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25 de Abril de 2024
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    Neutralidade da rede e dados pessoais: o Marco Civil da Internet em debate novamente

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    O Brasil está avançando na regulamentação do uso da internet. Além de possuirmos uma lei própria (Lei 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet) para estabelecer os direitos e deveres do usuário de internet e provedores, o assunto da vez é o Decreto presidencial que regulamentará essa lei. Com menos juridiquês: cabe ao Poder Executivo esclarecer questões que não foram totalmente passadas a limpo à época da edição do Marco Civil, e é exatamente o que está ocorrendo agora, conforme minuta do Decreto divulgada na semana passada pelo Ministério da Justiça.

    Seguindo o modelo de construção colaborativa adotado na época do Marco Civil, o Decreto se encontra, atualmente, sob consulta pública, aberta para opinião de qualquer pessoa. Sim, entre um tweet e outro, qualquer usuário de internet pode participar de um debate que envolve, diretamente, seus direitos, sobretudo de ter uma internet livre, aberta e com garantido direito à proteção de seus dados pessoais. Os dois temas centrais do Decreto são, justamente, neutralidade de rede e proteção de dados pessoais. Por que são importantes? Bem, comecemos pela neutralidade da rede.

    O princípio da neutralidade da rede dita que um provedor de conexão não pode privilegiar (ou bloquear) pacotes de dados de uma aplicação de internet em detrimento (ou em favor) de outras. Em termos práticos e simplistas, isso significa, por exemplo, que o provedor A, que fornece acesso à internet, não deve celebrar uma parceria pela qual os pacotes de dados referente ao portal de vídeos X trafegariam mais rapidamente em suas redes que os pacotes de dados do site Y. Ora, os vídeos de X carregariam mais rapidamente, em detrimento dos vídeos de Y, o que não seria interessante para quem quer acessar o conteúdo de Y. A tendência, a longo prazo, seria a provável extinção de Y e, consequentemente, uma limitação injustificada à inovação e redução do conteúdo acessível em rede.

    No Brasil, o princípio da neutralidade da rede (que também é regra) vai além: o provedor de conexão deve tratar os pacotes de dados de forma isonômica, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação, nos termos do artigo 9o do Marco Civil da Internet. No entanto, por mais vital que seja, a previsão de uma rede neutra não é absoluta, nem no Brasil, nem no mundo. Atualmente, no campo do Direito Digital, uma das principais discussões envolve os limites da neutralidade da rede, sendo que o Decreto em comento serve para tratar especificamente disso. Está em nossas mãos decidir quão neutra, aberta e livre será a internet no Brasil. Já deu para perceber a importância do Decreto?

    Ainda sobre a neutralidade, antes da divulgação da minuta do Decreto, havia certa expectativa em relação à possibilidade de clarificação de um dos principais dilemas do Marco Civil da Internet: a isonomia no tratamento dos pacotes de dados se limita às questões meramente técnicas ou afeta, também, a seara comercial, como os planos de internet que isentam de cobrança o acesso a determinadas aplicações (zero-rating)? De tão polêmico que é o tema, a primeira impressão indica que a minuta do Decreto, na verdade, trouxe mais dúvidas que respostas, limitando-se a reforçar que “acordos entre provedores de conexão e provedores de aplicação devem preservar o caráter público e irrestrito do acesso à Internet” (artigo 8o). Poético, mas pouco esclarecedor. No § 1º desse mesmo artigo, quando se chega a crer que a resposta sobre o zero-rating virá, mais uma vez é plantada a semente da discórdia: “são vedados os acordos de que trata o caput que importem na priorização discriminatória de pacotes de dados”. Parece, então, que o debate perdurará: “priorização” também de preço ou meramente técnica?

    A verdade é que, do modo como está, apesar da ausência de assertividade, não parece que a minuta do Decreto objetive vedar expressamente a prática comercial do zero-rating, mas a ANATEL poderá avaliar cada caso em concreto. Assim, tudo indica que seguiremos a lógica adotada nos EUA, pelo FCC (Federal Communications Commission)[1], quanto ao zero-rating: a lógica do “depende”. No entanto, o cenário ainda pode mudar, a partir das contribuições a serem acrescentadas ao debate.

    Com relação ao assunto nº 2 da minuta do Decreto, dados pessoais, há significativa inovação ao se prever uma definição para tentar estabelecer o que são “dados pessoais”. Em um primeiro momento, pode parecer óbvia a resposta. Ora, nome, endereço, CPF, RG, estado civil são dados pessoais. A polêmica surge, no entanto, quando tratamos dos limites do conceito: por exemplo, número IP de uma conexão à internet, que pode ser utilizado, juntamente com outros dados, para se identificar uma pessoa, é um dado pessoal? De acordo com a primeira minuta do Decreto, o conceito de dado pessoal é significativamente amplo, sendo qualquer “dado relacionado à pessoa natural identificada ou identificável, inclusive a partir de números identificativos, dados locacionais ou identificadores eletrônicos, compreendendo inclusive registros de conexão e acesso a aplicações e o conteúdo de comunicações privadas” (art. 12, I). Portanto, o número IP e o que nós fazemos na internet (registro de acesso a aplicações) seriam dados pessoais, à luz do Decreto.

    É certo que o Decreto prevê que tal definição deve se limitar os fins do quanto nele disposto, mas será que, na prática, ante a ausência de outra definição mais específica, os operadores do Direito não vão se valer dela para interpretar e aplicar toda e qualquer regra que se relacione à proteção de dados pessoais, principalmente na internet? Isso poderia afetar, diretamente, a maneira como as informações são compartilhadas na rede, além de reforçar o cuidado para pleno atendimento legal que devem ter empresas que se utilizam do marketing comportamental (aquele responsável pelas publicidades que surgem com base em conteúdo que acessamos na internet).

    Enfim, esse texto trouxe apenas alguns aperitivos sobre o assunto que já fez 2016 começar a todo vapor no Direito Digital. O simples fato de você estar conectado à internet neste momento significa que aquilo que estiver escrito no Decreto, de alguma forma, tratará sobre os seus direitos. Portanto, abra uma nova aba e participe!

    Luis Fernando Prado Chaves é advogado especialista em Direito Digital e Eletrônico no escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados, pós-graduado em Propriedade Intelectual e Novos Negócios pela FGV DIREITO SP e colaborador do Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação (GEPI) da FGV DIREITO SP.
    [1] Texto integral da Regulamentação estadunidense sobre Neutralidade de Rede: http://transition.fcc.gov/Daily_Releases/Daily_Business/2015/db0312/FCC-15-24A1.pdf. Acesso em 01/02/2016.
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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/neutralidade-da-rede-e-dados-pessoais-o-marco-civil-da-internet-em-debate-novamente/303302321

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