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26 de Abril de 2024
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    A melhor proteção aos direitos da pessoa humana exige a aplicação do princípio pro homine

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    A principal transformação pela qual vimos o Direito passar no século XX foi a centralidade da pessoa humana como titular e destinatária de proteção jurídica, a partir dos direitos fundamentais ou humanos. Entender a proteção da pessoa humana como central para os sistemas jurídicos, sejam eles nacionais, internacionais ou transnacionais é uma exigência advinda do déficit de proteção que afetou a humanidade em alguns momentos trágicos (duas guerras mundiais, ditaduras sanguinárias, etc.).

    Com isso, autores como Antônio Augusto Cançado Trindade inferem o critério da “norma mais favorável a supostas vítimas” a partir das chamadas cláusulas de intepretação existentes em diversos tratados internacionais de direitos humanos1 como mecanismo de majorar a qualidade da proteção dos mais fragilizados, especialmente.

    Sobre a questão, Monica Pinto [2] afirma:

    “El principio pro homine es un criterio hermenéutico que informa todo el derecho de los derechos humanos, en virtud del cual se debe acudir a la norma más amplia, o a la interpretación más extensiva, cuando se trata de reconocer derechos protegidos e, inversamente, a la norma o a la interpretación más restringida cuando “se trata de establecer restricciones permanentes al ejercicio de los derechos o su suspensión extraordinaria”.

    Estas cláusulas de interpretação espraiam-se nos diferentes tratados, fazendo, por vezes, menção expressa à possibilidade de utilização da legislação nacional. A título ilustrativo, no art. 41 da Convenção dos Direitos das Crianças da ONU, lê-se:

    “Nada do estipulado na presente Convenção afetará disposições que sejam mais convenientes para a realização dos direitos da criança e que podem constar:

    a) das leis de um Estado Parte;

    b) das normas de direito internacional vigentes para esse Estado.”

    Significa dizer que tratados internacionais e a legislação nacional podem ser aplicados a partir de uma concepção humanista de modo a se aplicar, em casos de conflitos normativos, não a norma mais importante ou superior, mas a mais protetiva ou menos restritiva aos direitos humanos envolvidos, conquanto mais favoráveis.

    Em sede continental, a Convenção Americana estabelece em seu art. 29 “b) que nenhuma de suas disposições pode ser interpretada no sentido de limitar o gozo de direito ou liberdade reconhecido em lei ou tratado de que o Estado seja também parte”.

    Já a Corte Interamericana alude ao “melhor ângulo para a proteção da pessoa” no Caso Gonzalez y outras ou “Campo Algodonero vs Mexico” (2009). Correlaciona o princípio pro homine com o efeito útil da Convenção Interamericana [3]. Esse efeito útil pode ser deduzido do art. 31.1 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados a estabelecer que: “um tratado deve ser interpretado de boa-fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade”.

    É interessante afirmar que a questão também afeta o relacionamento entre o direito nacionais dos estados-partes da Convenção Europeia de Direitos Humanos e a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, devendo ser preservada a proteção mais efetiva, venha do direito doméstico ou do direito internacional [4].

    Esse instrumento de tomada de decisórias a partir de opções mais favoráveis à pessoa humana, ou princípio pro homine, fez Humberto Henderson classificar as cláusulas pro homine em três tipos para: aplicação da norma mais protetora; conservação de norma anterior mais favorável; e interpretação com sentido tutelar diante de várias interpretações possíveis [5].

    Essa dimensão mais protetiva ou menos restritiva dos direitos humanos envolvidos também tem tomado as cortes nacionais.

    No México, diante da condenação do Estado Mexicano no Caso Radilla Pacheco no ano de 2010, a Suprema Corte de Justiça passou a considerar que todas as autoridades do país, no âmbito de suas competências, têm a obrigação de realizar a interpretação mais favorável à pessoa de modo a lograr a proteção mais ampla; e que a interpretação conforme seja em sentido amplo, de modo a interpretar a ordem jurídica conforme os direitos humanos estabelecidos na Constituição e nos tratados internacionais; e de que a interpretação conforme seja também em sentido estrito, para os casos em que existem várias interpretações juridicamente válidas para determinado preceito, devendo os juízes preferir a interpretação mais de acordo com os direitos humanos estabelecidos na Constituição e nos tratados internacionais [6].

    Ainda no México, tal dimensão alcançou a própria Constituição Federal desde a reforma de 2011, quando se alterou o artigo da Constituição que, desde então, está a afirmar que o princípio pro homine regula a relação entre tratados internacionais (e jurisprudência internacional) e direito interno, ou seja, surgindo eventual conflito prevalecerá a norma mais favorável à pessoa humana.

    No Chile, o princípio favor persona ou pro homine tem seu fundamento no art. , incisos I e IV combinado com o art. 5, inc. II da Constituição chilena, integrando o chamado bloco constitucional de direitos [7].

    Na Colômbia, sua Corte Constitucional aplica o critério da norma mais favorável em razão do disposto no art. 93 da Constituição deste país.

    No Brasil, na linha do Min. Celso Melo (HC 96772), a saída, no STF, tem sido da interpretação judicial como mutação constitucional para aplicar a cláusula pro homine, em observância ao art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos, o que também se nomina de “princípio da máxima eficácia”:

    “O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da ‘norma mais favorável’ (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs” [8].

    É verdade que, neste caso, o STF aplicou a cláusula pro homine via bloco de constitucionalidade e sem responder o que ocorreria se a melhor proteção adviesse de normas de mais baixa hierarquia. Ademais disso, sem se perguntar sobre a jurisprudência interamericana ou internacional em matéria de vedação de prisão civil [9]. Sobre o tema, André de Carvalho Ramos corretamente afirma que “no Brasil, essa modalidade fez surgir uma nova espécie de norma: os tratados internacionais nacionais. O modo de criação dessa espécie tipicamente brasileira é o seguinte: o Brasil ratifica tratados e reconhece a jurisdição de órgãos internacionais encarregados de interpretá-los; porém, subsequentemente, o Judiciário nacional continua a interpretar tais tratados nacionalmente, sem qualquer remissão ou lembrança da jurisprudência dos órgãos internacionais que os interpretam”.

    O que se pretende, com as afirmações anteriores, é demonstrar que a decisão jurídica, mais do que apontar para afirmações sobre a hierarquia das normas, anterioridade ou especialidade (critérios estruturais), deve atentar para coordenação da aplicação de normas a partir de um critério substancial (pro homine) em que leis, constituições, tratados, jurisprudência nacional e internacional se impõem unicamente pela intensidade da proteção que emanam.

    A preferência, assim, deve ser pela maior proteção ou pela menor restrição aos direitos envolvidos, independentemente de onde advenham essas normas jurídicas [10].

    Luiz Guilherme Arcaro Conci é professor da Faculdade de Direito da PUC-SP, onde coordena o curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Constitucional. Professor Titular de Ciência Política e Teoria do Estado da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo – Autarquia Municipal. Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP, com estágio pós-doutoral na Universidade Complutense de Madri (2013-2014). Foi Presidente da Coordenação do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (2013-2015). Tem participado de cursos, publicações, pesquisas e eventos acadêmicos na América Latina e na Europa discutindo temas ligados aos direitos humanos no espaço latino-americano. É Advogado e Consultor Jurídico.
    Konstantin Gerber é advogado Consultor em São Paulo, mestre e doutorando em filosofia do direito pela PUC-SP, onde integra o grupo de pesquisas em direitos fundamentais. É professor convidado do curso de especialização em Direito Constitucional da PUC-SP.
    REFERÊNCIAS 1 TRINDADE, Antonio A. Cançado. El derecho internacional de los derechos humanos en el siglo XXI. Editorial Juridica de Chile, Santiago: 2006, p. 41 2 PINTO, Monica. El principio pro homine. Criterios de hermenêutica y pautas para La regulación de lós derechos humanos. In: La aplicación de lós tratados de derechos humanos por lós tribunales locales: Buenos Aires: Ediar, Centro de Estudios Legales y Sociales- Editorial del Puerto, 1997, p. 163. Também ESCALANTE, Rodolfo E. Piza. El valor del derecho y la jurisprudencia internacionales de derechos humanos en el derecho y la justicia internos el ejemplo de costa rica, in Liber amicorum : Héctor Fix Zamudio : volume I. São José, CIDH, 1998, p. 183;”Esto mismo, unido a la naturaleza universal e indivisible de los derechos humanos, caracterizados precisamente por su atribución a todo ser humano por el sólo hecho de serlo, sin distinción de sexo, edad, color, riqueza, origen nacional o social, nacionalidad o ninguna otra condición social, impone definitivamente la superación de toda pretensión dualista para explicar la relación entre el Derecho interno y el Derecho Internacional. Porque, efectivamente, la coexistencia de dos órdenes jurídicos distintos sobre un mismo objeto resulta lógicamente imposible; con lo cual va perdiendo a su vez, todo sentido, no sólo la clásica alternativa ‘monismo’ y ‘dualismo’ en la consideración de las relaciones entre el Derecho interno y el Internacional, sino incluso la discusión sobre la prevalencia de uno u otro, en caso de conflicto, por lo menos en lo que se refiere a los derechos humanos; con la consecuencia absolutamente obligada de que, o en esta materia prevalece el Derecho Internacional, o bien, como debe, a mi juicio, decirse mejor, en realidad no prevalece ni uno ni otro, sino, en cada caso, aquél que mejor proteja y garantice al ser humano, en aplicación, además, del ‘principio pro homine’ propio del Derecho de los Derechos Humanos”. 3 ROJAS, Claudio Nash. El principio pro persona en la jurisprudência de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. In: ALCALA, Humberto. Dialogo judicial multinivel y princípios interpretativos favor persona y de proporcionalidad. Santiago: Librotecnia, 2013, p. 175 4 RODRIGUEZ, Ángel. La mayor protección interna de los derechos de la Convención Europea de Derechos Humanos y el Impacto del Margen de Apreciación Nacional, Revista de Derecho Político N.º 93, mayo-agosto 2015, p. 84. 5 HENDERSON, Humberto. Los tratados internacionales de derechos humanos en el orden interno: la importancia del principio pro homine. Revista do Instituto Interamericano de Derehos Humanos n. 39, Costa Rica: 2004, pp. 94-96. 6 BAZAN, Victor. El control de convencionalidad: incógnitas, desafíos y perspectivas. Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales. Fundacion Konrad Adenauer: 2012, pp. 41-42, disponível em: http://www.kas.de/wf/doc/kas_31900-1522-4-30.pdf?121217152040 7 ALCALÁ, Humberto Nogueira. El bloque constitucional de derechos en Chile, el parâmetro de control y consideraciones comparativas con Colombia y México: doctrina y jurisprudencia. Estudios Constitucionales Año 13, n. 2, Talca: 2015, p. 314 8 BRASIL, STF, HC 91.361/SP, Rel. Min. Celso de Mello, j. 23/09/2008, pp. 9 e 10 9 RAMOS, André de Carvalho. Pluralidade das ordens jurídicas: uma nova perspectiva na relação entre o Direito Internacional e o Direito Constitucional, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 106/107,jan./dez. 2011/2012, p. 511. 10 Sobre o tema ver o nosso
    CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. The evolution of the Inter-American System for the Protection of Human Rights and the doctrine of conventionality control. Studia Prawa Publicznego, v. 8, 2014, p. 20.
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