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19 de Abril de 2024
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    O Tribunal do Júri é fundamental para a democracia

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    Penso que o Tribunal do Júri, ao permitir a voz ativa do cidadão no julgamento dos crimes dolosos contra a vida, é um elogiável exemplo de participação do povo na edificação da justiça. Não por acaso trata-se de uma instituição, de uma garantia fundamental inscrita no artigo 5o, XXVIII, da Constituição da República.

    Uma justiça efetivamente democrática se faz não apenas para ser entregue ao povo como objeto, mas com a participação e possibilidade do mesmo povo ser chamado como sujeito a deliberar e entregar seu veredicto. No atual cenário da justiça brasileira, o júri é esta única e singular oportunidade.

    Se os jurados erram, o fazem coletivamente; o magistrado togado não está imune aos mesmos equívocos. Diversas vezes já presenciei jurado ser mais exigente com prova do que muito juiz de carreira; não raras vezes percebi, também, que os jurados são mais críticos com a má qualidade da prova produzida do que muitos juízes.

    Ao contrário do que se diz, o jurado decide a partir de um determinado raciocínio, a partir de uma concretude, tanto que responde sim ou não sobre questões fáticas postas nos quesitos, sendo essa a fundamentação da sua decisão; se estiver orientado e concentrado no fato, e não em aspectos relativos à pessoa do réu ou mesmo de pena, se os debates das partes forem menos cênicos e mais técnicos, eticamente responsáveis com a prova produzida nos autos, tanto maior as chances para que se tenha um julgamento de acordo com o devido processo legal e, portanto, justo, pelo menos sob o ponto de vista procedimental.

    Se existem irracionalidades no júri essas decorrem muito mais da falta de filtros técnicos adequados de parte das instituições, incluindo-se aí tanto o Ministério Público como o Poder Judiciário. Um deles consiste na análise da justa causa nos graus possíveis e escalonados: formação de convencimento jurídico-penal, recebimento da denúncia e juízo de pronúncia; outro decorre da compreensão de que a relativização da soberania do júri por novo julgamento somente deve ser utilizadas em casos excepcionais de decisões supostamente absurdas e divorciadas das provas dos autos, não em situações nas quais a opção dos jurados mostre-se possível e minimamente sustentável.

    O que ainda parece ser um tanto quanto inadmissível é não se exigir tecnologia de informação de áudio e vídeo, além de presença de advogado, durante a fase de investigação preliminar; o mesmo poderia ser dito à deficiência de prova técnico-pericial presente em muitas investigações para uma Polícia muito acostumada a flagrante e pouco adepta a fazer a investigação como deve ser feita, a sua principal atividade, o que afinal justifica a sua existência e a razão de ser da própria figura do Delegado de Polícia.

    Tanto pior do que isso é o elevado tempo médio que os crimes dolosos contra vida levam para serem julgados pelo Tribunal Popular; a gestão administrativa do Poder Judiciário e do Ministério Público, ao invés de priorizar a criação de órgãos jurisdicionais e ministeriais de execução com competência e atribuições exclusivas para reverterem esse quadro, parece ter outras prioridades que não fazer com que o julgamento dos crimes que violam o bem jurídico mais relevante se dê dentro de prazo razoável, inclusive para que os efeitos de eventual sanção sejam experimentados não só pelas partes envolvidas, réu e vítima e respectivos familiares, mas principalmente pela comunidade.

    Outro problema corriqueiro no Júri reside na má formulação da dosimetria da pena por juízes; a falta de contraditório posterior à deliberação condenatória do Conselho de Sentença, seguido da negligência, distração e falta de leitura cuidadosa do processo, que poderia ser atenuada caso ainda houvesse escuta atenta dos debates, não raras vezes produz sentenças que partem de lugares comuns e “chavões” abstratos ao invés de emitir juízo concreto sobre as circunstâncias fáticas do artigo 59 e demais etapas de pena-provisória e definitiva. Não poucas vezes os jurados acertadamente condenam autor principal e partícipe sem que a dosimetria posterior produzida pelo Judiciário valore concretamente a culpabilidade diferenciada para cada uma das situações.

    Do mesmo modo, é inaceitável a tese de que testemunhas residentes fora do distrito da culpa não estariam obrigadas a comparecerem no Plenário, mesmo quando arroladas em caráter de imprescindibilidade pela própria relação de relevância que guardam com a observação do fato; na pior das hipóteses, seria o caso de lhes assegurar obrigação de estarem presentes para uma videoconferência concomitante ao julgamento perante o Juízo na qual residem; a se entender diferente, bastaria mudar de endereço para estar desobrigado a depor no momento mais crucial e decisivo do julgamento, que é a instrução realizada em plenário. Imagine-se o caso da testemunha presencial como exemplo. Aliás, marcante e pouco discutida é a precária estrutura do Poder Judiciário para cooperar com o comparecimento das testemunhas. Em muitas oportunidades testemunhas residentes em região rural desprovida de transporte público dependem de excepcionais esforços ou solidariedade de terceiros para comparecerem no julgamento, não raras vezes recebendo reprimenda por atraso para o qual não concorreram, afinal, caberia a Justiça preservá-las e assegurar infraestrutura que assegurasse sua presença.

    Para além do exposto, a previsão de que prova seja produzida em três etapas (polícia, fase judicial e plenário) talvez mereça ser revista para experimentarmos um novo tipo de investigação preliminar cercada de garantias que, por sua vez, uma vez concluída, em havendo provas mínimas suficientes, poderia remeter o caso diretamente ao plenário, onde nova instrução ocorreria, agora perante o corpo constituído de jurados.

    A propósito, em tempo de processo eletrônico, fundamental que o Poder Judiciário disponha de condições tecnologias (ex: monitores) para que cada jurado acompanhe a prova produzida do modo mais didático possível; não adianta nada digitalizar processo se esse recurso não servir também para facilitar a apreensão e demonstração da prova para o Conselho de Sentença.

    Some-se a isso, também, uma criteriosa e oxigenada seleção de jurados de todas as classes sociais, sem preconceitos de qualquer ordem, capaz de permitir-lhes entender a relevância do papel e os limites racionais que devem conformar o juízo de íntima convicção, tarefa que contribui para que a sociedade seja chamada, com critério e imparcialidade, a participar da construção da justiça também de modo a entender as dificuldades, os critérios e os limites do ato de julgar o semelhante.

    Para além do aprimoramento que o procedimento do júri evidentemente pode ser contemplado, manter a instituição do Júri, mais do que tradição, é uma necessidade. O Tribunal do Júri é democrático. E o Judiciário carece de participação do cidadão. Antes de se cogitar da extinção do Tribunal do Júri, melhor que se aposte na formação crítica adequada e na postura exigível de seus protagonistas: juiz, membro do Ministério Público e advogado; da atuação ética, responsável, criteriosa e técnica desses, despida de vaidade e de exibicionismo, focada num direito penal e processual do “fato” e não do “autor” do da vítima, depende a condição do Tribunal ser legítima e verdadeiramente democrático.

    Pena que o Projeto de Novo Código de Processo Penal (PLS n. 156/2009 e PL 8.045/2010) não tenha atentado para a maior parte dessas problemáticas questões; tratou o procedimento do júri de modo praticamente igual ao que se tem hoje, sem prever as inovações necessárias para permitir que, por exemplo, ao invés de prisões cautelares mantidas indevidamente a pretexto de acelerarem o processo (uma verdadeira e absurda distorção não raras vezes presente), houvesse cuidado com potencialização de garantias para evitar excessiva repetição de provas e demora na realização de julgamentos que, de regra, não precisam mais do que algumas horas para ocorrer.

    Márcio Berclaz é Promotor de Justiça no Estado do Paraná. Doutorando em Direito das Relações Sociais pela UFPR (2013/2017), Mestre em Direito do Estado também pela UFPR (2011/2013). Integrante do Grupo Nacional de Membros do Ministério Público (www.gnmp.com.br) e do Movimento do Ministério Público Democrático (www.mpd.org.br). Membro do Núcleo de Estudos Filosóficos (NEFIL) da UFPR. Autor dos livros “Ministério Público em Ação (4a edição – Editora Jusvpodium, 2014) e “A dimensão político-jurídica dos conselhos sociais no Brasil: uma leitura a partir da Política da Libertação e do Pluralismo Jurídico (Editora Lumen Juris, 2013).
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