentação não pareceria obra de mera subsunção ‘modus Barbara’ (dado A, segue-se B), mas careceria também de justificação das premissas respectivas, não raras vezes mantidas implícitas no discurso.

    Daí que comumente se sustente que, nos casos fáceis, vigoraria a subsunção e, nos difíceis, a ponderação ou proporcionalidade.

    Repita-se, todavia, que, uma sociedade complexa, dotada de significativo pluralismo axiológico, a maior parte dos casos envolvendo direitos fundamentais é classificada como difícil. Isso por conta da já mencionada indeterminação da linguagem empregada pelos legisladores; pela tentativa da Constituição de conciliar interesses conflituosos (Constituições compromissórias) – quando menos postergando a sua solução -, e pela existência de vários direitos que, conquanto compatíveis entre si, no plano abstrato, podem suscitar antagonismos em situações concretas.

    Nesse âmbito (casos difíceis) haveria argumentos a favor e contra determinada solução, i.e., a obtenção de determinada norma derivada – argumentos contraditórios, mas ambos com aparente adequação constitucional. O problema é que a identificação de norma derivada é promovida comumente de forma circular (petição de princípios); quando, na verdade, a identificação das chamadas ‘normas derivadas’ careceria de justificação densa, fundamentada, por parte dos juízes.

    Saber se um caso é fácil ou difícil também é questão de interpretação. E aí o tema demandaria a invocação da fundamental obra de Gadamer – verdade e método I -, quando enfatiza que toda interpretação é condicionada por pré-compreensões, prejuízos positivos e negativos, em uma relação circular com o que ele chama de ‘pretensão de perfeição’ da obra examinada.

    Mas convém deixar esse tema também para outro dia. Por ora, convém atentar novamente para a obra de Pulido:

    Sempre que existam dúvidas se um caso é fácil ou difícil, ele deve ser tratado como um caso difícil e, deste modo, deve concretizar-se uma norma derivada de direito fundamental. É bem certo que o interrogante sobre se um caso deve ser considerado fácil ou difícil é um assunto de interpretação, cuja resposta somente pode formular-se depois de se considerar todas as circunstâncias relevantes, os argumentos aportados pelas partes no processo constitucional e as disposições constitucionais pertinentes. [24]

    Nisso, justamente, é que se situa a relevância do chamado ‘princípio da proporcionalidade’. Os juízes devem aferir quais das normas (hauridas prima facie) devem adquirir vigência definitiva, como reguladora do caso concreto.

    O princípio da proporcionalidade, enquanto critério para a determinação do conteúdo dos direitos fundamentais que resulta vinculante para o legislador, cumpre a função de estruturar a concretização e a fundamentação jurisdicional das normas derivadas de direito fundamental nos casos difíceis. [25]

    Há várias objeções contra a teoria da proporcionalidade, merecendo destaque, por certo, a contundente crítica de E. W. Böckenförde, para quem dita técnica se destinaria a justificar verdadeiro arbítrio dos juízes, dado que o postulado traduziria opções irracionais e subjetivas. Para o aludido jurista alemão, na prática, os juízes estariam legislando, impondo graus de hierarquia entre disposições jurídicas da mesma Constituição. [26]

    E. W. Böckenförde defende a validade da proporcionalidade, mas apenas como critério de apreciação da validade de atos administrativos, enquanto mero juízo de adequação dos meios eleitos para a obtenção dos fins ditados expressamente pela lei. Seu temor é que, com a teoria de Alexy – e, de certo modo, também de Dworkin -, os juízes acabem por criar uma espécie de hierarquia de bens jurídicos, segundo seus próprios ‘gostos’ ou ‘opções’, sem legitimação democrática para tanto.

    Claro que se trata, aqui, de uma grosseira síntese do seu pensamento, dado que ele advoga, ademais, uma espécie de restrição do catálogo de direitos reconhecidos como fundamentais, atribuindo então ao Poder Legislativo uma espécie de ‘última palavra’ quanto aos direitos sociais.

    Esse ideário de Böckenforde foi acolhido, em alguma medida, por B. Pierrot e B. Schlink [27], autores que enfatizam que, mesmo que se cogitasse de critérios para solucionar conflitos entre opções valorativas, dita solução permaneceria apenas no plano da moral, sem caráter jurídico. Daí que sustentem que, por vias transversas, o princípio da proporcionalidade implicaria ampliação indevida da competência dos juízes e, na ponta, na existência de uma assembleia constituinte permanente.

    Para Bernal Pulido, essa contundente crítica – ao sustentar que aludido critério seria irracional - demanda maiores reflexões sobre a hermenêutica jurídica:

    O problema que subjaz a esse conjunto de objeções consiste em determinar se é possível reconhecer, reconstruir e enunciar, mediante critérios racionais e generalizáveis, os argumentos que subjazem à aplicação dos subprincípios da proporcionalidade. Dito de outro modo, no fundo da crítica, encontra-se a questão de saber se há alguns critérios suscetíveis de controle racional, para determinar em cada caso concreto, quando uma medida legislativa de intervenção nos direitos fundamentais resulta desproporcional ou, de maneira mais específica, quando deve ser considerada idônea, necessária e proporcional em sentido estrito. [28]

    Pulido reconhece, é fato, que expressões como ‘proporcional’, ‘desproporcional’, ‘razoável’, carregam grande força persuasiva (emotiva). Contudo, esse efeito não implicaria, a seu ver, por si, que não haja como exercer um mínimo de controle sobre a racionalidade da solução aplicada pelos juízes, no controle da constitucionalidade das leis.

    A suposta ausência de objetividade ou de racionalidade absoluta não seria demérito exclusivo do princípio da proporcionalidade, não havendo critérios alternativos quanto a isso. Ao contrário, esse problema seria inerente à racionalização de valores. Assim, para ele, o problema seria outro: saber se, com a aplicação desse critério, se conseguiria um ganho de racionalidade em confronto com as demais soluções.

    Pulido responde afirmativamente.

    Para ele, enfim, a proporcionalidade permitiria maior controle da qualidade das decisões judiciais. Claro! Desde que a teoria seja bem compreendida e bem aplicada.

    Acerta R. Alexy ao asseverar que a ponderação não implica, em cada caso, uma solução precisa, é dizer: não implica a verificação da tese da ‘única resposta correta’. Qual solução seja apropriada depois da ponderação, depende de valorações não controláveis por este mesmo procedimento. [29]

    Conquanto seja indiscutível que o princípio da proporcionalidade não iniba a existência de espaços de arbítrio e irracionalidade, ele permitiria que dito locus argumentativo ficasse bem vincado, facilitando a sua submissão à crítica. Essa é a defesa que Pulido faz da teoria alexyana.

    Ademais, mencione-se também a objeção de R. Stammler e W. Leisner, autores que argumentam que o princípio da proporcionalidade não seria dotado de suficiente clareza conceitual. [30] A isso acrescentar-se-ia a ausência de substância. No dizer desses autores, o princípio de proporcionalidade seria um critério exclusivamente formal (não explicaria quando algo seria proporcional ou desproporcional). Mas a aludida objeção não infirmaria o ‘princípio de proporcionalidade’:

    A clareza conceitual é, desde logo, a principal condição de racionalidade que todo conceito ou critério jurídico deve cumprir para poder ser utilizado na interpretação constitucional sem reparos de nenhum tipo. Sem embargo, como se verá adiante, uma detida análise do princípio de proporcionalidade e dos critérios alternativos demonstra que aquele princípio é o critério cuja estrutura pode compreender-se com maior clareza. A diferença de alguns critérios alternativos, a estrutura do princípio da proporcionalidade está livre de contradição e pode reconstruir-se como um procedimento argumentativo no qual aparecem explicitamente os diferentes tipos de premissas utilizadas pelo Tribunal Constitucional para a interpretação dos direitos fundamentais. [31]

    A objeção de que o princípio de proporcionalidade seria meramente formal – conquanto isso seja verdadeiro, afinal de contas ele é, de fato, meramente estrutural – não teria densidade jurídica. Essa sua característica não seria um defeito, mas a sua maior virtude. A interpretação dos direitos fundamentais demandaria a conjugação de um método foram, a exemplo do princípio da proporcionalidade, em conjunto com concepções materiais compartilhadas pela sociedade dos intépretes (liberalismo, comunitarismo, libertarismo, feminismo etc.).

    Amparando-se em Alexander Aleinikoff, Carlos Bernal Pulido argumenta ser possível comparar os direitos fundamentais entre si. Uma primeira proposta seria a criação de uma hierarquia de bens jurídicos/direitos fundamentais. Bastaria elaborar uma escala aparecendo as relações de hierarquia entre os distintos direitos e bens. A segunda proposta seria a obtenção de um denominador comum, que permitisse a comparação de vantagens e desvantagens que afetariam direitos e bens.

    Uma hierarquia perene de bens e direitos constitucionais deveria ser descartada, todavia, dado que isso teria como consequência o engessamento da vida política, para além de ser muito difícil cogitar de relações absolutas de predomínio/submissão entre tais vetores (o que depende, por óbvio, de opções materiais). Daí que a solução seria mesmo a busca do denominador comum (o que seria fornecido pelas regras/subprincípios da proporcionalidade, como bem explicita Carlos B. Pulido).

    Deve-se evitar, todavia, confundir proporcionalidade com o corriqueiro contraponto entre interesses privados e pretensos interesses públicos: “Para esse feito não basta manter a tradicional dicotomia entre interesses públicos e privados, e reconduzir todas as possíveis colisões à conhecida fórmula que contrapõe o interesse geral, encarnado na lei, com o interesse particular, representando pelo direito fundamental no qual se intervém.” [32]

    Como cediço, direitos fundamentais retratam preocupações públicas: a relação entre o sujeito e a comunidade política, o que não pode ser olvidado pelos juízos.

    Dentre inúmeras outras críticas, merece relevo aqui a análise tecida por Niklas Luhmann. Conquanto ele trate da jurisprudência dos conceitos, a objeção é plenamente aplicável também à teoria da proporcionalidade:

    A controvérsia entre a jurisprudência de conceitos e a jurisprudência de interesses tem semelhança com a antiga discussão científica entre o racionalismo (Descartes) e empirismo (Bacon). Aqui se tem chegado com um pouco de dificuldade (ainda que se renuncie com desgosto às controvérsias) ao resultado de que a real operação do sistema requer de ambos os lados a distinção. E uma coisa análoga é válida para o direito.

    Em Jhering já havia restado claro: a ênfase na proteção dos interesses de nenhuma maneira deveria entender-se como recomendação para julgar sem conceitos. A crítica da jurisprudência dos conceitos se dirige mais contra o sistema de ideias do que contra a ferramenta mesma dos conceitos. Com esse ponto de vista se realiza uma inversão que vai do sistema dedutivo à técnica jurídica – que ao mesmo tempo desvaloriza, mas reconhece. É conhecida, ao menos o era, que unicamente a partir dos interesses não é possível deduzir nenhuma decisão. Sem embargo, o que na controvérsia não resta bem iluminado é o sentido da distinção. Se trata, em última instância, de uma distinção das distinções. Os conceitos seriam (de outra maneira) distinguidos como interesses. Mas em ambos os casos as distinções se propõem desde o interior do sistema e têm sentido somente para as operações do próprio sistema do direito. Os conceitos ajudam a refinar a quaestio iuris e a restringir o espectro da analogia. Ao contrário, com os interesses se trata em primeiro lugar de distinguir entre interesses que se favorecem legalmente e interesses que legalmente se postergam. Esta distinção tem a vantagem de que guarda na memória do sistema os interesses postergados, de tal sorte que se, se der o caso, se poderia voltar a prova se a postergação segue justificada. Com um conceito tomado de Yves Barel poder-se-ia falar de ‘potenciação’ dos interesses. Isso confere à decisão total um sentido finalmente paradoxo. O conflito de interesses se decide em um nível e em outro é tratado como insolúvel, desde que os interesses postergados se recordem como interesses com um possível valor – a recordação se produz mediante justamente a sua postergação. Precisamente quando a jurisprudência de interesses entende as decisões do legislador como decisões em favor (ou contra) os interesses, ela se reserva (na fórmula dos interesses) uma nova valoração, em constelações distintas que não haviam sido tomadas em conta pelo legislador. Nestes sentido, a jurisprudência dos interesses se distingue da estrita interpretação teleológica do direito – a qual pergunta somente pelo propósito perseguido. Precisamente ao manter reservada a nova valoração, pressupõe que o sistema do direito apresenta primeira os interesses como preferências motivadas a partir de si mesmas, para, logo depois, na valoração jurídica, distingui-los em qualidade de favorecidos ou postergados.

    Tanto dogmática como metodicamente, a partir destas reflexões, se segue que a fórmula ‘ponderação de interesses’ deve ser descartada como princípio de direito. Poder-se-ia afirmar isto com o dito latino ‘In hac verbi copula stupet omnis regula.’ Desde o ponto de vista do método, esta fórmula de deliberação tem falhado porque não se tem podido realizar as indicações operativas. A fórmula serve, na prática, como uma máxima daquilo que Max Weber teria expressado como Justiça do Cadi. A fórmula é, desde o ponto de vista da Constituição, duvidosa, quando não flagrantemente inconstitucional. Já que a partir das valorações dos arts. 1-3 da Constituição alemã se deduz que o juiz deve considerar os interesses de igual traço, contanto que o direito mesmo (e o juiz) não prevejam diferentes valorações em casos conflituosos. Dito de outra maneira: a fórmula ponderação de interesses não é nenhum direito vigente: se refere a problemas de compreensão do comportamento material, mas não ao fundamento legal da decisão. A fórmula encontra-se situada no campo da heterorreferência do sistema e não produz o que se deve exigir de cada decisão: a mediação entre a autorreferência e a heterorreferência. O passo da jurisprudência de interesses para a jurisprudência de valores e da ponderação de interesses à ponderação de bens, pelo menos faz justiça à crítica, contanto que a valoração não surja dos interesses, senão do juiz que indaga com base nos regulamentos mesmos do direito. Ou quiçá se deveria dizer: do juiz que deveria indagar, já que a práxis durante a perquirição dos valores do direito (em caso de conflito de valores) está totalmente excedida pelas exigências – o teórico da decisão vê isso de chofre, mas logo termina orientando-se pelos interesses. Por outro lado, agora, se encontra uma verbalização (que não se pode comprovar) de tais valorações que utilizam conceitos de intimidação (p.ex., dano social). Isso que provada é que o sistema interrompa as figuras densas, proporcionadas pela dogmática do direito e que poderiam tratar de adaptar aos resultados novos, dos casos decididos. Também a racionalidade ‘substantiva’ normalmente se define com relação a valores socialmente aceitos. O componente retórico na fundamentação das decisões segue aumentando: convém ao estilo ‘democrático’ da política ao restar bem. [33]

    Jürgen Habermas empreende crítica semelhante na obra Between Facts and Norms [34], dada a aparente colonização do sistema jurídico por parte dos critérios próprios aos sistemas da política ou da economia, substituindo-se o exame analítico e conceitual, próprio ao discurso jurídico, por argumentos de conveniência, oportunidade ou de mera eficiência, sem o pertinente controle social. Note-se que a aludida valoração judicial não é submetida ao escrutínio periódico das urnas.

    Também há outras teorias de conteúdo formal (i.e., teorias estruturais) alternativas à proporcionalidade: (a) teoria do conteúdo essencial dos direitos fundamentais e (b) teoria interna dos direitos fundamentais.

    Abstrai-se aqui um exame mais detalhado de cada uma delas, diante dos limites desse texto.

    Diferenciação entre regras e princípios

    É de extremo relevo, todavia, atentar para a diferenciação promovida por Dworkin e por Alexy entre regras e princípios, como segue abaixo:

    Dworkin oferece dois critérios de distinção. De acordo com este autor, em primeiro lugar, os princípios se diferenciam das regras desde uma perspectiva lógica, em razão do caráter da solução que oferecem. As regras são aplicáveis por completo ou não são aplicáveis em absoluto para a solução de um caso determinado. As regras geram ao juiz sempre uma disjunção extrema, lhe apresentam um dilema de tudo ou nada. Se sucede o fato previsto na regra, o juiz deve aplicá-la por completo. Se, pelo contrário, o suposto de fato previsto pela regra não se verifica, ou apesar de ocorrer, ocorre uma exceção estipulada por ela, o juiz deve excluir a sua aplicação. Os princípios, ao contrário, não ostentam a estrutura condicional característica das regras, que se compõem de uma hipótese de incidência e de uma sanção. Os princípios não estabelecem com toda clareza quais são as circunstâncias da realidade diante das quais devem ser aplicados, nem quais são suas exceções, assim como tampouco determinam as consequências jurídicas que devem ser produzidas com a sua aplicação. Um princípio é só uma razão a favor de argumentações encaminhadas em certo sentido, mas não implicam necessariamente uma decisão concreta. Por efeito desse caráter, pode suceder que, diante de uma certa situação fática, concorram dois ou mais princípios que resultem pertinentes e que entre em colisão entre si. Esta hipótese se apresenta quando os princípios concorrentes fundamentam diversas soluções contraditórias para o caso. Nessa situação, o juiz deve reconhecer que todos os princípios relevantes formam parte do sistema jurídico, e, portanto, deve tê-los em conta para construir sua decisão. [35]

    Em certa medida, os princípios seria aplicáveis de forma graduada (maior ou menor peso), o que não ocorreria com as regras. Princípios permitiriam uma incidência em degradè.

    Para a mencionada teoria, a ‘busca da segurança jurídica’, a ‘tutela das expectativas normativas’ são princípios, suscetíveis de serem atendidos em maior ou menor medida. Já o disposto no art. XXXIX, CF (não há crime anterior sem lei que o defina) veicula uma regra: não há como cumpri-lo gradualmente, ainda que muitos o chamem de ‘princípio da legalidade’...

    Ronald Dworkin também sustenta a viabilidade da obtenção de respostas corretas em direito - logo, sem tomar como base o ‘espaço de vontade’, aludido por Herbert Hart. Propugna, para tanto – como metáfora regulativa – um arquétipo contrafático:

    Podemos, portanto, examinar de que modo um juiz filósofo poderia desenvolver, nos casos apropriados, teorias sobre aquilo que a intenção legislativa e os princípios jurídicos requerem. Descobriremos que ele formula essas teorias da mesma maneira que um árbitro filosófico construiria as características de um jogo. Para esse fim, eu inventei um jurista de capacidade, sabedoria, paciência e sagacidade sobre-humanas, a quem chamarei de Hércules. [36]

    Com esse constructo, Dworkin concebe a possibilidade de que, com paciência e sabedorias sobre-humanas, com conhecimento de todos os fatos e com tempo ilimitado, os princípios valorativos de uma dada comunidade política fossem coordenados de forma harmônica. Supõe, repisa-se, a viabilidade da obtenção de respostas corretas, ainda que possa haver percalços epistêmicos no seu reconhecimento, na cotidianidade dos juízes.

    Aulius Aarnio lança, então, uma provocação: e acaso se admita a existência de dois juízes Hércules, será que ambos chegariam às mesmas respostas quanto aos problemas jurídicos? Conclui Aarnio que, diante dessa premissa, teria que ser presumido então um juiz Supér-Hércules, ou Hércules de segundo grau. [37]

    A mencionada metáfora é apenas um ideal regulativo, reitera-se.

    R. Dworkin não imagina que haja algum ‘magistrado hercúleo’ por aí. Mas preconiza que os magistrados devem se esforçar para atuar tal qual juiz-Hércules, tentando obter a melhor resposta, aquela que respeite a integridade do Direito, concebido como uma história que se conta e constrói junto, de forma coerente. Algo semelhante ocorre com aquelas sonatas antigas, elaboradas por compositores geniais, cuja objetividade se mantém, mesmo quando tocadas por diferentes pianistas e sob distintas sensibilidades.

    Dworkin aposta, portanto, em certo grau de intuicionismo e cognitivismo, como fica bem evidente na sua obra ‘justiça para ouriços’. [38] Robert Alexy complementa essa distinção; pois, para ele, nem sempre se consegue conhecer todas as exceções às regras (logo, nem sempre se conseguiria aplicá-las de forma disjuntiva: tudo ou nada).

    Alexy sustenta que, nos complexos sistemas jurídicos modernos não é possível conhecer sempre todas as exceções às regras, entre outras razões, porque nas específicas circunstâncias de cada suposto concreto em que as regras devam ser aplicadas, podem aparecer novas exceções. Ademais, em todo caso, se fosse possível conhecer de antemão todas as exceções às regras, também seria possível conhecer e prever todas as exceções que podem formular-se em relação aos princípios. [39]

    Para R. Alexy, porém, as regras seriam normas que contém determinações no âmbito do que é fática e juridicamente possível (apenas podem ser cumpridas ou não); enquanto que os princípios seriam ‘mandatos de otimização’, que podem ser cumpridos em diversos graus, ordenando que se realize algo na maior medida possível, diante das específicas possibilidades fáticas e jurídicas de um dado caso. [40]

    Haveria, segundo ele, uma diferença entre regra e princípio (diferença substancial, e não mera diferença de graduação). Portanto, o professor da universidade de Kiel não comunga da opinião de Humberto Ávila, para quem um enunciado poderia veicular normas dúplices: ora sendo interpretado como regra, ora como princípio. [41] Para Alexy, ao contrário, toda norma ou é princípio, ou é regra (não há como ser ambos ao mesmo tempo).

    O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.

    O âmbito das possibilidades jurídica é determinado pelos princípios e regras colidentes. Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível.

    Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um princípio. [42]

    As regras seriam aplicáveis por meio da subsunção (modus Barbara – dado A, segue-se B); enquanto que os princípios seriam aplicáveis por meio da ponderação (aferição do peso específico, em um dado contexto de vida):

    Os princípios não contém mandatos definitivos, senão mandatos de otimização. Eles ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, tendo em conta as possibilidades jurídicas e fáticas, que dependem das razões que jogam em sentido contrário. Na ponderação se tem em conta estas razões fáticas e jurídicas que jogam contra e se determina com exatidão em que medida é fática e juridicamente possível realizar um princípio. [43]

    Por força disso, também haveria diferenças na solução de conflitos entre as espécies normativas. O conflito entre regras seria solucionado com o recurso a uma metarregra: dado o conflito, uma das regras deve ser afastada para a solução do caso, por ser superior (lex superior derogat legi inferiori), anterior (lex posterior derogat legi priori), especial (lex specialis derogat legi generali), etc.

    Nesse âmbito, seriam aplicáveis os diagramas de Venn, empregados por Ulrich Klug para tratar do conflito de leis. [44] O conflito entre princípios não geraria – ao contrário do que ocorreria com o conflito entre regras - o afastamento peremptório de um dos ‘mandatos de otimização’ em jogo: a questão demandaria o exame do princípio de maior peso, para a solução do caso específico.

    Logo, em alguma medida, nesse âmbito, os juízes examinariam questões valorativas desde logo, atribuindo-se determinada carga retórica para a obtenção da ‘resposta adequada’. Com a solução do conflito entre princípios, seria identificada uma ‘regra derivada’, aplicável ao caso.

    Esta análise das razões que jogam contra a realização de uma norma de direito fundamental de princípio se estrutura mediante os três subprincípios da proporcionalidade. Quando se aplica o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, se sopesam as razões contrárias que falam das possibilidades jurídicas. A pergunta relevante que se coloca ao aplicar esse subprincípio, é se o favorecimento de outros direitos fundamentais ou de outros bens constitucionais (as razões jurídicas contrárias), por parte da medida legislativa objeto do controle, consegue justificar a intervenção que sofre o direito fundamental afetado. Paralelamente, os subprincípios da idoneidade e da necessidade implicam uma análise das razões relacionadas às possibilidades fáticas. Ao analisar a idoneidade da intervenção legislativa, se examina se serve empiricamente para a realização de um princípio contrário; e quando se analisa a sua necessidade, se observa se o legislador dispõe de outras medidas igualmente eficazes quanto à consecução de suas finalidades, mas que intervenham faticamente em um menor grau no direito fundamental. [45]

    Confronto entre o plano das regras e o plano dos princípios constitucionais

    Outra questão relevante diz respeito ao confronto entre o plano das regras e plano dos princípios. Sem dúvida alguma que os princípios quando menos orientam a compreensão das regras constitucionais (indicam o caminho para a obtenção das regras, por meio da interpretação da Lei Maior). Por conta da sua unidade hierárquico-normativa, não há dispositivos constitucionais juridicamente inválidos. [46]

    Pode-se cogitar, todavia, de casos em que surjam aparentes conflitos entre regras e princípios igualmente constitucionais. Qual deve prevalecer, em tal hipótese? A resposta é fornecida por Robert Alexy:

    A exigência de se levar a sério as determinações estabelecidas pelas disposições de direitos fundamentais, isto é, de levar a sério o texto constitucional, é uma parte desse postulado, porque – dentre outras razões – tanto as regras estabelecidas pelas disposições constitucionais quanto os princípios também por ela estabelecidos são normas constitucionais.

    Isso traz à tona a questão da hierarquia entre os dois níveis. A resposta a essa pergunta somente pode sustentar que – do ponto de vista da vinculação à Constituição – há uma primazia do nível das regras.

    Ainda que o nível dos princípios também seja o resultado de um ato de positivação, ou seja, de uma decisão, a decisão a favor dos princípios passível de entrar em colisão deixa muitas questões em aberto, pois um grupo de princípios pode acomodar as mais variadas decisões sobre relações de preferência e é, por isso, compatível com regras bastante distintas.

    Assim, quando se fixam determinações no nível das regras, é possível afirmar que se decidiu mais que a decisão a favor de certos princípios.

    Mas a vinculação à Constituição significa uma submissão a todas as decisões do Legislador Constituinte. É por isso que a determinações estabelecidas no nível das regras têm primazia em relação a determinações alternativas baseadas em princípios.” [47]

    É necessário deixar isso ainda mais manifesto.

    Para evitar confusões: as regras são normas. Ou seja, as regras são produto da compreensão das disposições constitucionais (i.e., das fontes normativas). Elas incidem na base do ‘tudo ou nada’. Claro que tais normas foram obtidas mediante a interpretação do texto, interpretação que é – e deve ser – animada pela compreensão dos princípios constitucionais, em uma espécie de ‘círculo hermenêutico’, com mútua afetação. Até aí, nenhuma novidade.

    O ponto relevante é atentar para o fato de que, depois de reconhecido o conteúdo da regra constitucional – i.e., depois de interpretrado o alcance do art. , XII, CF, p.ex. – não se pode contemporizar ou mitigar aludida regra, ao argumento de que ela esbarraria em um aventado princípio constitucional de efetividade da jurisdição, p.ex.

    Aliás, a efetividade da persecução penal não pode ser empregada como pretenso princípio enantiomorfo, sob pena de se esvaziar completamente o conteúdo dos direitos fundamentais, eis que destinados justamente a interditar aludida ponderação (p.ex., a vedação do emprego de confissão obtida mediante tortura e outras provas colhidas por meios ilícitos).

    Como diz Wolter, “Em todos os casos que contendam com a dignidade humana, não poderão ser chamados à ponderação os interesses por uma justiça penal eficaz. Quem o fizesse não tomaria a sério nem a inviolabilidade da dignidade humana, nem um processo penal vocacionado para a proteção de direitos fundamentais.” [48] Diante de suspeitas graves, uma tal ponderação de interesses implicaria sistematicamente na frustração dos direitos fundamentais.

    Mas convém avançar.

    Registre-se, nessa toada, que Humberto Ávila propõe uma dissociação distinta - de caráter heurístico [49] - classificando as espécies normativas em princípios, regras e também em postulados. Ele não adota plenamente, ademais, a conceituação de Dworkin/Alexy, eis que concebe os princípios como normas finalísticas (eles indicariam fins, mas não detalhariam os meios para sua obtenção); enquanto que as regras seriam normas imediatamente descritivas (descrevendo um comportamento e prevendo uma consequência jurídica). [50]

    Essa concepção foi alvo da contundente crítica de Virgílio Afonso da Silva, quem foi orientando de Robert Alexy. [51]

    Diante da diferença entre texto e norma, o argumento de Ávila perde força. A distinção entre regras e princípios é uma distinção entre dois tipos de normas e não entre dois tipos de textos. É por isso que tanto as regras, quanto os princípios pressupõem uma interpretação prévia. Isso não significa, contudo, que ambos tenham a mesma estrutura. Após a interpretação em sentido estrito, uma regra jurídica é já subsumível, enquanto que os princípios ainda poderão entrar em colisão com outros princípios, exigindo-se, nesse caso, que se proceda a um sopesamento para harmonizá-los. Assim, ‘ser passível ou carente de interpretação’ é uma característica de textos que exprimem tanto regras quanto princípios. Mas ‘ser passível ou carente de sopesamento’ é característica exclusiva dos princípios. [52]

    Virgílio Afonso da Silva esclarece, todavia, o que segue:

    Quando digo que Humberto Ávila não leva em consideração a distinção entre texto e norma, não quero dizer que ele a ignore ou rejeite. Muito pelo contrário, ele a utiliza em seu trabalho e afirma categoricamente: ‘não há identificação entre norma e texto.’ (cf. Humberto Bergmann Ávila, ‘A distinção entre princípios e regras’, p. 171). Mas ainda que ele use essa distinção para outros propósitos – para demonstrar que a regra da proporcionalidade não resulta de um texto específico - passa ele ao largo dela, quando de sua crítica à distinção entre regras e princípios. [53]

    Virgílio também critica a concepção de princípio, esposada por Humberto Ávila, como segue:

    Como visto acima, Humberto Ávila - no que é seguido por Mártires Coelho – afirma que, quando a realização do fim instituído por um princípio exclui a realização do fim determinado por outro, o problema só poderia ser solucionado com a rejeição de um dos princípios. Esse tipo de colisão seria, ainda segundo Ávila, semelhante aos casos de conflito entre regras.

    Com base no que foi visto na parte expositiva deste artigo, não há como sustentar tal argumento. No caso de conflito total entre regras, uma delas, necessariamente, deverá ser declarada inválida, já que ambas não podem conviver no mesmo sistema. No caso em que Humberto Ávila classifica como colisão total entre princípios, a hipotética não realização de um princípio em nada se aproxima à solução dada ao conflito entre regras, já que o princípio afastado não é declarado inválido e, por isso, não deixa de pertencer ao ordenamento jurídico.

    O que ocorre é uma simples impossibilidade de aplicação de um dos princípios para a solução de um problema concreto, o que não significa que, em outros casos, o mesmo princípio afastado não possa ser aplicado e, mais importante, que não possa até mesmo prevalecer àquele princípio que, no primeiro caso, prevaleceu a ele.

    Não faltam exemplos para demonstrar que a rejeição da aplicação de um princípio em um caso concreto não se assemelha a tratá-lo como ‘não pertencente ao ordenamento jurídico’, como afirma Mártires Coelho. Assim, se um juiz proíbe a publicação de um determinado livro, por entendê-lo incompatível com a proteção constitucional à honra de alguém, isso não significa que a liberdade de expressão tenha sido tratada como ‘não pertencente ao ordenamento jurídico.’ Ao contrário, o juiz só pode decidir pela prevalência de um princípio sobre outro se pressupor que ambos fazem - e continuarão a fazer - parte do ordenamento jurídico. Prevalecer não se confunde, portanto, com pertencer. [54]

    Essas observações de Virgílio são extremamente pertinentes.

    Não há como sustentar que uma mesma norma possa ser, a um só tempo, princípio ou regra, como se isso fosse ‘ao gosto do freguês’ ou do intérprete de ocasião. Tanto por isso, não é dado ao julgador escolher como classificar uma norma, como se lhe fosse dado encontrar subterfúgio para não aplicá-la em determinado caso, relativizando-o em face de disposições gerais ou atribuição de escopos (telos) para o sistema de justiça.

    Essa alegada ambiguidade da torna tornaria a efetividade da Lei Maior ainda mais dependente das vicissitudes de ocasião. Isso pode contribuir para que, cada vez mais, argumentos de mera conveniência sejam empregados como critério para se definir o que pode ou não ser feito. Com isso, a Constituição corre o risco de deixar de ser um projeto de futuro, para se converter em folhetim semanal.

    Advertência quanto ao uso do termo ‘princípios’

    De qualquer sorte, outro ponto de extremo relevo, sobremodo para setores submetidos a ‘conceitos fechados’ (tipicidade) é não confundir a expressão corriqueira ‘princípio constitucional’, com efetivos princípios, tais como definidos para fins da teoria da ponderação:

    A existência de normas de alto grau de generalidade que não são princípios demonstra que o critério da generalidade é apenas relativamente correto.

    O enunciado normativo ‘só serão penalmente puníveis os atos que a lei previamente definir como crimes’ (artigo 103, parágrafo 2º da Constituição alemã, parágrafo 1º do Código Penal alemão) pode dar ensejo a uma série de problemas interpretativos, e a ele subjaz um princípio ao qual se pode recorrer para sua interpretação.

    Mas esse enunciado estabelece uma regra, já que aquilo que ele exige é algo que sempre ou é cumprido, ou não. Como essa norma é freqüentemente caracterizada como princípio, ela é um exemplo dos casos em que a teoria dos princípios aqui defendida se desvia do uso corrente da linguagem. [55]

    Deve-se tomar cuidado para não imaginar que a ‘legalidade penal’ seja um princípio (mandado de otimização), pois não é algo suscetível de ponderação. A partir das próprias premissas da teoria dos princípios, o art. 5, XXXIX, CF, veicula uma regra, submetida ao juízo disjuntivo (tudo ou nada). Não há como cumprir gradualmente referido preceito.

    Ou há lei rotulando a conduta como crime, e o aludido requisito – necessário, mas não suficiente para imposição de penas! – terá sido satisfeito, ou não há e, portanto, desde logo se reconhece que a cominação de penas será inconstitucional, qualquer que seja a gravidade do comportamento.

    Há equívoco em deliberações que convertem, em alegados princípios, verdadeiras regras constitucionais – normas que determinam comportamentos detalhados –, de modo a viabilizar certa flexibilização...

    Exemplifique-se com o julgado abaixo, venia concessa, que pretende converter a regra do art. , XII, CF, em princípio, com o fim de ‘ponderá-lo’ (na prática, com o fim de não cumpri-lo: ampliando a incidência da interceptação telefônica, para hipóteses constitucionalmente interditadas):

    EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DO DEVEDOR DE ALIMENTOS. CABIMENTO.

    Tentada a localização do executado de todas as formas, residindo este em outro Estado e arrastando-se a execução por quase dois anos, mostra-se cabível a interceptação telefônica do devedor de alimentos.

    Se por um lado a Carta Magna protege o direito à intimidade, também abarcou o princípio da proteção integral a crianças e adolescentes. Assim, ponderando-se os dois princípios sobrepõe-se o direito à vida dos alimentados. A própria possibilidade da prisão civil no caso de dívida alimentar evidencia tal assertiva.

    Tal medida dispõe inclusive de cunho pedagógico para que outros devedores de alimentos não mais se utilizem de subterfúgios para safarem-se da obrigação. Agravo provido. [56]

    A vingar a lógica desse julgado, os juízes poderão efetivamente decidir da maneira que quiserem, bastando converter ‘regras’ em ‘princípios’ e, voilà, consegue-se argumentos para caminhar para o Sul, mesmo quando a Constituição aponta o Norte.

    Com isso, ao invés da comunidade orientar-se pela Constituição, enquanto verdadeira bússola que indicaria novos horizontes, a Constituição é que seria distorcida – em verdadeira gambiarra -, a cada novo interesse tido como relevante por parte do intérprete ou de maiorias eventuais.

    A vingar essa lógica, até mesmo a vedação da pena de morte poderia ser burlada, equiparando-se crimes comuns a crimes de guerra; ou ainda ‘ponderando’ vetores inequívocos da Lei Maior. Ao cabo, ter-se-á instalada uma ilegítima assembleia constituinte perene, sob as togas dos juízes.

    Conquanto extensas, essas advertências não necessárias para se compreender o que escrevo adiante.

    Prisão ante tempus – breve evolução normativa

    De certo modo, o CPP de 1941, na sua redação original, admitia uma concepção de 03 níveis. A legislação distinguia a situação jurídica de quem (a) não era suspeito ou acusado, (b) a situação de quem era preso em flagrante e (c) a situação daquele que houvesse sido condenado.

    Àquele tempo, as garantias processuais eram graduadas conforme a gravidade da suspeita. Caso se desconfiasse da prática de crimes leves pelo apreendido, seria cabível o livrar-se solto. A desconfiança da prática de crimes de média gravidade admitia fiança; enquanto a suspeita da prática de crimes graves era inafiançável.

    Tomo o cuidado de deixar claro que, a bem da verdade, não é o crime que é inafiançável. É a suspeita da prática desse ou daquele crime, algo um tanto distinto. É a suspeita, e não o crime! – enfatizo. E isso pela constatação óbvia – mas muitas vezes olvidada – de que somente se pode ter alguma certeza de que realmente houve crime e quem foi o seu autor depois do trânsito em julgado de uma sentença condenatória, já esgotados os argumentos e ressalvada alguma eventual revisão criminal pro libertatis.

    Mas convém voltar ao ponto.

    Sob a égide do CPP de 1941, quando se tratasse de uma desconfiança da prática de infração inafiançável, o suspeito deveria responder, em regra, o processo na prisão (arts. 321 e ss., CPP, redação original). Vigorava, então, a suposição de que - tendo sido preso em flagrante - inexoravelmente o investigado acabaria sendo condenado ao final de eventual processo. Daí mesmo que a sua liberdade era adjetivada de provisória.... O investigado ficava em liberdade, no aguardo da sua condenação e recolhimento ao cárcere.

    Repiso: a liberdade era tida como provisória, dada a suposição de que logo adiante ela viria a ser cancelada, com o encarceramento do investigado, apreendido em situação de aparente flagrante delito. E dito “aparente” pelo fato óbvio, repito, que delito mesmo apenas pode ser eventualmente reconhecido depois do processamento das provas sob devido processo.

    Como também é sabido, esse sistema sofreu uma primeira modificação com a lei 6.416, de 1977, responsável por alterar o art. 310, CPP. Assegurou-se, então, que - mesmo nos casos da suspeita de crimes inafiançáveis - o suspeito poderia aguardar a apuração em liberdade, desde que a prisão não fosse necessária.

    E isso gerou uma grave contradição no sistema processual. Para a suspeita da prática de crimes médios, o preso em flagrante somente seria solto mediante pagamento de fiança. Para os crimes mais graves, inafiançáveis, ele poderia ser solto sem pagar a fiança.

    Sobreveio, então, em 1988, a nossa Constituição Republicana.

    São muitos os dispositivos que interessariam aqui. Menciono brevemente a garantia do respeito ao estado de inocência - o que é muito mais do que uma simples presunção de inocência, como explicarei adiante -, a regra que assegura a liberdade provisória e também o dispositivo que versa sobre a inafiançabilidade dos crimes atrozes (hediondos e equiparados).

    É importante ter em conta, porém, que o nosso art. , LVII, CF é praticamente uma cópia do art. 32º da Constituição de Portugal de 1976, a cujo respeito Canotilho e Vital Moreira asseveram o que segue:

    Não é fácil determinar o sentido do princípio da presunção de inocência do argüido. Considerando em todo o seu rigor verbal, o princípio poderia levar à própria proibição de antecipação de medidas de investigação e cautelares (inconstitucionalizando a instrução criminal, em si mesma) e à proibição de suspeitas sobre a culpabilidade (o que equivaleria à impossibilidade de valorização das provas e aplicação e interpretação das normas criminais pelo juiz).

    Como conteúdo adequado do princípio apontar-se-á:

    (a) proibição de inversão do ônus da prova em detrimento do argüido;

    (b) preferência pela sentença de absolvição contra o arquivamento do processo;

    (c) exclusão da fixação de culpa em despachos de arquivamento;

    (d) não incidência de custas sobre penas a título de medidas cautelares;

    (e) proibição de antecipação de verdadeiras penas a título de medidas cautelares (cfr. AcTC nº 198/90);

    (f) proibição de feitos automáticos da instauração do procedimento criminal;

    (g) natureza excepcional e de última instância das medidas de coacção, sobretudo limitativas ou proibitivas da liberdade;

    (h) princípio in dubio pro reo, implicando a absolvição em caso de dúvida do julgador sobre a culpabilidade do acusado. [57]

    Ve-se que art. , LVII, CF impõe uma regra de tratamento. Ninguém pode ser tratado como culpado ante que transite em julgado uma sentença condenatória.

    Aquela norma não se limita, pois, a estabelecer/distribuir ônus probatórios. Ela tampouco se limita a cuidar da presunção de inocência, conquanto também o faça.

    Ademais, é incorreto imaginar que se cuide de verdadeiro “princípio”, para empregar aqui a teoria de Dworkin ou de Alexy. Pelo que já expliquei acima, nem tudo aquilo que a linguagem corriqueira denomina de ‘princípio’ realmente pode ser tomado como ‘mandado de otimização’, para a teoria alexyana.

    Antes, deve-se saber se isso incide na base do ‘tudo ou nada’, ou se teria conteúdo graduável, modulável, em degradè, ao estilo do princípio da ‘segurança jurídica’ ou do princípio da ‘justiça tributária’.

    Como tenho enfatizado em sentenças desde 2002, reitero aqui que a norma do art. , LVII, CF – cujo conteúdo deve ser obtido, por óbvio, sob os holofotes de verdadeiros princípios constitucionais como o da dignidade humana, segurança jurídica, Estado de Direito e assim por diante – veicula uma verdadeira ‘regra’, diante das premissas acia.

    Ela incide na base do tudo ou nada e interdita que alguém seja tratado como culpado antes do trânsito em julgado. Alguém pode perguntar: “mas a decretação da prisão preventiva não significa tratar alguém como culpado?” Respondo: “se significar, então não pode!” Mas o fato que a prisão preventiva não pode ser empregada, como indicarei na sequência, a título de censura, reprovação, punição, prevenção geral ou especial, seja positiva ou negativa.

    Uma verdadeira custódia cautelar se destina a assegurar o resultado útil do processo, e não para antecipar a execução da pena, como se fosse possível, no meio do caminho, desde logo saltar etapas e aplicar aquilo que deve ser o resultado do processo devido.

    Ademais, penso não ser correto adjetivar essa cláusula como sendo de princípio de presunção de não culpabilidade. Isso tende a mitigar a importância do instituto; cuida-se, isso, sim, de uma garantia constitucional de respeito ao estado de inocência.

    Ao interpretar a Constituição, Suprema Corte julgou alguns precedentes bastante relevantes sobre esse tema, merecendo aqui destaque os seguintes:

    HC 84.078-7/Mg - rel. Min. Eros Grau - a Suprema Corte julgou inconstitucional a execução provisória da pena, por violação do art. , LVII, CF.

    ADIN 162-1/DF - ano de 1989, STF apreciou a validade da MP 111/1989, que criou a prisão temporária. Vale a pena ler a liminar datada de dezembro de 1989. A custódia temporária não pode ser aplicada como prisão automática ou com o fim de apenas facilitar a investigação. Discussão semelhante tem sido travada, ao que consta, na ADIN 4109/DF, com o mesmo objeto, aparentemente.

    ADIN 1570 - O STF julgou inconstitucional o art. da lei 9034/1995, que previa a atuação ex officio dos juízes, na coleta de provas.

    ADIN 3.112 - A Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade da norma que proibia a concessão de fiança, veiculada pelo art. 14 da lei 10.826.

    HC 80.717-8/SP – atente-se para o voto vencido, prolatado pelo Min. Sepúlveda Pertence, no que toca à prisão preventiva para salvaguarda da ordem pública.

    HC 104.339 - o STF reputou inconstitucional, por maioria, a proibição de liberdade provisória veiculada pela lei de drogas. Tema ainda hoje polêmico no âmbito da Suprema Corte.

    HC 95.009-4 – Atentar para o voto do Min. Eros Grau, em cujo âmbito há importante exame da vedação do emprego da ‘proporcionalidade’ como critério para se mitigar direitos fundamentais no âmbito do processo penal.

    Menciono, ademais, os arts. 7º e 8º do Pacto de San Jose da Costa Rica de 1969, promulgado em solo brasileiro em 1992. Ali são preconizadas várias garantias, que complementam a nossa Constituição Republicana, como já reconheceu Suprema Corte, implicitamente, com a lógica da súmula vinculante 25. Esse é um tema que rende ainda muitas reflexões, notadamente no que toca ao duplo grau de jurisdição, anda não reconhecido como efetivo princípio constitucional pela STF (p.ex., RHC 79785/RJ).

    Ainda nesse rastro, a lei 9.714/1998 preconizou a imposição de penas alternativas ao encarceramento (desde que cominada, na sentença, pena de até 04 anos de reclusão, crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa etc.).

    Há inúmeros outros textos relevantes, com destaque para a lei 12.403/2011, responsável por deixar ainda mais manifesto/rebarbativo que a prisão preventiva há ser empregada como medida excepcional, apenas podendo ser aplicada e mantida enquanto isso realmente por indispensável para a obtenção de alguma finalidade legítima, adequada ao art. , LVII, CF. É o que se infere dos atuais arts. 282, 312, 315 e 319, Código de Processo Penal.

    Por sinal, anote-se que esse caráter modulável já vinha prevista na redação original do mencionado Código de 1941, art. 316. Também seria cabível, aqui, algum exame a respeito dos avanços preconizadas pelo projeto de novo CPP, ainda sob discussão junto ao Congresso Nacional. Mas esse é tema para uma outra ocasião.

    Limito-me a mencionar, nesse âmbito, a aparente inversão de sinais, bastante própria do Direito pátrio. A lei 12.403 buscou restringir o emprego da prisão preventiva (p.ex., art. 282, § 6º, art. 313, I etc.). Todavia, em primeiro exame, parece que – na prática – operou-se, isso sim, fenômeno inverso. Houve aumento do controle estatal sobre a liberdade individual, com o emprego corriqueiro de medidas cautelares do art. 319, CPP, sem aparente redução mais significativa do encarceramento ad custodiam.

    A constatação efetiva desse aparente estado de coisas depende, porém, de maior pesquisa empírica, ainda por se fazer.

    Nesse âmbito, também vale a pena mencionar a advertência de Luigi Ferrajoli, quando lamenta o emprego corriqueiro de tais prisões ante tempus, dado o viés meramente policialesco e de verdadeira punição antes que o devido processo tenha se desenvolvido.

    Segue a transcrição, ainda que seja extensa:

    Já ilustrei, no parágrafo 38, os perfis de ilegitimidade do encarceramento preventivo e, por outro lado, o seu abuso crescente na nossa experiência judiciária. Aqueles perfis - por força dos quais a detenção ante iudicium encontra-se em contraste com todos os princípios de um sistema garantista - impõe tratar este instituto como medida preventiva e policialesca, pertencente por esta razão não ao subsistema penal e processual penal ordinário, mas àquele administrativo. É verdade que o encarceramento preventivo é o momento do processo ordinário e é ordenado por um juiz. Todavia, por causa dos seus pressupostos, da sua modalidade e da sua dimensão assumida, tornou-se o sinal mais vistoso da crise da jurisdição, da tendência de tornar mais administrativo o processo penal e, sobretudo, da sua degeneração no sentido diretamente punitivo.

    O instituto, previsto no art. 13, § 5º, da Constituição (a Lei estabelecerá os limites máximos do encarceramento preventivo), desenvolveu-se de forma efetiva no sentido já criticado da função puramente processual, assinalada por Beccaria e ainda hoje pela doutrina progressista: aquele de uma medida cautelar rigidamente circunscrita no tempo e voltada à garantia de justiça, para quem é fortemente indiciado dos delitos de particular gravidade, ainda que subsista o perigo de fuga ou de turvação das provas. O art. 274, c, do novo CPP - da mesma maneira que o art. 4 da Lei 532, de 12.08.1982, que por sua vez havia retomado uma norma ditada pelo art. 1º, § 3º da Lei n. 152, de 22.05.75, em tema de liberdade provisória - assumiu explicitamente a natureza de uma medida de defesa social, incluindo entre os seus pressupostos a periculosidade social do imputado:precisamente o concreto perigo que, pela específica modalidade e circunstâncias do fato e pela personalidade do imputado, este cometa graves delitos com o uso de armas ou outros meios de violência pessoal contra a ordem constitucional ou, ainda, delitos de criminalidade organizada ou da mesma espécie daquele pelo qual se exercita a persecução.

    Esta transformação passou tanto pela via legislativa como pela via judiciária. Antes de tudo, foi fruto de uma interminável série de leis adotadas nos anos de emergência e que tornou uma vez mais o cárcere preventivo uma medida menos excepcional e sempre mais automática. Em segundo lugar, foi efeito de um abuso crescente do instituo por obra de magistrados: pela emissão sistemática de mandados de captura não motivados, com módulos estereotipados e com base em frágeis indícios e, sobretudo pela sua finalização tendente a objetivos ilegítimos, como a constrição do imputado à confissão ou à elisão, por meio de provimento de captura reiterados, das normas referentes ao não encarceramento, em face de decadência dos termos máximos. A mudança do nome contido no art. 11 da Lei 398, de 1.984 - de custódia preventiva para custódia cautelar - não é suficiente para cobrir a mudança em sentido inverso da coisa: não mais medida cautelar, mas pena antecipada ou preventiva na pendência de processo, destinada a impedir a lentidão deste, mas tendo em prática o efeito de favorecê-la...

    (...)

    A metástase legislativa da década passada favoreceu (e, por sua vez, foi favorecida) pelos abusos do instituto na praxe judiciária. De um lado, de fato, a promulgação dos termos encorajou a utilização da captura ante iudicium e determinou, por via reflexa, o alongamento e a expansão desta. De outro lado, o desenvolvimento do cárcere preventivo, como meio de administração ordinária da Justiça, constrangeu, vez a vez, o legislador a predispor termos sempre mais altos em relação a sempre maiores disfunções instrutórias produzidas pela elefantíase dos processos. Produziu-se, em suma, um tipo de espiral, por força da qual a praxe perversa, alimentada pela natureza do instituto, solicitou dela ulteriores perversões legislativas, que acabaram por provocar ulteriores perversões judiciárias e assim por diante.

    O traço inconfundível policialesco do instituto - que foi demonstrado no § 38, com a incompatibilidade em relação a todas as garantias penais e processuais, e antes de toda a presunção de não culpabilidade - resta no caráter arbitrário, em todos os casos não cognitivo, mas potestativo dos seus pressupostos. Pela sua natureza, de fato, não são passíveis de provas ou desmentidos nem a gravidade dos indícios da culpabilidade, tampouco as razoes opinativas que possam fazer supor o perigo de fuga, ou de turvação da prova ou de futuros delitos por parte do imputado. Este último motivo de captura, em particular, é irremediavelmente policialesco e revela o caráter da medida de prevenção e de defesa social verdadeiramente assumido pela custódia cautelar.

    Policialescas, de outra parte, são também as duas funções efetivas - de ordem punitiva e processual - desenvolvidas com prevalência pela polícia. A primeira função é aquela ligada à sua natureza de pena antecipada. Sob tal aspecto, a captura do imputado suspeito imediatamente após o fato representa, indubitavelmente, a medida de defesa social mais eficaz: primeiro se pune, e, depois se processa. Ou melhor: se pune processando. E se configura como a forma mais conspícua da mutação do processo em pena informal de que já se falou no 44.5. Com três diferenças que a tornam mais pesadamente punitiva do que a própria pena. Antes de tudo, a captura épreventiva em um duplo sentido: no sentido de que tem um papel de prevenção geral não baseado, contudo, como aquele da pena, na ameaça legal, mas diretamente no caráter exemplar da sua irrogação judiciária. E no sentido de que são preventivas as medidas, sendo cominadas não apenas com base nas provas, mas na simples suspeição de culpabilidade, ou, pior, na presunção de periculosidade social do réu. Em segundo lugar, realiza uma regressão à pena publicizada conjunta ao segredo do processo que foi própria do Ancien Régime. Também na hodierna sociedade de comunicação de massas, de fato, tanto são públicas, espetaculares e estigmatizantes as captura e a acusação que sobre ela se faz, quanto são secretos o processo, as provas e as escusas instrutórias.

    Enfim, esta é mais aflitiva do que a pena em sentido próprio, não sendo aliviada com nenhuma das medidas alternativas e dos variados benefícios previstos para a pena no ordenamento carcerário. Surge aqui exatamente o contrário do quanto foi teorizado pela tradição penal liberal - de Hobbes a Filangieri e a Carrara -, a qual admitiu a custódia preventiva apenas diferenciada pela pena ou da pena pelo seu caráter menos vexatório e menos restritivo a direitos do detento.

    A segunda função hoje assumida pelo cárcere preventivo é aquela diretamente inquisitória. De forma cada vez mais comum a captura é ordenada, e sobretudo mantida, para constranger o imputado a confessar ou colaborar. Este uso do cárcere como meio de intimidação e de pressão sobre o imputado é tipicamente policialesco. Os métodos de polícia (no sentido pejorativo) - forçar o suspeito torturando-o e impondo-lhe sofrimentos e expiações - entram através dele no costume judiciário. E o processo novamente se rebaixa a uma relação de força com o imputado, induzido à confissão e à delação pelo temor do cárcere e pela esperança da liberdade, e a acusação pública, que auto-reflexivamente experimente in corpore vili, como na antiga tortura, as suas hipóteses acusatórias. Agregue-se a distorção já acenada dos tempos e das fases do processo: o debate fica diminuído e, por assim dizer, esvaziado em relação à simultânea expansão - seja penal ou processual - e de um lado, da fase de investigações; na qual se prejulga o juízo e se pré-pune o imputado; de outro lado, na fase executiva, na qual se pós julga o condenado e se (re) determina concretamente a pena. Similar convergência encoraja a defesa a freqüentemente fazer acordos tendo como base uma pena injusta, mas reduzida, rápida e ulteriormente negociável e que pode ser ainda mais reduzida em sede executiva, tomando a forma de benefícios e medidas alternativas, tudo isso para se evitar a manutenção por anos do pesado regime da detenção preventiva. [58]

    Ainda sobre a execução provisória da pena

    O magistrado Adeildo Nunes leciona que "A lei federal 7210, de julho/1984, desde a sua vigência consagra regras claras e precisas sobre a execução definitiva da pena de prisão, ou seja, admitindo a sua iniciação somente após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Sabe-se, entretanto, que outros pressupostos processuais existem para o início da execução, principalmente que a autoridade judiciária sentenciante expeça a Guia de Recolhimento necessária." [59]

    Vê-se que, como bem explica Adeildo, a deflagração da execução penal depende da conjugação dos seguintes requisitos: a existência de sentença penal condenatória transitada em julgado, que a sanção imposta seja a privação da liberdade e que o requerido encontre-se custodiado.

    Essa também foi a solução adotada pelo STF ao julgar o HC 84.078 e HC 88.741. Reconheceu-se então, repiso, que a sanção criminal apenas poderia ser cumprida depois do trânsito em julgado da sentença condenatória. Esses julgados infirmaram, pois, a Resolução 19, de 29 de agosto de 2006, do Conselho Nacional de Justiça, que determina a expedição de guia de execução provisória, mesmo quanto aos réus que hajam respondido o processo em liberdade.

    Ora, é evidente que a execução provisória da sentença penal condenatória implica a antecipação da pena, dado que pendente a apreciação de recurso suscetível de eventualmente modificar o julgado. Cuida-se de uma prisão ad poenam (i.e., prisão-sanção), e não efetivamente uma privação de liberdade cautelar (prisão ad custodiam).

    Adeildo Nunes diz o que segue:

    As críticas feitas à execução provisória - por sinal, com muito acerto - dizem respeito à sua inconstitucionalidade. Em primeiro lugar porque estaria o juiz executando a pena de alguém que ainda não é considerado culpado - princípio constitucional da inocência -, o que é verdade, pois nossa Constituição Federal só considera culpado aquele que tem contra si uma sentença penal condenatória transitada em julgado. Por outro lado, se o Tribunal anular a sentença penal condenatória, pior será, pois se estará executando a pena de alguém que sequer foi condenado - portanto, uma pessoa que não foi julgada pela Justiça, e já sendo objeto de execução da pena. É claro, destarte, que nesse caso caberia ao acusado ajuizar ação de indenização contra o Estado, que por certo vingaria. [60]

    O tema envolve, todavia, conhecida polêmica, sobremodo por força da significativa demora na apreciação dos recursos e por conta da diluída percepção social de haver muita impunidade em solo nacional.

    Também nesse âmbito, destarte, o juízo de conveniência ou oportunidade (i.e., exame político) a respeito da solução adotada no HC 84.078 dependia de uma tomada de posição, por parte do intérprete, a respeito dos valores albergados pela Lei Fundamental. Como é notório, há nítido antagonismo entre uma visão liberal e uma visão comunitarista a respeito da validade da execução penal. [61]

    Em entrevista ao Jornal Folha de São Paulo, o Ministro Gilmar Mendes já havia sustentado o que segue:

    "Jornalista - Sabe que, a propósito disso, o ex-ministro agora Cezar Peluso defendia uma reforma que reduzisse o número de instâncias recursais. Teria que ser uma emenda constitucional. Havia dúvidas se era constitucional ou não fazer isso. Qual a sua opinião sobre isso para abreviar o tempo entre o processo e os diversos julgamentos e o cumprimento da pena?

    Eu tenho a impressão que nós caímos numa cilada. Inicialmente, acho que foi até o próprio ministro Peluso como relator que consagrou a tese, que era questionada no Supremo Tribunal Federal, a propósito da necessidade de que houvesse trânsito em julgado para mandar alguém ao presídio. Essa foi a tese por ele sustentada em razão dos múltiplos abusos que se perpetravam e deixou alguma válvula de escape para aqueles casos em que, com a sentença, já se justificasse a prisão provisória nos casos de crimes organizados, casos de continuidade delitiva etc. Mas foi ele mesmo que defendeu essa tese. O Tribunal a sufragou. Creio que por uma ampla maioria. Depois se viu que isso estava se resultando no final num quadro de impunidade porque as pessoas recorrem e passam a recorrer abusivamente agora para o STJ e depois para o Supremo Tribunal Federal. Eu tenho a impressão de que a resposta pode se dar no próprio plano legislativo e até no plano jurisprudencial.

    jornalista - Como assim?

    Podemos tanto dizer que a partir do 2º grau já pode ocorrer a prisão se o juiz assim avaliar, se o Tribunal assim avaliar. Vamos estar consoantes com todas as declarações de direito, inclusive com a Convenção Interamericana de Direitos. Portanto, não acredito que haja aqui tantos problemas.

    Mas não é necessário fazer uma emenda constitucional para…

    Não. Não é necessário fazer uma emenda. E aquela emenda, que foi chamada “PEC Peluso” tinha ainda um problema porque ela dizia que quase todas as decisões — e aí não era só na esfera penal, mas também na esfera civil em geral — já teriam força executória com a decisão de 2º grau. E aí nós teríamos uma grande insegurança por quê? Porque as decisões do Supremo e do STJ virariam algo lítero-poético-recreativo, não é? Com todos problemas que nós dizemos. Acabou se atirando no que vira e acertando no que não vira. Em suma, não foi uma boa proposta. Eu acho que vale como metáfora. Quer dizer, nós precisamos melhorar a justiça criminal. E eu acho que nesse ponto a mensagem da PEC Peluso é interessante. Acho que isso tem que ser prioridade mesmo.

    Jornalista - Mas teria que ser feito no âmbito do próprio Judiciário

    No âmbito do próprio Judiciário e também… Quer dizer, pode-se fazer uma revisão ou assentar isso em regras de processo penal. Não é preciso, portanto, uma emenda constitucional para isso.

    Jornalista - Mas para que um leigo entenda, seria necessário que talvez uma súmula vinculante, alguma decisão…
    Dizer que em caso tais, em 2º grau e com a condenação já se cumpra [a pena]. Ontem, por exemplo, nós tivemos aquele caso de um deputado de Rondônia [Natan Donadon] já nos segundos embargos de declaração. Tecnicamente, não houve trânsito em julgado, mas o Tribunal disse: “Agora já é abusivo. Vamos considerar, portanto, fictamente que já transitou em julgado.” Manda-se executar a decisão. Não é mais passível de recursos. Então, talvez nós tenhamos que ter algum tipo de referencial a partir do 2º grau e deixar o Tribunal avaliar se é o caso de fazer-se logo o decreto de prisão.

    Jornalista - O sr. mencionou o caso do deputado Natan Donadon, do PMDB de Rondônia. Ele foi condenado já no Supremo Tribunal Federal no ano de 2010 a 13 anos de reclusão por formação de quadrilha e peculato. Em 2010. Nós estamos em 2013. Nesse caso o sr. acha que o Supremo poderia, talvez, antes ter tomado a decisão que tomou nesta semana?

    Isso é um aprendizado, Fernando. Nós agora que estamos tendo a oportunidade de chegar ao fim de um julgamento penal. Porque antes — como se sabe, embora tenha se alardeado que o Supremo não julgava, não gostava — na verdade, não havia licença para que os processos fossem submetidos, uma vez que os processos dependiam de licenças da Câmara ou do Senado. Nós estamos nesse aprendizado. E o Tribunal é muito cioso na observância — e tem que ser — dos direitos e garantias individuais porque a decisão reflete não somente no caso, mas também tem um efeito irradiador para todo o sistema jurídico, jurídico-penal, se for o caso. Mas esse é um bom exemplo. Eu tenho a impressão que no futuro nós teremos que, decidindo um caso em matéria criminal, teremos que expedir logo a ordem de prisão e não ficarmos a esperar embargos de declaração, que saiam embargos infringentes ou embargos para Deus. Em suma, não faz sentido." [62]

    Não há maior controvérsia, todavia, no que toca ao cabimento da execução provisória quando benéfica ao próprio acusado, i.e., quando já se encontre submetido a uma prisão cautelar validamente imposta e validamente prorrogada pelo juízo natural da causa, ou quando cumpra pena por conta de algum outro título condenatório:

    "3. Embora a doutrina e jurisprudência dominantes posicionem-se no sentido da impossibilidade de expedição de guia de execução provisória na pendência de recurso da acusação (STJ, HC nº 42.877/SP, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. em 15/09/2005, v.u., DJ de 17/10/2005, pág. 323), estando a questão disciplinada no âmbito deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região pelo Provimento nº 64/2005 da Corregedoria Geral, não parece ser esta a melhor solução.

    4. O título que legitima a manutenção dos pacientes no cárcere é, na atualidade, a condenação penal recorrida, na forma do artigo 594 do Código de Processo Penal, já que como eles se achavam presos cautelarmente no curso da instrução, a mesma cautelaridade recomendou que a prisão se mantivesse. Mas esse tempo de prisão ficará sujeito à detração penal, ou seja, será descontado da pena definitiva e será usado para todos os demais fins penais, especialmente progressão de regime, e até liberdade condicional se o caso." [63]

    Vê-se que, mesmo antes da recente alteração do entendimento por parte da Suprema Corte (HC 126.292), já havia sinais de que aquele precedente anterior (HC 84.078) seria alterado. É o que se infere também da conhecida PEC-Peluso (Proposta de EC 15/2011, Senado).

    Abstraio, todavia, um exame mais detalhado dos possíveis motivos pragmáticos que teriam ensejado referida alteração de leitura da Lei Maior, à exemplo da jurisprudência defensiva, percalços enfrentados pela Corte no julgamento – enquanto corte originária – do mérito da ação penal 470 etc.

    Por ora, ao que releva, é o caso de transcrever a conhecida súmula 716, STF:

    Súmula 716 - Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

    Menciono também que a jurisprudência consolidou o entendimento de ser incabível a execução provisória quando em causa medidas de segurança, sursis ou a aplicação de penas não privativas de liberdade (art. 44, Código Penal), como ilustram as ementas abaixo:

    “HABEAS CORPUS” - PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS - IMPOSSIBILIDADE DE SUA EXECUÇÃO DEFINITIVA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA PENALCONDENATÓRIA - PEDIDO DEFERIDO.

    - As penas restritivas de direitos somente podem sofrer execução definitiva, não se legitimando, quanto a elas, a possibilidade de execução provisória, eis que tais sanções penais alternativas dependem, para efeito de sua efetivação, do trânsito em julgado da sentença que as aplicou. Lei de Execução Penal (art. 147). Precedentes. [64]

    HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. EXECUÇÃO CRIMINAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME MILITAR. CONDENAÇÃO MANTIDA EM SEDE DE APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL ADMITIDO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. ORDEM CONCEDIDA.

    1. Segundo a novel orientação desta Corte Superior, ratificada pela Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não se conhece de habeas corpus impetrado em substituição a recurso próprio. 2. A inadequação da via eleita, todavia, não desobriga esta Corte Superior de fazer cessar manifesta ilegalidade que resulte no cerceamento do direito de ir e vir do paciente. 3. O Superior Tribunal de Justiça tem proclamado não se admitir a execução da pena antes do esgotamento das vias recursais, exigindo-se o trânsito em julgado da condenação. 4. A suspensão condicional da pena, a exemplo do que ocorre com as penas restritivas de direitos, tem nítida natureza punitiva e sancionatória, constituindo-se verdadeira modalidade de execução da condenação, sendo inadmissível, portanto, o seu cumprimento na forma provisória. 5. Impetração não conhecida. Ordem concedida de ofício para determinar que o cumprimento da suspensão condicional da pena se inicie apenas após o trânsito em julgado da condenação. ..EMEN: [65]

    EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS. FALSIDADE DE ATESTADO MÉDICO. CONTRADIÇÃO VERIFICADA. IMPETRAÇÃO CONTRA INDEFERIMENTO DE LIMINAR NA ORIGEM. SUPERAÇÃO DA SÚMULA 691/STF, APENAS, QUANTO À TESE DE IMPOSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. PARCIAL CONHECIMENTO DO WRIT. 1. Habeas corpus impetrado em face de decisão indeferitória do pedido de liminar proferida pelo Desembargador Relator do writ originário. Incidência, em regra, da súmula n.º 691 do Supremo Tribunal Federal. Superação da súmula, com o deferimento da liminar e posterior concessão da ordem, diante da flagrante ilegalidade do ato coator, apenas, no que diz respeito, à tese de que as penas restritivas de direitos somente poderiam ser executadas após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. 2. Na medida em que a tese de prescrição da pretensão punitiva não foi reconhecida como ilegalidade flagrante, a ensejar a mitigação da súmula 691 da Suprema Corte, o conhecimento do habeas corpus restringiu-se, tão somente, à arguição relativa à impossibilidade de execução provisória da pena restritiva de direitos. 3. Merece, pois, reparo, em parte, o acórdão embargado, justificando o acolhimento dos presentes embargos, a fim de que seja sanada a contradição, já que o conhecimento do writ foi parcial. 4. Embargos parcialmente acolhidos para, emprestando-lhes efeitos modificativos, conhecer parcialmente do habeas corpus e, nessa parte, conceder a ordem. ..EMEN: [66]

    HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. RÉU INIMPUTÁVEL. MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO. MANDADO DE CAPTURA CUJA EXPEDIÇÃO FOI DETERMINADA INCONTINENTI NO JULGAMENTO DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ATO DESPROVIDO DE QUALQUER FUNDAMENTAÇÃO NO PONTO. MEDIDA QUE SÓ PODE SER APLICADA APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO. ART. 171 DA LEI DE EXECUCOES PENAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA. 1. Na hipótese, a Corte a quo, ao julgar recurso em sentido estrito interposto contra a sentença que impronunciou o Paciente, determinou incontinenti, sem qualquer fundamentação no ponto, a expedição de mandado para captura do Paciente, inimputável, para imediata aplicação de medida de segurança de internação. 2. A medida de segurança se insere no gênero sanção penal, do qual figura como espécie, ao lado da pena. Se assim o é, não é cabível no ordenamento jurídico a execução provisória da medida de segurança, à semelhança do que ocorre com a pena aplicada aos imputáveis, conforme definiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do HC n.º 84.078/MG, Rel. Min. EROS GRAU. 3. Rememore-se, ainda, que há regra específica sobre a hipótese, prevista no art. 171, da Lei de Execucoes Penais, segundo a qual a execução iniciar-se-á após a expedição da competente guia, o que só se mostra possível depois de "transitada em julgado a sentença que aplicar a medida de segurança". Precedente do Supremo Tribunal Federal. 4. Ordem de habeas corpus concedida. ..EMEN: [67]

    HABEAS CORPUS. PECULATO. PACIENTE SEMI-IMPUTÁVEL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. MEDIDA DE SEGURANÇA. IMPOSIÇÃO DE TRATAMENTO EM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO. AUSÊNCIA DE PERICULOSIDADE. EXECUÇAO PROVISÓRIA INCABÍVEL. - A medida de segurança, que impõe custódia de inimputável em hospital para tratamento psiquiátrico, executa-se após o trânsito em julgado da sentença, mediante a expedição da guia de internamento - art. 171, da Lei de Execucoes Penais. - A necessidade de tratamento médico não impede a paciente de continuar livre, enquanto aguarda o julgamento da apelação, especialmente quando inexistem indícios de periculosidade que justifiquem a medida extrema da internação antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. - Concessão da ordem de habeas corpus. [68]

    A conjugação da súmula 716, STF, com o precedente anterior (HC 84.078/MG) implicava que a execução provisória apenas seria legítima quando promovida em favor do status libertatis. Ou seja, em favor de quem já se encontrasse validamente preso, por força de uma prisão preventiva, desde que ela houvesse sido validamente decretada e validamente prorrogada.

    E isso pelo motivo singelo – outro truísmo que deve ser repetido – de que uma cautelar não pode ser mais gravosa do que a eventual sanção a ser cominada, caso a imputação penal venha a ser julgada procedente, ao final do processo. A cautelar deve ser empregada como mecanismo instrumental, destinado a assegurar a escorreita aplicação da lei.

    A prisão ante tempus não pode, tanto por isso, disfarçar verdadeira aplicação de pena antes do momento adequado, como bem explicitam Canotilho e Vital Moreira no texto que acima transcrevi.

    Um outro ponto a ser examinado diz respeito ao alcance do art. 283, CPP, cujo conteúdo não foi expressamente declarado inconstitucional pelo STF. Fica a impressão, portanto, de que –diante da solução dispensada ao HC 126.292 -, o STF teria sinalizado ao Congresso não haver problemas de constitucionalidade, a seu ver, na execução provisória.

    Todavia, abstraindo os problemas próprios à vedação do art. 5, LVII, CF, também é fato que não há como se passar por cima da legislação que trata da matéria, e o faz de modo rebarbativo e expresso (alteração promovida pela lei 12.403/2011):

    Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

    § 1o As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade.

    § 2o A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio.

    Lex habemus! Então, para além dos problemas inerentes à incabível relativização, venia concessa, de efetiva regra constitucional – verba accipienda ut sortiantur effectum -, remanesce tambémo problema quanto à latente agressão ao art. 37, caput, Lei Maior, que submete toda a Administração Pública ao postulado da legalidade, tema que ganha dimensão ainda maior quando se trata da restrição da liberdade humana.

    Isso tudo não significa que reformas não sejam cabíveis e até mesmo necessárias. Todavia, o caminho para tanto passa necessariamente pela reformulação dos critérios de admissão dos recursos de caráter especial. Desde que as imputações, as provas, as garantias etc. sejam examinadas, de modo acurado e denso, pelo Juízo de primeira instância e também por um efetivo Colegiado, não há maiores óbices que haja aludida limitação à tramitação de recursos.

    Claro que, em tal caso, cuidar-se-á de um exame de conveniência e oportunidade, a ser promovido pelo Congresso Nacional, com exame da realidade empírica vigente em solo brasileiro..., aquela mesma que o próprio Supremo Tribunal reconheceu como sendo um “estado de coisas inconstitucional” (ADPF 347).

    Eu poderia escrever muito mais sobre esse interessante tema – comparando-o, por exemplo, com o projeto de novo CPP ou mesmo com outras teorias que tratam da hermenêutica constitucional, com destaque para a aletheia heideggeriana. Acredito, todavia, já ter cansado aqueles que conseguiram chegar até esse ponto, razão pela qual impõe-se a conclusão.

    Arremate Convém enfatizar os seguintes tópicos: (a) Em primeiro lugar, convém dizer que a invocação da ‘teoria da proporcionalidade’ não pode se prestar como mera muleta retórita. Ela não pode servir de mero verniz para dar coloridos de tecnicidade, ocultando verdadeiras escolhas arbitrárias, fundadas no gosto ou vontade de cada intérprete. Ninguém é obrigado a ser adepto da teoria da proporcionalidade – pessoalmente, guardo inúmeras reservas à sua construção! -, mas, caso a aplique, deve ser coerente e consistente com as premissas em que ela se ampara. (b) Com efeito, caso aludido critério de solução de conflitos normativos seja realmente aplicado, convém atentar, então, para as próprias categorias em que se apóia. Ou seja: a diferenciação entre princípio e regra. (c) Claro que as normas, sejam elas normas princípios ou normas regras, são obtidas mediante atribuição de sentido ao texto do qual promanam. Não pode se tratar, porém, de uma espécie de ‘robisonada’ – expressão de Gadamer -, eis que a interpretgação demanda o respeito às balizas de uso do idioma e também à tradição constitucional. (d) Todavia, depois de reconhecido o conteúdo da norma – i.e., norma regra ou norma princípio – convém ter em conta que ‘verdadeiros princípios constitucionais’ para a teoria alexyana não se confundem com aquilo que corriqueiramente os juristas denominam de ‘princípios de direito’. Legalidade tributária é uma norma regra, e não um princípio, eis que ela incide na base do tudo ou nada, salvo as exceções expressas no próprio texto constitucional (relação norma geral e suas exceções pontuais). (e) Não se pode ponderar regras constitucionais ou relativizar regras constitucionais, invocando pretensos princípios imaginados pelos intérpretes. Não se pode autorizar a interceptação telefônica no âmbito do Direito de Família, invocando o princípio da afetividade, proteção da criança etc. O art. , XII, CF, veicula uma regra, eis que incide na base do tudo ou nada. E retrata uma opção já tomada pela Constituição, eis que limitou o cabimento da medida apenas às apurações ou arguições criminais, preenchidos os demais requisitos de lei. (f) Isso tudo deve ser dito para enfatizar que, por exemplo, o art.º, XII,CFF veicula uma ‘regra’, e não um ‘mandado de otimização’. Cuida-se de uma regra inequívoca que interdita solução contrária por parte do intérprete. Reitero, aqui, a menção à obra de Canotilho e Vital Moreira, quanto ao alcance do art. 32º da Constituição de Portugal de 1976, em tudo semelhante ao dispositivo brasileiro. (g) Por conseguinte, é inconstitucional, venia concessa, a execução provisória da pena. Sem dúvida que reformas são cogitáveis, o que passa pela eventual restrição – se isso for reputado conveniente/adequado pelo Congresso – do cabimento de recursos de caráter excepcional. Abstraio, aqui, exame a respeito do alcance do direito fundamental ao ‘duplo grau de jurisdição’ – por sinal, não reconhecido pela Suprema Corte ao julgar o caso ‘Jorgina de Freitas’ (STF, RHC 79785/RJ). (h) O que não se pode admitir, permissa venia, é que a opção promovida pelo art.º, LVII,CFF, seja desconsiderada. Nesse particular, a comparação com o direito estrangeiro conta pouco... Cabe à jurisdição constitucional garantir a aplicação da Constituição da Republica Federativa do Brasil, cumprindo o exame então do alcance de textos semelhantes ao do art. , LVII, CF – como é o caso, repiso, da legislação portuguesa/1976. (i) Claro que isso pode não ser totalmente compreendido por uma sociedade persecutória que tem apostado continuamente no Direito Penal como resposta social para problemas altamente complexos. Sei bem que há uma verdadeira claquete, no momento, cobrando mais punição – em verdadeiro anátema das garantias fundamentais. (j) O problema da liberdade em face do Estado é que ela funciona em sistema de rede. Cada garantia que é mitigada, cada nó que é rompido, é um esgarçamento a mais nos limites que deveriam conter o Leviatã. Hoje, diante da compreensível sensação de insegurança frente ao próximo, parece que todos querem um Leviatã para chamar de seu. Com isso, agiganta-se o Estado de Polícia, verdadeiro dragão adormecido em todo e qualquer Estado de Direito. (k) Para além de todas essas questões, remanesce também o detalhe fundamental de que a Suprema Corte não chegou a declarar, com caráter erga omnes, a alegada inconstitucionalidade do art.2833,CPPP, cuja redação expressamente veda, a contrario sensu, a execução provisória da sentença criminal. Tanto por isso, aludida norma continua vigendo, não podendo ser desconsiderada ao talante dos juízes (art. 37, CF).

    Enfim... essa é uma pontual reflexão, sem pretensão alguma de se ter resposta inexorável para problemas dessa ordem. Defende-se aqui, todavia, a concepção de que a Constituição realmente interdita qualquer espécie de execução provisória de pena criminal, exceto quando se tratar de alguém cuja liberdade já tenha sido restringida por uma prisão preventiva legitimidade decretada e legitimamente mantida (súmula 716, STF)

    Isso não impede que haja reformas – algumas das tais até mesmo salutares -, mas desde que toquem de perto à questão alusiva ao cabimento de novos recursos depois de apreciada a apelação. No final das contas, isso pode até ser mais gravoso do que a execução provisória (o que não desconheço).

    Mas, a ser assim, cuidar-se-á de uma análise de outra ordem, exigindo-se o exame da vedação de retrocesso, qualidade das deliberações colegiadas, necessidade de que os Tribunais Superiores deixem de funcionar como verdadeiras Cortes de Cassação e assim por diante. Cuidar-se-á, então, de um efetivo juízo político, a ser resolvido na arena adequada: o Congresso.

    Flavio Antônio da Cruz é Doutor em Direito do Estado pela UFPR, Bacharelando em matemática e Juiz Federal Substituto.
    REFERÊNCIAS 1 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Juízo de ponderação na jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 131. 2 PULIDO, Carlos Bernal. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales: el principio de proporcionalidad como criterio para determinar el contenido de los derechos fundamentales vinculantes para el legislador. 3. ed. Madri: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007. 3 PULIDO, Carlos Bernal. Op. cit., p. 42. 4 Idem, p. 50-51. 5 Idem, p. 81. 6 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 2002, p. 240. 7 Bernal Pulido emprega a distinção promovida por Robert Alexy entre posições e normas jurídicas. Sustenta que “As posições de direito fundamental são relações jurídicas entre os indivíduos ou entre os indivíduos e o Estado. Como tais, as posições de direito fundamental são uma espécie de ampla gama de relações jurídicas existentes no Direito.” PULIDO, Carlos Bernal. Op. cit., p. 85. 8 HÄBERLE, Peter. El estado constitucional. Tradução do alemão para o espanhol por Hector Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autônoma de México, 2003. 9 ELSTER, Jon. Ulisses liberto: estudos sobre racionalidade, pré-compromisso e restrições. Tradução de Cláudia Sant'Ana Martins. São Paulo: Editora UNESP, 2009. 10 BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Tradução de José Manuel M. Cardoso da Costa. Coimbra: Almedina, 1994, p. 49-50. 11 CUNHA, Paulo Ferreira da. Constituição, Direito e utopia: do jurídico-constitucional nas utopias políticas. Coimbra: Coimbra Editora, 1996. 12 PULIDO, Carlos Bernal. Op. cit., p. 94. 13 Idem, p. 103. 14 Idem, ibidem. 15 Idem, p. 104. 16 Idem, ibidem. 17 Idem, p. 116. 18 Idem, p. 126. 19 Idem, p. 133. 20 Idem, p. 134. 21 No Brasil, essa diferenciação tem sido alvo da crítica de Lênio Streck, quem argumenta: “Não se nega que possam existir casos fáceis; o problema está no fato de que é impossível uma institucionalização de casos fáceis e casos difíceis. No plano da fenomenologia hermenêutica, mesmo em face de uma suficiência ôntica que se expresse em um caso simples (raciocínio causal-explicativo), já estarão dadas – em face da pré-compreensão – as condições para um ‘ir além’, na direção de um acontecimento (ontológico), isto é, mesmo que o acontecer possa se dar de forma objetivada, sempre já existe um indicador a partir do qual essa objetivação faz sentido. Definitivamente, o intérprete não escolhe o sentido que melhor lhe convier. O intérprete também não escolhe o que seja um caso fácil e um caso difícil. O resultado da interpretação não é um resultado de escolhas majoritárias e/ou produto de convencionalismos. Não se trata, evidentemente, de verdades ontológicas no sentido clássico. Claro que não! Os sentidos não estão nas coisas e, tampouco, na consciência de si do pensamento pensante. Os sentidos se dão intersubjetivamente. Consequentemente, na medida em que essa intersubjetividade ocorre na e pela linguagem, para além do esquema sujeito-objeto, os sentidos arbitrários estão interditados.” STRECK, Lênio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 253. 22 As modernas teorias da derrotabilidade normativa têm enfatizado, porém, que essa concepção de ‘caso fácil’ pode ser ilusória: mesmo no âmbito de regras, aparentemente inequívocas, podem surgir várias dúvidas sobre a sua aplicação. Observe-se, p.ex., a regra que proíbe a condução de veículos acima de 40 km/h nos arredores de escolas. Pergunta-se: essa norma deve ser aplicada mesmo quando for feriado? E quando a escola em questão abrigar apenas aulas para adultos? Confira-se HART, Herbert L.A. O conceito de direito, p. 137; FIGUEROA, Alfonso García. La incidencia de la derrobatilidad de los principios iusfundamentales sobre el concepto de derecho in Diritto & questioni pubbliche, n. 3, 2003, p. 205; BAYÓN, Juan Carlos. Derrotabilidad, indeterminación del derecho y positivismo jurídico in Iso, 2000, p. 87-117. 23 PULIDO, Carlos Bernal. Op. cit., p. 147. 24 Idem, p. 150. 25 Idem, p. 162. 26 Idem, p. 166. Sobre a crítica de Böckenforde, leia-se também BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Juízo de ponderação na jurisdição constitucional, p. 68-71. 27 SCHLINK, Bernhard; PIEROTH, Bodo. Direitos fundamentais. Tradução de Antônio Franco e Antônio Francisco de Souza. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 135-137. PULIDO, Carlos Bernal. Op. cit., p. 168-169. 28 PULIDO, Carlos Bernal. Op. cit., p. 170-171. 29 Idem, p. 177. 30 Idem, p. 179. 31 Idem, p. 181. 32 PULIDO, Carlos Bernal. Op. cit., p. 192. 33 LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad, p. 460-462, traduziu-se. Ele também sustenta, em p. 601: “Fala-se com frequência da valoração de bens e ponderação de interesses. Essa posição conta como positivista na medida em que sustenta que a decisão jurídica (venha da lei ou do juiz) seria válida, ainda que se reconheçam interesses e consequências jurídicas distintas daquelas que foram tidas quando se tomou a decisão.” 34 HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms: contributions to a discourse theory of law and democracy. Tradução do alemão para o inglêrs por William Rehg. Massachusetts: The MIT Pre, Cambrigde, 1996, p. 210 e ssss. 35 Idem, p. 576-577. Veja-se também BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Juízo de ponderação na jurisdição constitucional, p. 146-157. 36 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 165. 37 AARNIO, Aulis et al. Bases teóricas de la interpretación jurídica. Madri: Fundación Coloquio Jurídico Europeo, 2010, p. 15-17. 38 DWORKIN, Ronald. Justice for hedgehogs. Londres: The Benknapf Press of Harvard University Press, 2011, p. 23-39. Ainda sobre a teoria de Dworkin, recomenda-se a leitura de GUEST, Stephen. Ronald Dworkin. Trad. Luís Carlos Borges. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. 39 PULIDO, Carlos Bernal. Op. cit., p. 579. 40 Confira-se com ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madri: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 86-87. 41 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 60: “A proposta aqui defendida diferencia-se das demais porque admite a coexistência das espécies normativas em razão de um mesmo dispositivo. Um ou mais dispositivos podem funcionar como ponto de referência para a construção de regras, princípios e postulados. Ao invés de alternativas exclusivas entre as espécies normativas, de modo que a existência de uma espécie excluiria a existência das demais, propõe-se uma classificação que alberga alternativas inclusivas, no sentido de que os dispositivos podem gerar, simultaneamente, mais de uma espécie normativa. Um ou vários dispositivos, ou mesmo a implicação lógica deles decorrente, pode experimentar uma dimensão imediatamente comportamental (regra), finalística (princípio) e/ou metódica (postulado).” 42 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. SP: Malheiros, 2.008, p. 90-91. Na edição espanhola, ALEXY. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2001, p. 87-88. 43 PULIDO, Carlos Bernal. Op. cit., p. 580. 44 KLUG, Ulrich. Lógica jurídica. Trad. J. C. Gardella. Bogotá: Temis, 2004, p. 93 e ss. 45 PULIDO, Carlos Bernal. Op. cit., p. 585. 46 Ao contrário do que sustentou Otto Bachof, ao se deparar com preceitos racistas, em algumas das constituições de nações européias. BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Tradução de José Manuel M. Cardoso da Costa. Coimbra: Almedina, 1994, p. 49-50. 47 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 140. Alexy sustenta, porém, que o Tribunal Constitucional Federal alemão não tem acolhido uma primazia absoluta do nível das regras constitucionais: “A relação de primazia entre os dois níveis não é, portanto, uma primazia estrita. Na verdade, aplica-se a regra de precedência, segundo a qual o nível das regras tem primazia em face do nível dos princípios, a não ser que as razões para outras determinações que não aquelas definidas no nível das regras sejam também fortes que também o princípio da vinculação ao teor literal da Constituição possa ser afastado. A questão da força dessas razões é objeto de argumentação constitucional.” Cumpre ter em conta, não obstante essa argumentação, que a própria Constituição já dispõe sobre os casos em que as regras de direitos fundamentais devem ser mitigadas (Estado de Sítio, Estado de Defesa). Logo, o plano das regras constitucionais deve prevalecer sobre o plano dos princípios! 48 WOLTER, Jürgen apud ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra, 1992, p. 38. 49 Para Humberto Ávila, a distinção seria empregada de modo meramente heurístico, funcionando como modelo provisório de trabalho, “sem, no entanto, assegurar qualquer procedimento estritamente dedutivo de fundamentação ou de decisão a respeito desses conteúdos.” ÁVILA, Humberto. Op. cit., p. 60. 50 Idem, p. 63. 51 SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção in Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Ano 1, nº 1, 2003, p. 607-630. Disponível em http://direitopiaui.blogspot.com/2007/10/princpioseregras-mitoseequvocos.html, acesso em 20.11.2013. 52 SILVA, Virgílio Afonso da. Op. cit., p. 617. 53 Idem, ibidem. 54 Idem, p. 621. 55 Robert Alexy. Teoria dos direitos fundamentais, p. 109. Note-se que já assinalei a necessidade dessa cautela no artigo CRUZ, F. A. Direito fundamental deve ser preservado em qualquer hipótese. Revista eletrônica consultor jurídico. Data de 22.11.2008. 56 BRASIL, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, TJRS, 7ª Câmara Cível, Agravo de instrumento n. 70018683508, rel. Des. Maria Berenice Dias, DJRS 05.04.2007, decisão unânime. 57 Vital Moreira; Gomes Canotilho. Constituição da República Portuguesa anotada. 1ª ed. brasileira, 4ª ed. lusitana. Coimbra Editora: RT Editora, p. 518. 58 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer e outros. São Paulo: RT, 2002, p. 619 e ss. 59 NUNES, Adeildo. Execução da pena e da medida de segurança, p. 147. 60 NUNES, Adeildo. Execução da pena e da medida de segurança, p. 148. 61 Sobre os diferentes ideais de vida-boa (liberalismo, comunitarismo, anarquismo, libertarismo, feminismo etc.), leia-se FORST, Rainer. Contextos da justiça: filosofia política para além do liberalismo e comunitarismo. Tradução de Denílson Luís Werle. São Paulo: Boi Tempo, 2010, p. 17 e ss. KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea. Tradução de Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 39 e ss. 62 MENDES, Gilmar. Entrevista disponível na internet: < http://www1.folha.uol.com.br/poder/ poderepolitica/2013/07/1303469-reforma-politica-via-plebiscito-e-temeraria-diz-gilmar-mendes. shtml.>Acesso em 01.02.2015. 63 BRASIL, TRF da 3ª Rg., HC 200703000991318, Des. Fed. Johonsom Di Salvo, julgamento em 11/04/2008. 64 BRASIL, STF, 2. Turma, HC 89.435, rel. Min. Celso de Mello, decisão de 20 de março de 2007.65 BRASIL, STJ, 6. turma, HC 212.814, rel. Des. Convocada Alderita Ramos de Oliveira, DJE de 28.11.2012. 66 BRASIL, STJ, 5. Turma, EDHC 201100339116, rel. Min. Laurita Vaz, DJE de 05.03.2012. 67 BRASIL, STJ, 5. Turma, HC 226014, rel. Min. Laurita Vaz, DJE de 30.04.2012. 68 BRASIL, TRF5, 3. turma, HC 200705000617670, rel. Des. Fed. Ridalvo Costa, DJ - Data::29/08/2007 - Página::871 - Nº::167.
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