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25 de Abril de 2024

Ações Coletivas: a Defensoria Pública e a Legitimidade do Estado Defensor

Publicado por Justificando
há 9 anos

Não há mais dúvida! A legitimidade da Defensoria Pública para o manejo de ações coletivas encontra-se hoje expressa no texto do artigo 134 da Constituição Federal, em razão da redação dada pela Emenda Constitucional 80 de 2014.

O Supremo Tribunal Federal ratificou tal legitimação quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 3943[1]. Naquela oportunidade discutia-se, mais especificamente, a possibilidade de a Defensoria ajuizar Ação Civil Pública, tendo, por unanimidade de votos, concluído o Tribunal Pleno que “A Defensoria Pública tem legitimidade para propor ação civil pública, na defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos”[2].

Sabe-se, contudo, que a tutela coletiva pode ser instrumentalizada por diversos tipos de ação. Sendo assim, nesse campo, a legitimidade da Defensoria se esgota na possibilidade de propor Ação Civil Pública?

Tratarei aqui, especificamente, de algumas situações, iniciando, nesta primeira parte do texto, pelo Pedido de Suspensão de Liminar, de Tutela Antecipada ou de Segurança.

Partirei de uma premissa contida na Lei Complementar 80 de 1994 (Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública – LONDP). Essa norma dispõe ser função institucional da Defensoria Pública, dentre outras, “promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes” (Artigo 4º, VII).

Considero, também, que a organização do sistema coletivo brasileiro é descodificada, constituindo-se por meio de microssistema (microssistema processual para tutela coletiva), caracterizado pelo policentrismo, onde diversos diplomas legais que se referem às ações coletivas se harmonizam de forma a sistematizar os princípios e regras sobre o tema[3].

Devemos considerar, ainda, o interesse público decorrente da própria natureza do processo coletivo. Segundo apontam Didier e Hermes Janeti Jr.:

“Os processos coletivos servem à litigação de interesse público, ou seja, servem às demandas judiciais que envolvam, para além dos interesses meramente individuais, aqueles referentes à preservação da harmonia e a realização dos objetivos constitucionais da sociedade e da comunidade. Interesses de uma parcela da comunidade constitucionalmente reconhecida, a exemplo dos consumidores, do meio ambiente, do patrimônio artístico, histórico e cultural, bem como, na defesa dos interesses dos necessitados e dos interesses minoritários (...) interesses e direitos ‘marginalizados’, já que muitas vezes estes estão representados em número infinitamente superior aos interesses ditos ‘majoritários’ na sociedade, embora não tenham nem voz, nem vez”.

Essas pessoas, “sem voz, nem vez”, são os necessitados mencionados no “caput” do artigo 134 da CF/88[4] e no artigo da LC 80/94. Configuram grupos vulneráveis para o qual se volta a atividade defensorial, já que, nos termos do artigo 4º, XI da LONDP também é função institucional da Defensoria “exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado”.

Os instrumentos processuais coletivos são formas de se alcançar os escopos constitucionalmente destinados à Defensoria Pública, incluindo a tutela coletiva de direitos. Assim, a atuação da Defensoria Pública é uma verdadeira forma de concretização de princípios e valores constitucionalmente estabelecidos, por meio da tutela dos necessitados, o que se encontra diretamente relacionado com a concretização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, com vistas a erradicar a pobreza, a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Artigo da CF/88).

Em suma, é preciso equipar a Defensoria Pública com os instrumentos aptos ao desempenho efetivo da missão constitucional que lhe foi atribuída.

Pedido de Suspensão de Segurança, de Liminar ou de Tutela Antecipada

O processo coletivo, entendido como processo de interesse público, se volta à defesa do interesse público primário[5], servindo, inclusive, para a concretização e controle de políticas públicas[6]. “O interesse coletivo primário ou simplesmente interesse público é o complexo de interesses coletivos prevalente na sociedade[7]”, que pode ser revelado pelo elevado número de pessoas envolvidas e pelas características da lesão. É por isso, aliás, que se mostra obrigatória a intervenção do Ministério Público nas demandas coletivas.

Ao lado do Estado que acusa e do Estado que julga deve apresentar-se, também, no mesmo plano, o que promove a defesa. Conforme asseveram Carlos Alberto Souza de Almeida Filho e Maurilio Casas Maia, a Defensoria Pública é verdadeira expressão do Estado Defensor [8], que não se revela somente no processo criminal. A existência de efetivos mecanismos de defesa dos direitos é imprescindível à própria concretização da dignidade do ser humano, preconizada no artigo , III da Constituição Federal de 1988 e no preâmbulo e artigo 1º da Declaração Universal de Direitos Humanos.

Tais instrumentos de defesa, aliás, devem ir muito além da realização de formalidades, que muitas vezes tão somente contribuem para o agravamento do quadro de vulnerabilidade social existente. Bem por isso se mostra necessário que tal missão – de defesa dos direitos de necessitados - seja incumbida à instituição estruturada, autônoma e equiparada, capaz de contrapor-se as outras vertentes estatais, atores do processo, em pé de igualdade.

O Pedido de Suspensão de Segurança, de Suspensão de Liminar ou de Tutela Antecipada encontra previsão nas leis 8.437/1992 e 9.494/1997:

“Lei 8.437/1992. Art. 4.º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

2 Lei 12.016/2009[9]. Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.

Lei 9.494/1997. Art. 1.º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do CPC o disposto nos arts. 5.º e seu parágrafo único e 7.º da Lei 4.348, de 26.06.1964, no art. 1.º e seu § 4.º da Lei 5.021, de 09.06.1966, e nos arts. 1.º, 3.º e 4.º da Lei 8.437, de 30.06.1992.”

Conforme se verifica no teor dos artigos, a medida visa suspender o cumprimento de decisões cuja execução se contraponha ao interesse público, evitando a ocorrência de grave lesão (à ordem; à saúde; à segurança; à economia pública)[10].

Observa-se, também, a legitimidade da “pessoa jurídica de direito público interessada” para o ajuizamento do pedido suspensivo. Posiciona-se a Defensoria Pública, nesse contexto, como órgão (parte integrante) do Estado, pessoa jurídica de direito público interessada na realização do interesse público primário, dentre os quais a efetivação de direitos fundamentais. Não se olvide, ainda, ser função da Defensoria Pública (e, por conseguinte, do Estado), a defesa dos direitos dos necessitados.

Sendo assim, em situação que revele grave lesão, por exemplo, à segurança ou à saúde de pessoas necessitadas, contrapondo-se, assim, ao interesse público (primário), revela-se a legitimidade da pessoa jurídica do direito público interessada (o Estado Defensor, por meio da Defensoria Pública, órgão incumbido da defesa dos vulneráveis) para o manejo de Pedido de Suspensão[11].

É o caso de Pedido de Suspensão postulado pela Defensoria Pública e deferido pelo Tribunal de Justiça do Amazonas (processo 0009640-54.2014.8.04.0000), o qual versava sobre conflito agrário envolvendo comunidade composta por mais de duzentos e cinquenta famílias assentadas há décadas em terreno de propriedade de empresa privada, na cidade de Manaus/AM. Além desse, cita-se o Pedido de Suspensão de Liminar (PSL) 60.981/2011, ajuizado pela Defensoria Pública do Mato Grosso e o PSL 0022001-86.2015.4.01.0000/AM ajuizado pela Defensoria Pública da União e Defensoria Pública do Estado do Amazonas no Tribunal Regional Federal da Primeira Região. Em todos a medida de contracautela foi admitida, reconhecendo-se a legitimidade defensorial. Conforme consta no dispositivo da decisão do Presidente do Tribunal, no último caso: “Em primeiro lugar, tenho que, na espécie, os requerentes têm legitimidade para pleitear a suspensão, visto que, em pauta, interesse público, relativamente à reintegração de posse de área verde, portanto de proteção ambiental, por comunidade composta, supostamente, por diversas etnias indígenas”.

Mais recentemente, presidente do Supremo Tribunal Federal, no bojo da Suspensão de Tutela Antecipada (STA) 800, ajuizada pela Defensoria Pública da União, proferiu decisão acolhendo o pedido formulado para assegura a autonomia da Defensoria Pública na definição das localidades em que os Defensores serão lotados. Situação similar já houver ocorrido quando do ajuizamento da STA 183/RS naquela corte.

De mais a mais, é preciso considerar, também, a existência de microssistema de tutela coletiva, mencionado em introdução, pois que “o pedido de suspensão estratifica verdadeira pretensão à tutela de direitos coletivos, que transcendem à pessoa jurídica interessada, exatamente porque se destina à proteção de interesse público relacionado com a ordem, a segurança, a economia e a saúde. Daí ser plenamente justificável admitir que (...) possam ajuizar o pedido de suspensão todos os legitimados para a propositura de ação civil pública ou de alguma ação coletiva”[12], à luz do inciso II, do art. , da Lei 7.347/1985, assim como artigo 134 da CF/88, que consagra a tutela de interesses coletivos pela Defensoria Pública e a LC 132/2009, que, em seu art. , VII defere à Defensoria o uso de quaisquer instrumentos de defesa coletiva).

Assim é que, não obstante a ausência de expressa previsão legal, a legitimidade ativa da Defensoria Pública para o ajuizamento de Pedidos de Suspensão não deve ser tolhida de instituição essencial à função jurisdicional do Estado e dotada de autonomia, sendo, ainda, incumbida da orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados (art. 134, da CF), viabilizando a salvaguarda cautelar dos interesses que deve resguardar como missão constitucional, conforme assevera Elton Venturi[13].

A única restrição em relação ao requerimento de suspensão formulado pela Defensoria Pública fica por conta da pertinência entre o pedido e suas finalidades institucionais - voltada à defesa dos necessitados e promoção dos direitos humanos, assim como para resguardar os direitos da própria instituição[14] - qualificada, em qualquer dos casos, pela presença de interesse público.

Edilson Santana Filho é Defensor Público Federal, com atuação em ofício especializado em tutelas coletivas, e Especialista em Direito Processual. Foi Defensor Público do Estado do Maranhão. REFERÊNCIAS
[1] Sobre a ADI ver: “O que disse o STF sobre a legitimidade da Defensoria para propor ação civil pública?”. Em “Afinal, qual a função da Defensoria Pública?”. Disponível em: http://www.justificando.com/2015/06/18/afinal-qualafuncao-da-defensoria-pública/ [2] Trecho retirado do Informativo n. 784 do Supremo Tribunal Federal. [3] Nesse sentido: A lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo, do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, compõem um microssistema de tutela dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se (STJ. 1º Turma. REsp 1085218 / RS. Rel. Min. Luiz Fux. Julgado em 15/10/2009). [4] Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. [5] Nesse sentido: DIDIER JR, Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil: processo coletivo. 4v. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2013. p.37. [6] Tanto o Superior Tribunal de Justiça, quanto Supremo Tribunal Federal, reiteradas vezes, têm reconhecido a possibilidade de controle e implementação de políticas públicas via Poder Judiciário, a exemplo do decidido no ARE 860979 AgR / DF (STF. Segunda Turma. Julgado em 14/04/2015), no RE 669635 AgR / SC (STF. Segunda Turma. Julgado em 17/03/2015) e no REsp 1488639 / SE (STJ. Segunda Turma. 20/11/2014). [7] Conforme escreveu Celso Antônio Bandeira de Melo citado por DIDIER JR, Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil: processo coletivo. 4v. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2013. p.38. [8] O Estado-Defensor e sua Legitimidade para os Pedidos de Suspensão de Liminar, Segurança e Tutela Antecipada. Revista de Processo | vol. 239/2015 | p. 247 - 261 | Jan / 2015 DTR\2014\21367. [9] Lei do mandado de segurança. [10] Ressalta-se não ser qualquer lesão ao Poder Público que autoriza a concessão da suspensão pelo Presidente do Tribunal, devendo haver prova cabal das lesões alegadas. [11] “A Defensoria Pública também se insere no rol de legitimados aptos à propositura dos Pedidos de Suspensão, pois que é a Defensoria Pública senão o próprio Estado? Ela não representa o Estado, mas sim, como dizem os preciosistas, "presenta-o." (FILHO, Carlos Alberto Souza de Almeida e MAIA, Maurilio Casas. Ibidem). [12] CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A fazenda pública em juízo. 8. ed. São Paulo: Dialética, 2010. p. 557. [13] VENTURI, Elton. Suspensão de liminares e sentenças contrárias ao poder público. São Paulo: RT, 2005. [14] Carlos Alberto Souza de Almeida Filho e Maurilio Casas Maia esclarecem que “Dois poderão ser os interesses mediatos do Estado-defensor ao tutelar a ordem jurídica por meio de Pedidos de Suspensão: (a) Interesse institucional próprio, próximo ao que se qualifica como interesse público secundário, a fim de evitar lesões à ordem, saúde, economia e segurança pública no que se refere ao seu atuar administrativo e sua independência institucional; (b) Interesse institucional referente à tutela dos necessitados, concernente à atuação enquanto custus vulnerabilis no âmbito coletivo, utilizando-se da suspensão como mecanismo de proteção da ordem, segurança, saúde e economia pública, porém em prol dos necessitados vulneráveis.” (O Estado-Defensor e sua Legitimidade para os Pedidos de Suspensão de Liminar, Segurança e Tutela Antecipada. Revista de Processo | vol. 239/2015 | p. 247 - 261 | Jan / 2015 DTR\2014\21367).
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