A marginalização da população negra deve ser discutida todos os dias
De antemão, vale registrar um dado importante e ao mesmo tempo chocante, denunciado pela Anistia Internacional: “em 2012, 56.000 pessoas foram assassinadas no Brasil. Destas, 30.000 são jovens entre 15 a 29 anos e, desse total, 77% são negros. A maioria dos homicídios é praticada por armas de fogo, e menos de 8% dos casos chegam a ser julgados”. A informação está no livro “História do Brasil Contemporâneo”, recém-lançado pelo professor e historiador Carlos Fico, que faz ainda, um pertinente questionamento sobre o tema: “O que mais chama a atenção é que essa brutalidade cotidiana não é notícia, não parece chocar a sociedade”.
Alguns apontamentos podem ser feitos sobre esses dados. Primeiro, é a constatação de que vivemos numa sociedade extremamente violenta, que produz um número de assassinatos equivalente a uma guerra civil, sem vivermos, é claro, numa guerra oficial. Em segundo lugar, observa-se uma tragédia para os jovens negros, diariamente assassinados, principalmente em bairros periféricos das grandes cidades. A terceira constatação é sobre a morosidade do judiciário brasileiro, que custa bilhões aos cofres públicos, mas segue sendo incapaz de apresentar resultados satisfatórios para a sociedade.
Os dados citados servem para estimular a reflexão sobre o dia 20 de novembro, data em que é celebrado o Dia da Consciência Negra, momento para comemorações e alegria, mas principalmente para toda sociedade refletir sobre a triste realidade vivida pela maioria dos negros brasileiros, mesmo depois dos 127 anos da publicação da Lei Imperial n.º 3.353, mais conhecida como Lei Áurea, que declarou extinta a escravidão no país, fazendo do Brasil um dos últimos do mundo a abolir esse sistema.
Trata-se de fato histórico importante, mas a abolição não permitiu ao negro as mesmas condições de vida do restante da população. Nunca é demais lembrar que, no Brasil, a escravidão durou mais de três séculos e, por isso, sem aprofundar no fato de que o seu fim não trouxe cidadania para os negros libertos, a verdade é que muitos resquícios daquele tempo permanecem no cotidiano brasileiro e esses dados alarmantes dos assassinatos são apenas um exemplo disso. Além das informações apresentados no início do texto, os negros lideram estatísticas negativas do IBGE como desemprego e analfabetismo, entre outras. Sem falar no racismo, que no discurso é “combatido”, mas, que na realidade, está muito presente na sociedade.
Apesar da dura realidade, não se pode deixar de considerar alguns avanços importantes, como a Lei Federal de Cotas, que, segundo os sites “Globo.com” e “Carta Capital” possibilitou o ingresso de 111.668 estudantes negros no ensino superior nos anos de 2013 e 2014. Até o fim desse ano, informa a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, graças a Lei de Cotas, cerca de 150 mil negros estarão matriculados em universidades e institutos federais.
Esse avanço, ainda que insuficiente, deve ser comemorado, já que o Brasil permanece claramente desigual e os negros de hoje ainda sofrem com a falta de oportunidade, assim como seus antepassados escravizados também sofriam. Devido a isso as políticas de inclusão devem ser apoiadas e intensificadas em todos os âmbitos do poder público.
Nesse contexto merece destaque a ótima análise do importante antropólogo Darcy Ribeiro: “É muito duro para um negro fazer carreira no Brasil. Eles são a parcela maior da camada mais pobre que tá lá, no fundo do fundo, e é a camada onde pesa mais o analfabetismo, a criminalidade, a enfermidade. E é claro que precisam de uma compensação que nunca tiveram. Eles fizeram este país, construíram ele inteiro e sempre foram tratados como se fossem o carvão que você joga fora na fornalha e quando você precisa mais compra outro. A atitude para com o negro e o mulato e com o pobre é muito bruta”.
O desejável é que o debate sobre a situação do negro não aconteça apenas no Dia da Consciência Negra. Essa reflexão deve ser diária e deve caminhar para reconhecer a importância da população afrodescendente, que deveria ter os mesmos direitos dos demais, mas que na realidade ainda é marginalizada. Celebremos, portanto, a cultura, a alegria e o caráter do povo negro, mas sem esquecer que a luta por uma sociedade mais justa deve ser permanente.
Herbert Soares Caçador é graduado em História pelo Centro Universitário São Camilo – Campus Cachoeiro de Itapemirim (ES). Atualmente, é mestrando em História Social das Relações Políticas pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo - FAPES/ES.
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