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20 de Abril de 2024
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    Legítima defesa que envergonha

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    No Rio de Janeiro, um menino de dez anos foi morto a tiros por um policial militar, que atuou, segundo conclusão das investigações, em legítima defesa.

    Repito: na Cidade Maravilhosa, um garotinho de dez anos de idade, foi baleado e morto por um policial militar, que atuou em legítima defesa.

    Ou: usando moderadamente dos meios necessários, um policial militar repeliu injusta agressão a direito seu ou de outrem e se viu forçado a disparar seu rifle contra o peito de um menino de dez anos de idade.

    Em outras palavras: um policial militar, acuado por um menino de dez anos de idade, ligado ao tráfico, usou moderadamente de seu rifle, disparando um tiro certeiro contra seu agressor, meio necessário para fazer cessar a injusta agressão.

    O menino, disseram os investigadores isentos, brincava exatamente na linha de tiro e, malgrado estivesse o policial a pífios cinco metros dele, atirou contra traficantes armados.

    Esse absurdo jurídico me fez lembrar as conclusões dos inquéritos policiais militares da ditadura militar, seja pelo que contém de falacioso, seja pelo que significa de empoderamento das forças de repressão, seja pelo que traz de significado da administração pública, não obstante o governador tenha sido contra a conclusão e nada mais do que isso.

    Ninguém se deu conta que as comunidades invadidas pela Policia Pacificadora estão sob estado de sítio; para entrar e sair da rua, as pessoas são submetidas a busca pessoal, revistadas por soldados pacificamente armados até os dentes. Carros blindados se incorporaram ao cotidiano dos moradores, caveirões de aço, espalhando medo por onde passa. Ninguém se deu conta que a ocupação bélica é uma estratégia em si mesma falida, que nasce falida, que traz em si uma certeza de fracasso, a menos que imaginemos uma ocupação eterna e que nunca mais se deixe de revistar homens e mulheres, jovens, crianças, idosos que ali residirem.

    O estado de sítio não declarado ensejou esse tipo de operação, incrementou a criação de uma força de elite, que inspirou filme de enorme sucesso, concebida para invadir áreas pobres e paupérrimas daquela que já foi a mais bela cidade que o mundo inteiro consagrou. São muito bem treinados no uso de armas, de cordas, de estratégias militares de penetração, invasão e domínio de áreas conflagradas. Na falta de nosso Estado Islâmico a ser combatido, criamos o crime organizado e os bandidos, como assim os denomina a mídia de massa.

    Espalham-se lendas, criam-se mitos. O crime organizado está financiando jovens para formarem-se nas faculdades de Direito e prestarem concursos públicos para infiltrarem-se entre os bons e honestos. Só assim para se explicar a presença de negros, em um curso destinado sobremaneira aos brancos, notadamente porque ensina relações de brancos, econômicas, societárias, tributárias. Preto só aparece como réu no Direito Penal e como reclamante no Direito do Trabalho. Sua presença nas faculdades, portanto, só se explica pelo envolvimento e infiltração das facções criminosas entre os estudantes.

    E os pretos são pretos desde crianças e brincam na zona de tiros porque são amigos dos integrantes da facção e a elas pertencerão quando crescerem. O que garantiria ao policial que a criança que ele assassinou não estivesse armada? Pelo sim, pelo não, a ordem há de ser mantida e o tiro foi em defesa própria, pessoal.

    Autoridades.

    Se quem receber esse inquérito policial vergonhoso, mundialmente vergonhoso, que concluiu que a morte de uma criança se deu em legítima defesa, persistir nesse entendimento, então será o prenúncio de que o estado democrático de direito não existe mais, ou nunca existiu ou se constitui em uma quimera, uma miragem.

    Se o promotor de justiça que receber esse inquérito concordar com as investigações e requerer seu arquivamento, se o juiz de direito, em despacho estereotipado, determinar o arquivamento, se nenhum dos dois for severamente punido por isso e o inquérito não for todo ele refeito, meus amigos, minhas amigas, se isso ocorrer, todos nós ficaremos envergonhados, até porque os policiais denunciados terão a plenitude de defesa, terão advogados, privados ou públicos, que cumprirão a dialética processual. Serão levados a júri popular e o povo decidirá. É assim que funciona.

    Dizer que agiram em legítima defesa em legítima defesa, dizer isso em inquérito policial, dizer que a morte de um menino de dez anos foi em legítima defesa e que isso é estreme de quaisquer dúvidas, é um deboche à cidadania ainda em construção neste país.

    Pior, é vilipendiar a infância. É desconsiderar um assassinato covarde e estúpido.

    É saudar os tristes tempos da ditadura militar com o que ele teve de pior: o arbítrio, a mentira.

    Tanta força bruta.

    Roberto Tardelli é Procurador de Justiça aposentado (1984/2014), onde atuou em casos como de Suzane Von Richthofen. Atualmente é advogado da banca Tardelli, Giacon e Conway Advogados, Conselheiro Editorial do Portal Justificando.com e Presidente de Honra do Movimento de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.
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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/legitima-defesa-que-envergonha/252875890

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