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16 de Abril de 2024
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    Falta de segredo de justiça no processo penal midiático inviabiliza um julgamento justo

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    A ombudswoman da Folha de São Paulo, Paula Cesarino Costa, revelou, em sua coluna do dia 19.03.2017 que, nas coletivas de imprensa da operação lava-jato existe uma espécie de reunião “off the records”[1], ocasião em que nomes selecionados e informações protegidas por segredo de justiça são deliberadamente vazados.

    Na semana passada, o depoimento também sigiloso de Emílio Odebrecht vazou para a mídia sob a justificativa de uma “falha no sistema” que teria, supostamente, durado menos de dois minutos. O mesmo magistrado também foi responsável pela divulgação ilegal de áudios interceptados entre a presidenta eleita Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula. Nomes implicados nas mais diversas delações são divulgados a conta-gotas pelos jornais. No último domingo, o Fantástico, com exclusividade, divulgou áudios de interceptações telefônicas entre dois empresários donos de frigoríficos envolvidos na operação “Carne Fraca”.

    No processo penal midiático, não há segredo de justiça

    Com efeito, os impactos desses vazamentos alimentam a execração pública de nomes e reputações, ao arrepio da presunção de inocência, configurando aquilo que na doutrina americana ficou conhecido como trial by media. A prática do chamado trial by media pode ser explicada como a transformação de um caso comum em um carnaval, no qual são prejudicados direitos dos envolvidos e violadas emendas Constitucionais.

    Conforme explica Gavin Phillipson[2], diante de uma grande intervenção midiática em que provas e testemunhas são expostas por motivos comerciais, há a degradação da Sexta Emenda, que tem por objetivo garantir a todo cidadão americano o direito a um julgamento justo, considerado pela Suprema Corte o direito mais fundamental de todas as liberdades. O autor também entende que regular de forma mais efetiva a maneira como a imprensa age diante de midiáticos casos criminais não violaria a Primeira Emenda, uma vez que tal exposição prejudica vidas e liberdades, simplesmente pela busca de saciar o insaciável apetite do público por casos sensacionalistas.

    Não se olvida que a publicidade dos atos processuais é verdadeira garantia dos cidadãos, já que a publicidade permite controle popular dos atos judiciais. No entanto, a partir do momento que o magistrado, fundamentadamente, determina o sigilo, conforme art. 201, § 6º do CPP, a divulgação se torna inadmissível. O art. 153, § 1º-A, do Código Penal tipifica a conduta de divulgar informação sigilosa contida em banco de dados da Administração Pública. Do mesmo modo, o art. 325 do Código Penal descreve como crime a conduta de “revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação”. Por sua vez, o art. 10 da Lei 9.296/1996 define como crime a quebra de segredo de justiça.

    Com efeito, muito embora a resolução n. 217/2016 do CNJ determine que o magistrado que presida os autos apure “sempre que houver vazamento seletivo e ilegal de dados e informações sigilosas constantes de procedimentos investigatórios”, isso raramente acontece. Ao que tudo indica, há uma verdadeira falta de compromisso em se apurar os vazamentos ilegais que cotidianamente alimentam as redações jornalísticas.

    Além disso, não se questiona o importante e democrático papel da mídia. Entretanto, considerando a atual fragilidade da economia brasileira, por exemplo, o mínimo que se espera das autoridades competentes é responsabilidade no desenrolar de grandes operações que tem apelo midiático. Importante ressaltar que as empresas são constituídas de executivos, acionistas, consumidores, fornecedores e empregados, geralmente estes os mais afetados pelos danos reputacionais causados por vazamentos sistemáticos. Prova disso é a notícia de que diversos países barraram temporariamente a compra de carne brasileira após divulgação da operação Carne Fraca, o que afeta diretamente a economia do país e indiretamente a todos e todas.

    Há, também, o impacto na saúde mental das pessoas que são cotidianamente acusadas nos (e pelos) jornais. Em Ribeirão Preto, por exemplo, um empresário acusado de alguns crimes cometeu suicídio dois meses depois da deflagração de uma das maiores investigações da Polícia Federal no interior paulista. No jornal, rádio e televisão local a operação da polícia era e continua sendo notícia diária, mesmo com o processo tramitando em segredo de justiça. Mais recentemente, até a carta escrita antes da morte do referido empresário foi vazada.

    Neste contexto, a violação das prerrogativas da advocacia é um dos primeiros direitos que sofre baixa. Quem milita na área criminal conhece as dificuldades para se acessar autos de investigações e processos que tramitam em segredo de justiça, não obstante a existência da súmula vinculante 14 e os direitos previstos no art. 7, inc. XIII, do Estatuto da Advocacia. Não são raras as ocasiões nas quais os jornalistas têm acesso à acusação antes da defesa.

    Também é preciso questionar a contribuição das instituições para essa paranoia midiática. Parece não fazer sentido a convocação de coletivas de imprensas por parte do órgão de acusação para explicitar o conteúdo de denúncias e elementos colhidos em investigações sigilosas através de powerpoint de duvidosa qualidade. Menos justificável ainda é a existência de um site – de caráter absolutamente panfletário – para se propagandear os “resultados” de um caso penal em curso com o objetivo de angariar o apoio da população em prol de uma determinada “causa”. O jogo processual penal tem desbordado dos autos e conquistado os jornais, as revistas e as redes, o que só pode significar prejuízo para o direito de defesa e para os demais direitos e garantias constitucionais das pessoas acusadas.

    Além do mais, a mídia dá destaque diferenciado para os casos que não são aqueles, em regra, selecionados pelo sistema de justiça criminal. Dessa maneira, opera-se uma legitimação do poder punitivo em si, estruturalmente seletivo e desigual, mas que falaciosamente tem essa característica negada pelas agências de comunicação a partir de casos pontuais.

    Sempre muito pertinente, Nilo Batista observa estar havendo “uma espécie de privatização parcial do poder punitivo, deslanchado com muito maior temibilidade por uma manchete que por uma portaria instauradora de inquérito policial”[3]. O segredo de justiça parece não se coadunar com a necessidade midiática de usurpar e exercer, ao menos em parte, o poder punitivo através de suas manchetes condenatórias que, muitas das vezes, (con) formam a opinião pública, prejulgando os fatos e negando qualquer possibilidade de direito de defesa.

    Vivemos um tempo de importação de diversos institutos processuais penais norte americanos – de questionável pertinência e compatibilidade com o sistema processual brasileiro. Nos Estados Unidos, contudo, os casos de trial by media, podem, até mesmo, ensejar anulação do processo e inviabilizar a acusação[4], o que impõe maior responsabilidade aos veículos de comunicação. Em tempos de importações dezmedidas de institutos processuais estadunidenses, fica a sugestão para que se reconheça a impossibilidade de fair trial em casos de trial by media, com a consequente anulação do processo.

    Theuan Carvalho Gomes da Silva é Mestrando em direito pela UNESP. Pós-graduando em direitos humanos pela USP. Associado ao IBCCRIM e ao IDDD. Advogado criminalista. [email protected]

    Nathalia Regina Pinto é Mestra em direito penal pela USP. Pós-graduanda em compliance pela FGV. Foi aluna e pesquisadora na Yale University. Associada ao IBCCRIM. Advogada. [email protected].

    [1] Termo jornalístico que significa informação conseguida extraoficialmente com garantia de anonimato da fonte.

    [2] PHILLIPSON, Gavin. Trial by media: the betrayal of the first amendment. Disponível em . Acesso em 20 de março de 2017.

    [3] BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/batista-nilo-midia-sistema-penal.pdf Acesso em: 20 mar. 2017. p. 19

    [4] Precedente da Suprema Corte Americana: Caso Estes v. Texas, 1965. In: BREHENY, Biran; KELLY, Elizabeth. Maintaining impartiality: does media coverage of trials need to be curtailed? Disponível em: http://scholarship.law.stjohns.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1416&context=jcred Acesso em: 20 mar. 2017. p. 378/379

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