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26 de Abril de 2024
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    Mais recursos e revisão urgente de entendimentos: consequências do julgamento do STF

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    O Pleno do Supremo Tribunal Federal, na sessão realizada em 17 de fevereiro de 2016, assentou, por maioria – acompanhando o relator, Min. Teori Zavascki, os Ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso Mello, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber -, que o art. , LVII, da Constituição da República não obsta a expedição de mandado de prisão, quando a condenação do acusado à pena privativa de liberdade vier a ser prolatada ou confirmada pelo Tribunal inferior.

    Ponderou-se que as instâncias superiores possuem competência para dizer o Direito, e não para rever os fatos, já acertados nas instâncias inferiores, o que lhes daria inconcebível feição de órgãos jurisdicionais de “terceira instância”. Na dicção do Ministro Luiz Fux, não seria demasiado afirmar que o substrato fático da demanda teria, inclusive, alcançado o trânsito em julgado. Obtemperou-se, ainda, que condicionar a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado deturparia a própria administração da Justiça Penal, dando azo à enxurrada de recursos com o único intuito de adiar a formação da coisa julgada, na expectativa de se conquistar a prescrição, mesmo porque, após o acórdão condenatório, o marco interruptivo prescricional seguinte corresponderia ao início do cumprimento da pena – art. 117, inciso V, do Código Penal. Entendeu-se necessário compatibilizar a presunção de não-culpabilidade à efetividade da jurisdição penal, não podendo a primeira ser um entrave à segunda.

    No caso concreto – Habeas Corpus nº 126.292, impetrado contra o relator do HC nº 313.021/STJ, tendo como paciente Márcio Rodrigues Dantas – o Juízo a quo havia concedido ao acusado o direito de apelar em liberdade. Em sede de recurso exclusivo da defesa, o Tribunal de Justiça confirmou a condenação e determinou a expedição de mandado de prisão, considerada a ausência de efeito suspensivo dos recursos ulteriores à disposição do réu. Este habeas jamais poderia ter sido afetado ao Pleno para julgamento, e por uma singela razão, desvinculada do tema: a cláusula pertinente ao direito de o acusado recorrer em liberdade, constante na sentença, havia transitado em julgado para a acusação, logo o Tribunal, ao determinar a execução provisória, promoveu inadmissível reformatio in pejus ex officio, em descompasso com o art. 617 do CPP. Assim procedendo, o Supremo Tribunal Federal contrariou a sua própria jurisprudência, absolutamente pacífica neste sentido – apenas a título de exemplo, HC nº 90077, da relatoria da Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 20/03/2007, DJ 13-04-2007, bem como HC nº 90229, da relatoria do Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 04/12/2007, DJe-078 de 02-05-2008, ambos em votação unânime, sublinhando que, neste último precedente, a vedação à reforma penal mais gravosa foi invocada obiter dictum para a concessão da ordem. E não se diga que não houve alerta durante a sessão plenária, pois o Min. Marco Aurélio, em seu pronunciamento, apontou a inadequação do caso concreto à orientação em vias de ser firmada pelo Pleno.

    A par desta considerável imprecisão instrumental - a meu juízo digna de embargos de declaração, ante o descompasso entre o decidido e a hipótese fática, ou mesmo por conta da omissão relativa à inobservância da ne reformatio in pejus ex officio - não vejo como contemplar a execução provisória da pena privativa de liberdade, considerada, simplesmente, a ausência de efeito suspensivo dos recursos à disposição da defesa após a apelação, haja vista o claríssimo texto do inciso LVII da Carta da Republica - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Na medida em que o reconhecimento da culpa atrela-se ao trânsito em julgado da condenação, não se concebe a execução provisória da pena, ainda que se interprete restritivamente o preceito constitucional, como presunção de não-culpabilidade, porquanto antecipando-se a pena, antecipa-se a culpa, afinal nulla poena sine culpa – uma não existe sem a outra. São indissociáveis.

    Considerados os números trazidos pelo Ministro Celso Mello em seu voto, segundo os quais, a partir de 2006, mais de 25% dos recursos extraordinários, em matéria criminal, interpostos pela defesa, foram inteiramente providos, chegando a quase 30%, se computados os parcialmente providos, abre-se brecha para anulações de processos e reformas de condenações, depois de cumprida a pena. Esta perspectiva, por si só, já desaconselharia a aguda relativização da presunção de não culpabilidade implementada pelo Supremo. Ignorar este percentual, reconhecidamente expressivo, só reforça a ideologia utilitarista que cada vez mais tem tomado de assalto a Justiça Penal pátria.

    Temo, por outro lado, que, embora não explicitamente admitido, o Supremo tenha chegado a esta orientação no afã de reduzir os recursos encaminhados aos Tribunais Superiores, vez que não teriam o condão de impedir a expedição de mandado de prisão, em outra manifestação do que já se convencionou chamar de “jurisprudência defensiva”. Se uma das intenções foi esta, vaticino que não surtirá efeito, pois os Ministros não atentaram para o terreno mais profícuo à interposição dos recursos especial e extraordinário: aplicação da pena, que vem a ser um dos maiores abismos entre o que as Cortes Superiores pregam e as inferiores praticam.

    Ilustrando: embora as Súmulas 718 e 719 do STF e a 440 do STJ sejam peremptórias no sentido de a gravidade em abstrato da imputação delitiva não ser argumento idôneo à fixação de regime mais gravoso do que o previsto em lei, máxime quando arbitrada a reprimenda básica no mínimo legal, os Tribunais inferiores do País insistem em decidir contrariamente, especialmente em condenações por roubo, consumado ou tentado. Ora, a fim de impedir que a execução provisória da pena seja em regime fechado, proliferar-se-ão os habeas corpus objetivando bloqueá-las ou, subsidiariamente, que comecem no regime mais benéfico, conforme a quantidade de pena fixada. Por outro lado, apesar de os Tribunais Superiores admitirem, sem sustos, o regime inicial aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos no tráfico, em virtude de o Supremo ter declarado inconstitucionais a obrigatoriedade do regime inicial fechado, nas condenações por crimes hediondos, tráfico, terrorismo e tortura – HC nº 111840, relator Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 27/06/2012, DJe-249 de 17-12-2013 – e a vedação à pena substitutiva no tráfico – HC nº 97256, relator Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/2010, DJe de 16-12-2010 -, podendo-se citar, neste diapasão, do STJ, o HC 327.684/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 17/12/2015, DJe 02/02/2016, bem como o HC 339.788/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 17/12/2015, DJe 02/02/2016, os Tribunais insistem em negar a substituição e fixar o regime inicial fechado, sob o pretexto de o pronunciamento do Supremo não ter força vinculante. Por conseguinte, serão inúmeros os Habeas para obstar tais execuções provisórias. A concessão destas liminares tornar-se-á imperiosa, a fim de evitar vitórias de Pirro da defesa – quando assentados os direitos do condenado ao regime mais brando e à substituição, a reprimenda privativa de liberdade já terá sido cumprida.

    A quadra aberta pelo Supremo, a partir deste julgamento, exigirá urgente revisão no entendimento restritivo do habeas substitutivo, que, justiça seja feita, não é endossado, no Supremo, pelo Min. Marco Aurélio, nem tampouco pela Segunda Turma - HC nº 125841, relator Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, julgado em 24/03/2015, DJe de 17-04-2015 -, exceto quando substitutivo do agravo contra pronunciamento singular do relator, porque não esgotada a instância inferior - HC nº 131049 AgR, relator Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, julgado em 17/11/2015, DJe de 03-12-2015.

    Por outro lado, como a ratio da orientação partiu do acertamento fático pelo Tribunal, que não pode ser rediscutido em sede de recurso especial ou extraordinário, uma vez prolatado o acórdão por maioria, repousando a divergência sobre nulidade processual ou questão de mérito, inclusive alusiva à pena, descabe a execução provisória da pena até o julgamento dos embargos infringentes ou de nulidade interpostos – art. 609, p.ú. do CPP -, malgrado despidos de efeito suspensivo, haja vista a possibilidade de o entendimento vencido prevalecer, repercutindo na subsistência ou no teor da condenação.

    Finalmente, descabe potencializar este julgamento para viabilizar a execução de reprimendas não privativas de liberdade e medidas de segurança, em apreço ao princípio da especialidade, afinal a Lei nº 7210/84, reitora da execução penal, condiciona, expressamente, a execução das reprimendas restritivas de direitos, da multa, do sursis da pena e das medidas de segurança ao trânsito em julgado da sentença, ex vi dos artigos 147, 160, 164 e 171, respectivamente.

    Marcos Paulo Dutra Santos é Mestre em Direito Processual pela UERJ, Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro e Assessor em Penal e Processo Penal de Ministro do STF. É Professor de Processo Penal da FESUDEPERJ (Fundação Escola Superior da Defensoria/RJ), AMPERJ (Escola de Direito da Associação do Ministério Público/RJ), da EMERJ (Escola da Magistratura/RJ) e dos Cursos Fórum/RJ e Supremo/BH
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