Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
20 de Abril de 2024
    Adicione tópicos

    A responsabilidade civil do provedor no Marco Civil da Internet

    Publicado por Justificando
    há 9 anos

    A entrada em vigor do Marco Civil (Lei nº 12.965/14) conferiu maior segurança jurídica ao ambiente da internet. Porém, certas questões não foram disciplinadas por ele, e outras foram até mesmo expressamente excluídas do âmbito de aplicação de algumas de suas normas.

    Dentre as questões expressamente excluídas, encontra-se a da responsabilização de provedores quanto a conteúdos produzidos por terceiros que violem direitos autorais. O § 2º do artigo 19 estabelece que a aplicação do dispositivo para esse tipo de infração “depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal”.

    Antes da edição dessa lei, o STJ (Superior Tribunal Justiça) vinha consolidando o entendimento de que a responsabilidade do provedor surgiria a partir do momento em que se omitisse perante notificação extrajudicial por parte daquele que se sentiu ofendido. No entanto, o artigo 19 do Marco Civil atribuiu um novo ônus àqueles que se sentirem ofendidos; isto é, é necessário, em regra (o artigo 21 estabelece exceções, como nudez ou atos sexuais de caráter privado), que a pessoa ofendida ingresse com ação judicial exigindo a retirada do conteúdo, sendo que o provedor apenas pode ser responsabilizado civilmente caso descumpra essa ordem.

    Ocorre que o § 2º do artigo 19 estabelece que a aplicação dessa disposição à violação de direitos autorais depende de previsão legal específica. No mesmo sentido, o artigo 30 dispõe que “até a entrada em vigor da lei específica prevista no § 2º do art. 19, a responsabilidade do provedor de aplicações de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, quando se tratar de infração a direitos de autor ou a direitos conexos, continuará a ser disciplinada pela legislação autoral vigente aplicável na data da entrada em vigor desta Lei”.

    A Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) vigente trata das sanções civis à violação de direitos autorais nos artigos 102 a 104. No entanto, não prevê especificamente a questão da responsabilidade de provedores de internet pela violação causada por terceiro. Enquanto a reforma dessa lei não avançar, a jurisprudência tem um papel extremamente relevante para solucionar o problema. Nesse sentido, recente acórdão do STJ (Recurso Especial nº 1.512.647) traz uma orientação que deve ser seguida por juízes e tribunais. Porém, o acórdão não tratou de todos os problemas que envolvem essa responsabilização.

    Trata-se de um processo ajuizado por empresa que comercializa CDs e DVDs com cursos jurídicos, em face do Google, requerendo, dentre outros pontos, a responsabilização civil do provedor em decorrência de venda ilegal de seus produtos por meio da rede social Orkut. A autora intimou extrajudicialmente o provedor a retirar o conteúdo ilegal, o que foi negado pela ré.

    Primeiramente, o Ministro Relator Luís Felipe Salomão deixa claro seu entendimento de que a responsabilização de provedores pela violação de direitos autorais praticada por terceiros não se subordina ao descumprimento de ordem judicial. Continua valendo, para esses casos, o entendimento de que basta o descumprimento de notificação extrajudicial para que o provedor possa ser responsabilizado.

    Porém, o Relator entendeu que, nesse caso concreto, o Google não deve ser responsabilizado pelas condutas danosas. Para chegar a essa conclusão, baseou-se em casos de direito comparado. Um dos principais casos analisados é o do Napster nos Estados Unidos. Na decisão que condenou essa empresa de compartilhamento de arquivos em rede P2P, foi utilizada a noção de responsabilidade contributiva e vicária.

    A responsabilidade contributiva do provedor decorre do intencional induzimento ou encorajamento para que terceiros cometam o ato ilícito; já a vicária ocorre quando há lucratividade do provedor com ilícitos praticados por terceiros, sendo que o beneficiado se nega a exercer o poder de controle ou de limitação de danos quando poderia fazê-lo.

    Nos Estados Unidos, o Napster foi condenado com base nessas duas noções de responsabilidade civil; o STJ, por sua vez, considerou que o Orkut era uma rede social destinada primordialmente à troca de mensagens. Isto é, a arquitetura dessa rede social não provia materialmente os meios necessários para a violação de direitos (não fornecia instrumento tecnológico de compartilhamento de arquivos nem o caminho para download de obras protegidas pelo direito de autor), ao contrário do Napster. Portanto, não se verifica responsabilidade contributiva. Além disso, considerou-se não haver comprovação de lucratividade do Google com os ilícitos praticados pelos usuários, afastando-se a responsabilidade vicária.

    O Tribunal também discutiu a questão de o Google ter se mantido inerte após a realização da notificação extrajudicial, isto é, não retirou os conteúdos apontados como ilícitos. Mesmo assim, entendeu-se que o provedor não deveria ser responsabilizado.

    Isso porque firmou-se o entendimento de que o provedor que fica inerte quanto à notificação extrajudicial do titular do direito autoral não pode ser responsabilizado pelos danos causados anteriormente à notificação, mas apenas em relação aos prejuízos decorrentes de sua omissão. Ou seja, segundo o STJ, o provedor não pode ser responsabilizado diretamente pelos prejuízos resultantes da pirataria, mas apenas pelos danos causados após descumprir a notificação extrajudicial que requerer a retirada do conteúdo ilícito. Como esses danos posteriores não foram comprovados no caso concreto, o Google não foi condenado a pagar indenização.

    De fato, é correto o entendimento de que, em regra, a responsabilidade do provedor decorrente de violação de direito autoral cometida por terceiro começa a partir do momento em que descumprir a notificação extrajudicial, abrangendo apenas os danos posteriores a essa data; todavia, apesar de o STJ não ter tratado deste ponto, se o provedor incentivar a violação, fornecendo instrumentos tecnológicos que facilitem a prática da pirataria (responsabilidade contributiva) ou que lucre com os ilícitos praticados pelos usuários (responsabilidade vicária), deve ser responsabilizado pelos danos desde o momento em que o ilícito foi praticado pelo terceiro. Dessa forma, o mais lógico seria que tal responsabilização decorresse simplesmente da conduta ofensiva aos direitos autorais, independentemente de comunicação extrajudicial; ou seja, a exigência de notificação como pressuposto da responsabilização civil dos provedores não deve ser aplicada a todos os casos.

    Portanto, a decisão do STJ fornece uma orientação extremamente importante quanto à resolução do problema enquanto não for editada a norma específica prevista pelo § 2º do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Todavia, não trata de todos os problemas que podem surgir relacionados à violação de direitos autorais na internet.

    Marcelo Frullani Lopes é advogado graduado na USP (Universidade de São Paulo), sócio do escritório Frullani Lopes Advogados.
    • Sobre o autorMentes inquietas pensam Direito.
    • Publicações6576
    • Seguidores925
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações1214
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-responsabilidade-civil-do-provedor-no-marco-civil-da-internet/242727269

    Informações relacionadas

    Sérgio Pontes , Advogado
    Artigoshá 6 anos

    Responsabilidade Civil de Provedores da Internet

    Revenge porn: o entendimento do STJ sobre a responsabilidade dos provedores de aplicação

    Lucas Soares Fontes, Bacharel em Direito
    Modelosano passado

    Notificação extrajudicial para remover perfil falso e posts ofensivos em rede social Facebook/Instagram/Maps/Youtube- Lucas Soares Fontes

    Superior Tribunal de Justiça
    Jurisprudênciahá 9 anos

    Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX MG XXXX/XXXXX-2

    Responsabilidade dos provedores de internet nos casos de violação a direitos autorais

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)