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25 de Abril de 2024
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    Em que momento há extinção da punibilidade na Lei de repatriação?

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    No dia 14 de janeiro foi sancionada a lei de repatriação, que pretende, na esteira de outros países, injetar na economia local valores remetidos ilegalmente ao exterior. No específico caso brasileiro a lei vem a resolver um problema antigo, principalmente dos herdeiros de planos econômicos desastrosos das décadas de 80 e 90 do século passado, época em que não se acreditava na economia do país e na qual o governo bloqueava os valores em contas correntes. De fato, a lei acaba sendo mais abrangente e beneficia qualquer situação que até a data de 31 de dezembro de 2014 possa ter promovido a saída e manutenção de valores ao estrangeiro de forma não declarada.

    Ao enviar os valores – ainda que oriundos de atividades lícitas – seus proprietários cometiam delitos, financeiros e tributários, e alguns ainda passíveis de persecução criminal, como é o caso da evasão de divisas (art. 22 da lei 7.492/86), especialmente em seu parágrafo único que prevê a conduta de manutenção de ativos sem declaração, delito considerado permanente. Assim, a mera saída ou manutenção clandestina (não declarada) destes recursos implicava por vezes delitos como de falsidades material, ideológica ou de identidade, lavagem de dinheiro e especialmente sonegação fiscal e evasão de divisas. A lei prevê a possibilidade de extinção da punibilidade para estes delitos, se atendidas as suas condições.

    No aspecto penal, portanto, o instituto mais importante é a extinção da punibilidade para quem aderir ao programa e cumprir todas as condições previstas na lei. A adesão poderá ser feita no prazo de 210 dias a partir da regulamentação da lei e as condições são I) a declaração, II) o pagamento do tributo no valor de 15% do montante declarado e III) pagamento de multa de 100 % (ou igualmente 15%).

    Contudo, apesar dos esforços legislativos de ambas as casas, a redação da lei não é clara e precisa quanto ao momento de adesão para efetivação da extinção da punibilidade. E a confusão se dá graças ao veto sugerido pelo Ministério da Fazenda e acatado pela presidência.

    A redação da lei sancionada engendra uma contradição. Nos artigos 1º, § 5º[1] e 5º, § 1º[2] lê-se que a lei não se aplica aos condenados em ação penal, não exigindo o trânsito em julgado. E o art. 5º, § 2º, inciso II, menciona expressamente o trânsito em julgado[3].

    No projeto de lei do Executivo sempre se considerou como prazo fatal para a adesão ao programa o trânsito em julgado da ação penal pelos delitos referidos na lei[4]. Na tramitação pela Câmara dos Deputados, igualmente o marco era o trânsito em julgado. E por fim, o Senado Federal também respeitou tal marco, mas no afã de atender à Lei Complementar 95 e conferir à redação maior clareza aos beneficiários da lei resolveu separar as condições previstas no artigo , § 5º (§ 3º do mesmo artigo no projeto de lei do executivo) e do artigo , § 1º.

    Assim, a redação que constava do projeto de lei do executivo e que foi mantida pela Câmara era a seguinte:

    “artigo 1º [...]

    § 3º Esta Lei não se aplica aos sujeitos que, na data de sua publicação ou no momento da apresentação da declaração de que trata o art. 5º, tiverem sido condenados em ação penal, com decisão transitada em julgado, cujo objeto seja um dos crimes listados no § 1º do art. 5º e se refira aos recursos, bens ou direitos a serem regularizados pelo RERCT”. (grifamos)

    Foi desmembrada, pelo substitutivo do Senado Federal, para que ficasse assim:

    “artigo 1º [...]

    § 5º Esta Lei não se aplica aos sujeitos que tiverem sido condenados em ação penal :

    I - com decisão transitada em julgado; e (grifamos)

    II - cujo objeto seja um dos crimes listados no § 1º do Art. 5º, ainda que se refira aos recursos, bens ou direitos a serem regularizados pelo RERCT”.

    Segundo o Senado, a intenção era, in verbis:

    “Examinando o teor do texto enviado pela Câmara dos Deputados a esta Casa, verificamos a necessidade dos ajustes de redação ao texto nela aprovado, visando a cumprir o que determina o art. 11, inciso II, b da Lei Complementar nº 95, de 1998, segundo o qual as disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, para a obtenção de precisão, “expressar a ideia, quando repetida no texto, por meio das mesmas palavras, evitando o emprego de sinonímia com propósito meramente estilístico”.

    Assim, quanto ao art. 1º, § 5º, conferimo-lhe nova redação para apenas separar, em incisos, os dois requisitos para que seja afastada a aplicação da Lei em tela, cuja cumulatividade implica a sua separação, a fim de que se tenha melhor clareza do pretendido”.

    Com relação ao 5º, § 1º, que prevê a possibilidade de extinção da punibilidade, notamos uma variação levemente diferente, mas o mesmo conteúdo. A redação do projeto de lei do executivo era a seguinte:

    “§ 1º O cumprimento das condições previstas no caput antes de decisão criminal transitada em julgado, em relação aos bens a serem regularizados, extinguirá a punibilidade dos crimes previstos no: [...]” (grifamos).

    No substitutivo aprovado pela Câmara e enviado ao Senado constava:

    “§ 1º O cumprimento das condições previstas no caput antes de decisão criminal transitada em julgado, em relação aos bens a serem regularizados, extinguirá a punibilidade para todos aqueles que, agindo em interesse pessoal ou em benefício da pessoa jurídica a que estiver vinculado, de qualquer modo, tenham participado, concorrido, permitido ou dado causa aos crimes previstos”: [...] (grifamos).

    E o Senado, repita-se, para dar maior clareza e precisão, modificou para o texto abaixo:

    Art. 5º [...]

    § 1º O cumprimento das condições previstas no caput antes de decisão criminal, em relação aos bens a serem regularizados, extinguirá a punibilidade dos crimes previstos: [...]

    2º A extinção da punibilidade a que se refere o § 1º:

    [...]

    II - somente ocorrerá se o cumprimento das condições se der antes do trânsito em julgado da decisão criminal condenatória. [...] (grifamos)”.

    Separando-se as condições, há possibilidade de veto do inciso, e assim apenas da condição de trânsito em julgado, o que não seria possível mantendo-se a redação original já que não é possível o veto de palavra ou expressão de dispositivo.

    E foi isso que sugeriu o Ministério da Fazenda, acatado pela presidência. Na exposição de motivos do veto, o Ministério da Fazenda alegou, in verbis:

    “O veto ao dispositivo impede que pessoas penalmente condenadas pelos crimes previstos no Projeto possam aderir ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária - RERCT.”

    Entende-se, portanto, que o desejo do Ministério da Fazenda, era impedir que a pessoa que possua condenação simples, ou seja, ainda de primeira instância e que caiba recurso processual e constitucionalmente previsto, possa aderir ao programa.

    Aparte da estranheza do porquê o Ministério da Fazenda – e não o da Justiça – tenha se preocupado com um assunto especificamente jurídico-penal e nada econômico ou financeiro, sua sugestão não foi feita corretamente, porquanto não analisou detalhadamente a lei e não alterou os demais dispositivos conectados, especificamente o artigo 5º, § 1º, inciso II, que esclarecia qual a natureza da sentença condenatória prevista no caput do artigo 5º.

    Analisando-se a tramitação e utilizando-se dos princípios de hermenêutica, aparentemente existe apenas uma forma de interpretação do marco final para aplicação do instituto da extinção da punibilidade: o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

    Explicamos.

    Utilizando-se o critério político para a interpretação, nota-se que a mens legis sempre foi a definição de tal marco. Não houve, no processo político em momento algum a definição de outro marco. A separação das condições deu-se apenas na finalidade de cumprir o que determina a Lei Complementar 95, talvez o que não tenha sido feito de forma adequada. No mais, interpretar-se de outra forma implicaria dizer que a interpretação da lei está se dando pelos motivos do veto, e não pelo texto aprovado, o que seria um absurdo. O texto aprovado, em seu artigo 5º, § 1º, inciso II reza expressamente que o marco é o trânsito em julgado da sentença penal. Andou mal o Ministério da Fazenda ao fazer a sugestão e não adequar o texto, e por isso, por motivos óbvios de consagrados de teoria jurídica, o que tem força coercitiva é o texto legal e não as razões do veto, que não integra o ordenamento jurídico com força coercitiva.

    De outra parte, os critérios teleológico e sistemático impõe que o estado de inocência previsto na constituição federal seja respeitado, bem como as regras legais e o consenso jurisprudencial seja acompanhado. Nota-se que a finalidade da lei além de econômica é claramente arrecadatória, ou seja, tem caráter tributário inafastável, e prevalece na legislação e na interpretação dos tribunais que o pagamento do tributo, a qualquer momento, extingue a punibilidade. A interpretação nesse sentido se aproximaria mais ao sistema penal tributário.

    Portanto e por tudo o que foi explanado somos da opinião que pela interpretação sistemática, teleológica e política do texto aprovado, a adesão ao programa e o cumprimento de todas as suas condições até o trânsito em julgado da sentença penal possibilita a extinção da punibilidade pelos delitos relacionados pela Lei.

    Alexis Couto de Brito é Pós doutor pela Universidade de Coimbra. Doutor em Direito Penal pela USP. Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
    Patricia Vanzolini é Mestre e doutora pela PUC/SP. Professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
    [1] § 5o Esta Lei não se aplica aos sujeitos que tiverem sido condenados em ação penal [2] § 1o O cumprimento das condições previstas no caput antes de decisão criminal, em relação aos bens a serem regularizados, extinguirá a punibilidade dos crimes previstos: [3] II - somente ocorrerá se o cumprimento das condições se der antes do trânsito em julgado da decisão criminal condenatória;
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