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24 de Abril de 2024

O Marco Civil da Internet autoriza o bloqueio de aplicativos?

Publicado por Justificando
há 8 anos

Passada a histeria coletiva de parte dos brasileiros que tiveram de enfrentar algumas horas sem poder fazer uso do aplicativo WhatsApp, cumpre averiguar, dentre os assuntos comentados, aquele que me cabe: o Marco Civil da Internet (Lei Federal 12.965/2014) legitima decisões como essa, que ordenou o bloqueio do aplicativo?

Muito se falou em sites, blogs, portais de notícias e redes sociais que o Marco Civil da Internet seria o grande vilão desse episódio. Para alguns, seria esse o diploma legal que autorizaria o bloqueio de aplicativos, como ocorrido com WhatsApp. Por outro lado, também foi dito, principalmente por operadores do direito especializados no assunto, que a decisão, na verdade, violaria o Marco Civil.

De início, necessário advertir (spoiler): o Marco Civil da Internet não é o vilão da história. A Lei Federal 12.965/2014 (que recebeu a alcunha de Marco Civil da Internet)é pioneira no mundo, considerada internacionalmente exemplo a ser seguido em favor dos direitos e garantias do usuário de internet [1]. Sim, acreditem: o Brasil é tido como exemplo de avanço legislativo quando o assunto é regulamentação do uso da internet. Se o Marco Civil é parâmetro para o mundo, por que nós, brasileiros, deveríamos encará-lo como nosso inimigo?

Ao positivar a regra da neutralidade da rede [2], a lei em comento traz garantias fundamentais para que a internet seja livre, aberta e democrática no Brasil. Ademais, há vários dispositivos que tentam, de alguma forma, assegurar (ou garantir) a privacidade do usuário, bem como procuram estabelecer a segurança jurídica das empresas que prestam serviços na internet no país, o que é elogiável do ponto de vista do desenvolvimento da economia digital.

Especificamente quanto à possibilidade de bloqueio de determinado site ou aplicação, ressalte-se que não há qualquer artigo do Marco Civil que legitime tal bloqueio por parte das operadoras de telefonia (provedores de conexão). Aliás, referido bloqueio pode representar afronta expressa a dispositivos do Marco Civil, como ao princípio de responsabilização do agente de acordo com sua atividade (artigo 3o, VI) e à regra de neutralidade da rede, que, dentre outros aspectos, veda que o provedor de conexão bloqueie o acesso a determinadas aplicações.

É bem verdade que o Marco Civil, em seu artigo 12, prevê algumas sanções para aquelas aplicações (sites ou aplicativos) que não respeitem a privacidade do usuário ou a legislação nacional, sendo elas:

  • advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;
  • multa de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, considerados a condição econômica do infrator e o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção;
  • suspensão temporária das atividades que envolvam tratamento de dados ou de comunicações; ou
  • proibição de exercício das atividades que envolvam tratamento de dados ou de comunicações.

Perceba-se que a suspensão temporária e a proibição de exercício das atividades são as últimas (e mais graves) das sanções previstas caso uma aplicação de internet não respeite a legislação nacional, não havendo qualquer previsão expressa de se impor aos provedores de conexão a implementação dessa proibição.

Quanto ao episódio da semana passada envolvendo o WhatsApp, não há como avaliar se a aplicação de internet desrespeitou ou não a legislação nacional, porque o processo encontra-se em segredo de justiça, de modo que este autor seria leviano ao emitir qualquer juízo de valor sobre a conduta específica do WhatsApp ou do Facebook (empresa que, sabidamente, é a responsável pelo funcionamento do aplicativo).

O que sim se pode concluir é que a decisão de bloqueio do acesso ao aplicativo via provedores de conexão tende a ser, no mínimo, desproporcional. Além disso, é, sem dúvidas, um precedente perigoso para a liberdade de expressão e dos modelos de negócio na economia digital, sendo evidente a dificuldade de se justificar uma medida que afeta, diretamente, milhões de brasileiros que têm o aplicativo com uma de suas principais ferramentas de comunicação.

E, para finalizar, necessário ir além e desmitificar, de uma vez por todas, a falaciosa ideia de que a culpa do bloqueio é do Marco Civil. Se o WhatsApp/Facebook efetivamente desrespeitou lei ou ordem judicial (o que não pode ser totalmente confirmado), haveria outras formas - talvez mais eficazes - de forçar o cumprimento ao ordenamento jurídico brasileiro, como, por exemplo, a incidência do crime de desobediência (art. 330 do Código Penal).

Não há notícias de que, após o bloqueio, o WhatsApp/Facebook tenha de fato atendido ao comando legal ou judicial pretendido pelo julgador nos autos do processo que originou a medida. Entretanto, há a certeza de que a decisão gerou perigoso precedente para que o judiciário se sinta confortável em limitar, com frequência, a diversidade de conteúdo acessível na internet a partir do Brasil, o que, por lógica, contraria princípios e a própria razão de existir do Marco Civil.

Luis Fernando Prado Chaves é advogado especialista em Direito Digital e Eletrônico no escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados, pós-graduado em Propriedade Intelectual e Novos Negócios pela FGV DIREITO SP e colaborador do Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação (GEPI) da FGV DIREITO SP.
REFERÊNCIAS 1 BBC Brasil: Ativistas estrangeiros consideram Marco Civil da internet exemplo mundial http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/04/140424_marcocivil_mm_jf. Último acesso em 19.12.2015. 2 A regra da neutralidade está inserida no artigo 9o da Lei 12.965/2014 e tem o escopo de garantir que, uma vez acessada a internet, os pacotes de dados sejam tratados em condições isonômicas. Isso significa que o provedor de conexão não pode bloquear o acesso a determinado site ou aplicação, bem como não deve, deliberadamente, criar regras técnicas para que um determinado site de vídeos na internet carregue mais rápido que outro, por exemplo.
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7 Comentários

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As pessoas que perderam dinheiro, pois trabalham com o aplicativo, como ficam? Oras, que multem a empresa. Mas prejudicar o usuário que nada tem haver com a história? continuar lendo

Interessante que a decisão saiu já quase no final do dia, quando não daria mais tempo de cassar. Parece que houve má fé de alguém. continuar lendo

Eu acho que a os aplicativos e e sites da internet, podem sim, sair do ar, por decisão judicial, não existe direito pleno, nem liberdade plena, todos exercemos o direito condicionado a certas exigências, e isso chamamos de liberdade. Se não for assim, voltaríamos ao tempo da barbárie, onde todos eram livres, e somente o mais forte vencia. É preciso conter em todo o contrato de internet, que o sistema pode ter falhas e suspensões, interrupções. continuar lendo

O Marco civil continua sendo uma lei para as empresas, pois a Anatel estipula 80 % da banda contratada e as operadoras continuam com a porcaria de franquia o que é ilegal, pois quando você atinge a franquia a operadora diminui sua velocidade como forma de "alerta" ou "punição" ... A portaria da Anatel é clara a partir de novembro de 2014 80% da velocidade contratada ... tem dúvidas ? olhem a portaria e vejam se esse marco civil pode ser exemplo para alguma coisa ... Novamente um lei puramente política !!! http://www.anatel.gov.br/Portal/exibirPortalNoticias.do?ação=carregaNoticia&código=31402 continuar lendo