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18 de Abril de 2024
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    Novo Velho Problema: a necessidade de distinção entre Tutela Cautelar e Tutela Antecipada

    Publicado por Justificando
    há 9 anos

    A discussão no direito brasileiro em torno das tutelas de urgência antecipadas (ou satisfativas) e acautelatórias sempre foi grande. Tal discussão existia mesmo antes da possibilidade de concessão de tutelas antecipadas de modo genérico (introduzida no CPC/73 pela Lei 8.952/94)[1].

    Antes da entrada em vigor da legislação mencionada (ou seja, antes da existência da tutela antecipada tal como hoje conhecida), tínhamos, de modo genérico, a possibilidade de concessão da tutela cautelar inominada (ao lado das cautelares nominadas), por meio da previsão contida no art. 798 e 799 do CPC.

    Muito se discutiu sobre a própria natureza cautelar das medidas nominadas previstas no livro III do CPC/73, como também sobre a natureza das medidas inominadas pleiteadas.

    Em que pese a inexistência da redação do art. 273 do CPC/73 (tal como a hoje existente), já se afirmava que o Livro III do CPC/73 previa a possibilidade de concessão de tutelas satisfativas (antecipatórias)[2]. Tal possibilidade, aliás, há muito já havia sido sistematizada no direito italiano[3], em que pese toda a discussão posterior aqui no Brasil.

    Aqui, uns diziam haver, até mesmo, contradição nos próprios termos quando se estava diante de “cautelares satisfativas”. Afinal, o que acautela, não poderia satisfazer.

    Em 1994, com a alteração do CPC/73, passou-se a existir a possibilidade de concessão de tutelas de urgência satisfativas (tutelas antecipadas) de modo geral. Isto se deu por meio da alteração dos art. 273 e 461 do CPC.

    Hoje seria impensável, diante do modelo constitucional do processo, refutar a hipótese de concessão de tutela satisfativa de modo geral tal como previsto nos art. 273 e 461 do CPC/73. Isto porque o art. XXXV da CF é expresso ao afirmar que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Significa dizer que, mesmo que não houvesse a redação do art. 273 ou 461 do CPC/73, ainda assim seria permitida a concessão, de modo geral, de tutela antecipada.

    Ocorre que, com a entrada em vigor da Lei 8.952/94, apesar de esta ter impulsionado o manejo e a concessão das tutelas satisfativas, ela também trouxe grande caos decorrente do formalismo exacerbado que ainda continua sondando o Direito Processual.

    Isto porque não bastasse a forma distinta de se requerer a tutela satisfativa - uma vez que as cautelares deveriam ser pleiteadas por meio de um “processo” distinto, entendia-se que os requisitos para a concessão também seriam distintos, além de haver enorme restrição quanto à possibilidade de a parte pleitear por meio de processo “preparatório”[4], tutela antecipada (art. 800 do CPC/73)[5].

    Um dos clássicos problemas surgidos com a alteração do art. 273 decorria da necessidade de sustação de protesto, a qual até hoje a doutrina se divide sobre a natureza jurídica desta medida: se satisfativa ou acautelatória.

    Antes de 1994, contudo, ninguém discutia sobre o cabimento de cautelar de sustação de protesto.

    Não obstante, após 1994 o que era entendido e aplicado como tutela cautelar passou a ser aplicado por alguns juízes como tutela antecipada e, diante disto, surgiu a celeuma: se a parte ajuizava cautelar para sustar o protesto e o juiz falava que era caso de tutela antecipada, o que deveria a parte fazer? Imagine agora a situação inversa. Perante outro juiz, a situação era completamente diferente, ou seja, a parte pleiteava a concessão de tutela antecipada para que não ocorresse o protesto e o juiz acabava por entender que seria o caso de concessão de tutela cautelar.

    Esta discussão, que sequer deveria existir, perdurou até a inclusão do § 7º ao art. 273. A ideia do legislador aqui seria encerrar todas as discussões. Não obstante, não foi o que ocorreu, uma vez que a redação de tal parágrafo não foi das melhores, permitindo que houvesse interpretação no sentido de que a fungibilidade ali prevista seria de mão única (ou seja, se a parte pleiteou a concessão de tutela antecipada e o juiz entendeu que seria o caso de cautelar, o juiz poderia conceder a cautelar, desde que presentes os requisitos, mas o inverso ele não poderia fazer).

    A doutrina veio, nestes últimos anos, procurando sistematizar a utilização das tutelas satisfativas e acautelatórias, no intuito de dirimir todos os problemas existentes em decorrência da diferenciação de procedimento e requisitos.

    A novel legislação afirma que tanto a tutela satisfativa quanto a cautelar podem ser pleiteadas em caráter antecedente ou incidental e os requisitos para concessão são os mesmos – afinal, não há razão lógica para a diferenciação. Até porque na teoria pode ser fácil afirmar que a referida “prova inequívoca da verossimilhança” tenha um grau de certeza maior do que o simples fumus boni juris. Tal diferenciação, todavia, é puramente teórica e não real[6].

    Não obstante a equivalência dos requisitos no NCPC, o legislador acabou por prever procedimentos distintos para a concessão de tutelas de urgência antecedentes (vide arts. 303 a 304 e 305 a 310).

    Desta forma, ainda continuará sendo necessária a distinção no dia a dia entre tutela cautelar e tutela antecipada, não se tratando de mera elucubração acadêmica ou doutrinária.

    Expliquemos:

    Na hipótese de a parte pleitear tutela antecipada em caráter antecedente, deverá ela apresentar em sua inicial: (i) requerimento de tutela antecipada; (ii) indicação do pedido de tutela final; (iii) exposição da lide; (iv) exposição do direito que se busca realizar; (v) exposição do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.

    Se, todavia, a parte pleitear tutela cautelar, sua petição inicial deverá indicar: (i) a lide e seu fundamento; (ii) exposição sumária do direito que se objetiva assegurar; (iii) exposição do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.

    O art. 303 prevê a existência de fungibilidade entre as tutelas de urgência. Entretanto, ele não prevê a fungibilidade de mão dupla de forma expressa, o que poderá trazer as mesmas consequências hoje vividas com a redação do § 7º do art. 273 do CPC/73, o que será totalmente improdutivo para o dia a dia forense.

    Na hipótese de tutela antecipada antecedente, após a concessão da tutela, o autor deverá aditar a inicial em 15 dias ou outro prazo maior fixado pelo juiz.

    Na cautelar, por sua vez, o autor deverá apresentar o pedido principal em 30 dias.

    Na tutela antecipada, o réu será citado e intimado para comparecer à audiência de conciliação ou de mediação, sendo que seu prazo de resposta apenas começará a correr após isto (como regra). Na cautelar, por sua vez, o réu será citado para, no prazo de 5 dias, contestar o pedido e indicar as provas que pretende produzir. A audiência de conciliação apenas ocorrerá após apresentação do pedido principal. Novo prazo para contestar surgirá após a referida audiência de conciliação ou mediação. Assim, novo prazo para contestar surgirá. Ou seja, se a parte pleitear tutela cautelar, o réu terá a possibilidade de contestar a demanda duas vezes, o que não ocorrerá na hipótese de tutela antecipada.

    Curiosamente, se a parte pleitear tutela antecipada de forma antecedente (porque ela ainda precisa de tempo para juntar toda a documentação), caso o juiz entenda que não estão presentes os requisitos para a concessão da tutela antecipada, ele determinará a emenda da inicial em 5 dias do indeferimento. Se concedida, todavia, conforme visto acima, o prazo para emenda será de 15 dias a contar da concessão (ou outro, ainda maior, fixado pelo juiz), o que é um contrassenso, smj. Somado a isso, se a tutela de urgência pleiteada for de natureza cautelar, a emenda deve ser realizada em 30 dias da efetivação da cautelar.

    Outros pontos de atenção são (i) a existência de hipóteses de cessação de eficácia da tutela cautelar antecedente, que não estão previstas para a tutela antecipada; (ii) a possibilidade de estabilização da tutela antecipada, mas não da cautelar.

    Assim, voltamos à celeuma: na hipótese de uma sustação de protesto, caso o juiz A entenda a sustação de protesto tenha natureza de tutela antecipada, teríamos a seguinte situação: após a concessão da tutela e não havendo recurso da decisão concessiva, haveria a estabilização da tutela, com a extinção do processo.

    Se, por outro lado, o juiz B entender que a sustação de protesto tenha natureza cautelar, ainda que não tenha havido contestação, nem recurso pela outra parte, o juiz determinará a cessação da eficácia da tutela de urgência concedida.

    Em suma, apesar de importantes e positivas modificações trazidas pelo Novo CPC, perdemos uma ótima oportunidade de sistematizar de forma única, os procedimentos das tutelas de urgência, extirpando do dia a dia forense imbróglios como o citado acima.

    Luiz Antônio Ferrari Neto é Especialista, Mestre e Doutorando em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Advogado. Coordenador Jurídico na Cosan S/A. Professor do Centro Universitário Estácio Radial de São Paulo. Membro do CEAPRO e da Comissão de Direito Processual da OAB-SP, Subseção de Pinheiros.
    REFERÊNCIAS [1] Segundo bem relata Ovídio Baptista, a discussão remonta a Chiovenda: “É possível então, segundo nos parece, fixar na doutrina de Chiovenda o início da confusão entre os dois conceitos fundamentais a que os juristas medievais recorriam para distinguir os casos de ‘execução provisória urgente’, determinada pelo ‘periculum in mora’ das hipóteses em que o direito estivesse sob ameaça de ‘damnun irreparabile’ que, jamais, poderiam implicar antecipação da tutela satisfativa”. (SILVA, Ovídio A. Baptista da. Do Processo Cautelar. 4. ed. Rio de Janeiro, Gen – Forense, 2009, p. 51) [2] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória. São Paulo: RT, 1992 [3] Vide a obra de Piero Calamandrei sobre os Provvedimenti cautelari. [4] Melhor seria que o CPC/73 utilizasse o termo antecedente, como bem expôs Lopes da Costa. LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo. Medidas Preventivas – Medidas Preparatórias – Medidas de Conservação. 3. ed. São Paulo: Sugestões Literárias S.A., 1966, p. 18 [5] Em sentido contrário, admitindo a possibilidade de tutelas antecipadas antecedentes: DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, p. 82-83 (“Negar sistematicamente a tutela antecipada em caráter antecedente, ou preparatório, seria ignorar o art. 5º, inc. LXXVIII, da Constituição Federal [...]”) [6] BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. vol. 4. 2. ed. São Paulo: 2010, p. 158
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