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26 de Abril de 2024
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    O Estado de Direito no banco dos réus

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    As pessoas, definitivamente, não entendem a necessidade da preservação das garantias fundamentais no processo penal. Alguns por que não querem, outros porque não entendem.

    Me deparei com uma publicação na página do Senado, em uma rede social, que destacava o artigo 38 do Código Penal cujo conteúdo determina que o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade e que a autoridade deve garantir sua integridade moral e física. Usuários, julgadores de plantão, não pensavam duas vezes antes de comentar, criticando o referido dispositivo legal, questionando o porquê de serem dadas tais garantias aos presos. Um dos internautas inclusive afirmou: “No momento em que alguém escolhe cometer um crime, ferindo o direito de terceiros e não cumprindo o seu dever como cidadão, o criminoso escolhe, automaticamente, abrir mão dos seus direitos civis”.

    Cheio de convicção, certo de que aquilo que havia falado estava certo, o mesmo indivíduo ainda arremata:

    Quem quiser ser tratado com respeito aprenda a respeitar a sociedade.

    Não sendo uma opinião isolada, o comentário, curtido e louvado por mais de uma centena de pessoas, peca em crer que as coisas da vida sejam tão simplórias assim; que qualquer crime é igual a todo crime; que todo indivíduo que se acha sob a espada da (in) justiça criminal é igual a qualquer outro. O pior: peca em esquecer que o maior promotor de mazelas e danos ao cidadão é o Estado, omisso e injusto.

    Faltou ao autor do comentário, inclusive, o conhecimento do que vem a ser ‘Direitos Civis, coisa essa que, conhecendo, não abriria mão para si e saberia que são indisponíveis.

    O que pesa sobre a opinião pública não é apenas medo, nem apenas ódio. É mais que isso: é um gostinho particular de satisfação em ver o inimigo sendo fulminado. O inimigo, diga-se de passagem, não precisa ser o vilão de fato, basta ter aparência de vilão. Agindo assim, os incautos assinam uma autorização para que o Estado, agindo em nome dos ‘bons’, fulmine sem critérios, sem diligência e sem pudor, toda aparência do mal.

    Não é fruto da manhã de hoje que o processo penal, a persecução criminal, é um show, um espetáculo, talvez o preferido do povo. A TV descobriu que o crime é a galinha dos ovos de ouro do horário nobre. Assim como a inquisição pública que tinha empolgada plateia que queria ver a expressão de dor na face do herege.

    As pessoas não entendem a diferença entre justiça e vingança. Não compreendem que, independente do crime cometido, ou supostamente cometido, o processo penal irá decidir o destino de uma pessoa que provavelmente irá passar um bom tempo no pior lugar que alguém pode estar: a prisão. O processo penal cumpre sua função quando legítimo, condena quem deve ser condenado, nos limites da lei e absolve o inocente. O problema é que a justiça não dá audiência, não é atração. A vingança, por sua vez, brilha, chama a atenção, aguça o interesse.

    Os direitos e garantias fundamentais são garantidores universais, de todo homem em uma democracia; quando respeitados, garantem que o indivíduo delinquente seja alvo de uma condenação pelo crime cometido, porém justa ou pelo menos não superior à medida que a lei considera razoável. É uma certeza de que o Estado não irá fulminar o inocente, lembrando que o inocente não poucas vezes ingressa no submundo prisional sem sequer ter sido contemplado com o obrigatório direto à ampla defesa.

    É lamentável, más é preciso reconhecer que, muitas vezes, o show do processo penal é promovido por autoridades, promotores e juízes que deixaram apenas na teoria das páginas empoeiradas dos livros o significado de seus papeis no Direito. Pecam em busca de serem eleitos “heróis do povo”. Atentam contra a saúde de suas próprias instituições e contra o Estado de Direito. Para preservar a pinta de Juiz “linha dura”, Promotor “sangue no olho”; ignoram os postulados humanistas e o garantismo penal.

    Quem perde quando um indivíduo é condenado sendo inocente quando sofre sansões distantes da razoabilidade, ou não tem direitos mínimos garantidos? Quem sai perdendo quando as instituições toleram os abusos e coadunam com o discurso policialesco da higienização social? As próprias instituições perdem, pois deterioram a já pouca fé que a sociedade tem nas instituições democráticas, esmagam a confiabilidade de suas próprias instituições. Quem promove o circo, pode até entreter, más não pode ser levado a sério.

    Quando seus agentes toleram a mitigação das garantias fundamentais é o Estado Democrático de Direito que é condenado.

    O Estado democrático de Direito está no banco dos réus. Está sendo condenado por quem deveria defende-lo e promover o processo penal aplicando as leis e não se dobrando ao desinformado palpite das massas. Alguns de seus membros, o traem, flertam com o heroísmo e com os títulos que são dados aos cavaleiros caçadores da impunidade.

    O Estado democrático de Direito está sendo julgado pelo povo, que o condena ao não entender que sua existência é garantia para si próprio. Está sendo condenado por quem quer ver o show de horrores da vingança. O resultado disso é a consolidação da inquisição, dos abusos e das meias verdades que são ditas em resposta a cobrança da sociedade. E a vingança? Essa sai vitoriosa, consagrada, consolidada como o bezerro de ouro do nosso tempo.

    Actos Roosevelt Maximiano Nascimento é graduando em Direito peno Centro Universitário de Belo Horizonte

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