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26 de Abril de 2024
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    Lei do Uber em São Paulo: muito além da proibição de aplicativos

    Publicado por Justificando
    há 9 anos

    Neste dia 09/09, a Câmara dos Vereadores de São Paulo vota a aprovação do Projeto de Lei nº 349/2014, o qual poderá proibir o funcionamento de aplicativos de mobilidade urbana (como Uber e Lyft) numa cidade na qual, quando chove, os táxis desafiam as leis da física e evaporam. Argumentos contrários a tais aplicativos são construídos em torno do artigo 2o da Lei Federal nº 12.468/2011, que regulamenta a profissão dos taxistas e garante que “é atividade privativa dos profissionais taxistas a utilização de veículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte público individual remunerado de passageiros (...)”.

    A “clandestinidade” dos motoristas parceiros desses aplicativos se resumiria ao fato de que é monopólio legítimo dos taxistas o transporte público individual remunerado de passageiros e, portanto, não poderiam tais motoristas exercer a “mesma atividade”. Esse entendimento deixa de notar um detalhe crucial: os transportes que os motoristas que utilizam esses aplicativos fazem não têm caráter público. Aqueles que se posicionam favoravelmente ao banimento, ainda que involuntariamente, estão fazendo uma associação desses apps (inéditos) com os táxis (velhos conhecidos).

    Ocorre que a Lei é clara: o monopólio legítimo dos taxistas se limita ao transporte público individual de passageiros. A Uber, por exemplo, é uma empresa privada, os veículos são particulares e adquiridos sem subsídios públicos, a tecnologia que move o modelo de negócio é privada, o capital investido é exclusivamente privado e não há qualquer dispositivo de lei estabelecendo que o serviço prestado pelos respectivos motoristas tem caráter público.

    Em regra, a tecnologia impacta determinados interesses de mercado e, quase sempre, gera desconforto àqueles agentes acostumados com os vícios e virtudes de seu modelo de negócio, repetido há várias gerações. Fato é que a inovação tecnológica é vista com maus olhos por quem tem sua clientela potencialmente diminuída por ela. O problema não está na saudável competição entre agentes de mercado que a inovação tecnológica ocasiona por trazer uma opção mais interessante ao público consumidor. A questão preocupante está no fato de o Poder Público não buscar entender o que representa determinada tecnologia, não vislumbrar que ela pode atender ao interesse público, e tentar equipará-la ao que já existe sem realizar qualquer esforço para estudar sua natureza e seus particularidades.

    O debate sobre o modelo de negócio objeto do Projeto de Lei em análise, de tão acirrado, ganhou tons de discussões futebolísticas recentemente. Por se falar em futebol, nesse esporte as penalidades máximas não se confundem com as disputas de tiros livres diretos da marca do pênalti. As duas situações são parecidas: um goleiro e um batedor, o árbitro estrategicamente posicionado para fiscalizar eventuais irregularidades e, em ambas, os mesmos objetivos - goleiro deve impedir a conversão e o cobrador concretizá-la. Mas não são situações idênticas.

    No caso das penalidades máximas, a natureza é a de punição. Há um caráter reparador à infração cometida dentro da grande área. Já com relação à disputa de pênaltis, trata-se de recurso de desempate de partida após o tempo regulamentar, que não possui natureza de punição. A partir dessa lógica, as diferenças passam a ser percebidas, tais como possibilidade de advertência do jogador infrator, de prosseguimento ou não do jogo após a cobrança do intento, o cômputo dos gols no resultado do jogo, os registros para fins de artilharia de uma competição etc.

    Os motoristas profissionais, parceiros de empresas que mantêm os aplicativos contestados pelo Projeto de Lei, e os taxistas exercem atividades muito semelhantes. O objetivo é o mesmo: transportar passageiros ponto a ponto de forma remunerada. O meio utilizado é um veículo automotor. No entanto, a natureza jurídica das atividades é diferente - a dos taxistas pública, e a dos demais motoristas, privada. A partir desse ponto, vêm à tona as diferenças entre os serviços, tais como a possibilidade (ou não) de utilização de pontos nas ruas, permissão (ou não) de uso das faixas exclusivas, necessidade (ou não) de adequação ao horário de rodízio, opção (ou não) de desconto na aquisição do veículo etc.

    Mas o Poder Público, nesse caso, parece fechar os olhos para as nítidas diferenças entre os modelos de negócio dos motoristas que utilizam os aplicativos e dos taxistas. Assim, caminha no sentido de equiparar serviços cuja natureza é distinta. O resultado? Ao invés da regulamentação, a vedação de aplicativos que, por si só, não possuem viés ilícito.

    Fato é que a tecnologia, por atingir novos mercados e velhos interesses, ensejará discussões cada vez mais acaloradas. Não é irreal imaginar que, daqui a alguns anos, o debate não será se o transporte remunerado de pessoas pode ser feito por motoristas parceiros da Uber ou apenas por taxistas, mas se poderá ser feito por carros automatizados, sem motoristas. A inovação pode até sofrer um revés legislativo se confirmada a aprovação do Projeto de Lei nº 349/2014, mas não será sempre vencida pelas leis. E, para resolver os futuros embates, simples equiparações não parecem ser a melhor receita.*

    * Este texto foi escrito em um teclado de computador, que se assemelha, mas não se confunde, nem se equipara, a uma máquina de escrever.

    Luis Fernando Prado Chaves é advogado especialista em Direito Digital e Eletrônico, pós-graduado em Propriedade Intelectual e Novos Negócios pela FGV DIREITO SP e colaborador do Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação (GEPI) da FGV DIREITO SP.
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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/lei-do-uber-em-sao-paulo-muito-alem-da-proibicao-de-aplicativos/229866910

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