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16 de Abril de 2024
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    O casamento homoafetivo comunitário: uma Vitória cidadã

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    No Estado da Virgínia, em 1958, Mildred Jeter, negra, casou com Richard Loving, branco, no Distrito Federal (District of Colombia). O casal, após as bodas, voltou para a Virgínia, que, à semelhança de quinze outros Estados, vedava matrimônio inter-racial. O dispositivo legal (Punishment for Marriage), dizia que, caso alguém se casasse com uma pessoa “de cor”, ou alguém “de cor” se casasse com uma pessoa branca, esse alguém incorreria em crime e seria punido com prisão em penitenciária por não menos de um, e não mais de cinco anos.[1]

    O Caso Loving v. Virginia, 388 U.S.1 (1967), teve um final justo, consagrando o princípio da felicidade, na lavra do voto do juiz da Suprema Corte Earl Warren, que asseverou: “A liberdade de casar-se já foi há muito reconhecida como um dos direitos individuais vitais, essenciais na busca pacífica da felicidade para os homens livres.”

    Inimaginável, nos dias de hoje, uma concepção racista ao ponto de impedir o casamento de pessoas de “raças” diferentes. Todavia, o preconceito e a resistência ao casamento de pessoas do mesmo sexo (ou casamento homoafetivo), ainda é uma triste realidade dos nossos dias.

    No Brasil, a Constituição da República assegurou à família, base da sociedade, uma especial proteção do Estado (art. 226 CF/88). Contudo, somente no ano de 2011 foi assegurado às pessoas do mesmo sexo o direito de se unirem pelo casamento civil ou pela união estável.

    O Supremo Tribunal Federal aduziu fundamentos jurídicos suficientes e expressos que autorizaram o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, não com base no texto legal (art. 1723 do CC/02), nem com base na norma constitucional (art. 226, § 3º), mas, sim, como decorrência de direitos de grupos vulneráveis, de direitos fundamentais básicos da Constituição brasileira, do direito fundamental à liberdade de livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo, do direito a uma igual consideração e do direito a não discriminação da liberdade de orientação sexual.

    O Conselho Nacional de Justiça, diante da inércia do Poder Legislativo, publicou a resolução nº 175/2013, para evitar qualquer tipo de impedimento para o reconhecimento do casamento homoafetivo por parte dos cartórios.

    Em 2014, a juíza Carine Labres realizou um casamento comunitário com 28 casais heteroafetivos e 1 casal homoafetivo na cidade de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, mas sofreu enorme resistência por parcela da população que, inclusive, colocou fogo no Centro de Tradição Gaúcho, local em que estava marcado o casamento comunitário. Um fato lamentável.

    Felizmente, no ano de 2015, o Brasil registrou o maior casamento homoafetivo comunitário do mundo, com a celebração da união de 185 casais, realizada no Tijuca Tênis Clube, na Zona Norte do Rio de Janeiro.

    Aliado a este último casamento comunitário homoafetivo, a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, em parceria com a Prefeitura de Vitória, realizará, no dia 21 de maio de 2016, o 1º Casamento Legal Homoafetivo Comunitário do Espírito Santo. A data foi escolhida como parte das ações em homenagem ao Dia Internacional de Combate à Homofobia, comemorado em 17 de maio. Os interessados deverão se inscrever no próximo sábado, dia 12 de março, dia em que é comemorado, em Vitória, o Dia Municipal contra a Homofobia, das 8h às 12h na sede da Defensoria Pública, Centro de Vitória.

    A divulgação do projeto tem obtido bastante repercussão na internet, em especial nas redes sociais, onde são vistos tanto comentários de apoio, quanto de crítica à iniciativa. Uma manifestação em especial ganhou destaque e tem se mantido entre os assuntos mais discutidos entre os capixabas. Trata-se de uma postagem realizada pelo Vereador de Vitória Davi Esmael, na qual ele afirma ser contra a realização do casamento homoafetivo comunitário, sobretudo “com recursos públicos”. Diz ainda o vereador que “ainda que seja legal, [o casamento homoafetivo comunitário] atinge a moral e a essência do modelo de família em que, o casamento é uma instituição cristã entre homem e mulher, não sendo reconhecida qualquer composição diferente disso”.

    Sendo um direito civil amplamente reconhecido, argumentos de ordem moral ou religiosas não justificam a crítica à Defensoria Pública e à Prefeitura de Vitória, principalmente ao se considerar que vivemos em um Estado Laico e buscamos todos a felicidade.

    Quanto à atuação da Defensoria Pública na realização do casamento comunitário, é importante destacar que a Constituição Federal, em seu artigo 134, afirma que cabe à instituição, entre outras funções, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados. Ademais, os Tribunais Superiores e da doutrina especializada em Defensoria Pública indicam que a expressão “necessitados” não se presta a abranger apenas as pessoas com insuficiência de recursos financeiros. Com efeito, é dever da Defensoria Pública promover e proteger os direitos de grupos social e historicamente vulneráveis, tais como a população LGBTI, a população em situação de rua, as pessoas em situação de privação de liberdade, as mulheres vítimas de violência doméstica, as crianças e os adolescentes, os consumidores, entre outros.

    Também é obrigação da Defensoria Pública garantir a toda a população o acesso efetivo ao aparato estatal, seja judicial, seja extrajudicial, para assegurar seus direitos. Especificamente no que tange ao casamento civil, a instituição atua na desburocratização do procedimento, auxiliando as pessoas na obtenção da documentação exigida e garantindo o exercício do direito à gratuidade do casamento para os reconhecidamente sem condições financeiras, direito este já previsto na Constituição Federal (art. 226, § 1º) e no Código Civil (art. art. 1.512).

    Finalmente, é oportuno lembrar que a maioria dos casais que procuram a Defensoria Pública em eventos dessa natureza já vivem em união estável. A Constituição Federal, em seu artigo 226, § 3º, diz que o Estado deverá facilitar a conversão da união estável em casamento civil, de onde se conclui que a atuação da Defensoria Pública atende, em verdade, a mais de um comando constitucional.

    Assim, na visão da Defensoria Pública, o Casamento Homoafetivo Comunitário, para além de ser uma possibilidade legal e constitucionalmente justificada, revela-se um dever da instituição na busca pela efetivação de direitos civis historicamente ignorados à população LGBTI, principalmente pelo Poder Legislativo.

    O Discurso de ódio, os atos de violência e o preconceito como os que se têm observado nas redes sociais somente reafirmam a necessidade de que mais ações e iniciativas afirmativas dessa ordem sejam tomadas, não só pela Defensoria Pública e pela Prefeitura de Vitória, mas também por outros órgãos e instituições dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, na busca da felicidade de todo cidadão brasileiro. Afinal, na busca pacífica da felicidade para as pessoas livres, casar é um direito de todos.

    Douglas Admiral Louzada é Defensor Público. Membro da Comissão de Diversidade Sexual e Identidade de Gênero da Associação Nacional do Defensores Públicos – ANADEP.
    Vitor Eduardo Tavares de Oliveira é Defensor Público. Membro da Comissão de Diversidade Sexual e Identidade de Gênero da Associação Nacional do Defensores Públicos – ANADEP.
    [1] Saul Tourinho Leal. O PRINCÍPIO DA BUSCA DA FELICIDADE COMO POSTULADO UNIVERSAL. Observatório da Jurisdição Constitucional. Ano 2 - Agosto 2008 - Brasília - Brasil - ISSN 1982-4564.
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